Como será o amanhã? Estudante de jornalismo Fabiane Almeida responde
Leia o décimo texto da seção “Como será o amanhã?” com utopias para tempos distópicos
Nos vemos em breve
por Fabiane Almeida
Vê-lo nos braços dos avós parecia ser a realização de um sonho. Clarice ansiara por aquilo há tanto tempo, que até esquecera-se de tomar o café, de tão admirada que estava. Sentados à mesa da cozinha posta, os assuntos eram tantos e as risadas tão gostosas, que era inevitável se sentir feliz.
– Está gostando de ver seus avós? – ela perguntou ao menino de dois anos.
– Vovô é gande – Pedrinho tentou responder.
– Ele é maior fora do celular, né – Clarice riu.
Quando eles desceram do táxi dois dias atrás e Clarice olhou para a fachada da casa, parecia que nada mudara. As paredes tinham o mesmo tom de laranja do pôr do sol e no jardim bem cuidado se abriam algumas flores. Quando tocou a campainha, ouvir o latido do cachorro e vê-lo correndo pela porta que se abria, quase a fez chorar. Atrás viera um casal de senhores que os abraçaram e beijaram como não faziam há tanto tempo, que parecera uma eternidade.
Agora já estava mais fácil controlar os acessos de choro sempre que percebia que havia, finalmente, voltado para casa. É claro que suas emoções ainda eram abaladas quando via a porção de porta-retratos espalhados pela sala e quartos. Era difícil lidar com o que perdera, mas entendia que foi a forma que os pais haviam encontrado de se sentirem perto. Quando pensava no tanto de tempo que passou e em tudo que aconteceu, era difícil acreditar que era realidade. Por várias vezes havia se perguntado se por acaso não teria caído em algum dos livros de ficção que sua irmã lia.
Pulando de um lado para outro, Pedrinho corria com seu novo brinquedo, com os avós em seu encalço. Eles já haviam brincado de teatro, de pique-pega, de bola e de corda, e agora o dragão roxo que ganhara de presente do avô era seu novo melhor amigo. Era preciso apelar para cantigas e histórias para fazê-lo dormir, de tão entusiasmado que ele estava com a novidade de ver os avós em carne e osso, para além de uma tela de celular a qual ele, raramente, prestava atenção por mais de cinco minutos.
– Mama – chamou ele, capturando a atenção de Clarice para fora de seu devaneio.
– Oi meu amor – ela respondeu, de maneira automática.
– Qué biscoito – pediu, e ela o atendeu, entregando uma unidade.
– Ele ainda te chama de mãe? – perguntou a avó, em tom mais baixo.
– Ele também me chama de tia, mas costuma confundir. Acho que quando ele vê muitas fotos dela, ele percebe as semelhanças e… – tentou explicar, mas interrompeu a fala ao ver a mãe vacilar.
– Maldita asma – sua mãe praguejou, tapando a boca para conter as lágrimas – Se eu soubesse…
– Mãe, fizemos tudo que estava ao nosso alcance, você sabe.
– Vovó – Pedrinho chamou, agarrando as pernas da avó em um abraço apertado.
– Cuidado, querido – disse a avó, enxugando o rosto e pegando o menino no colo.
– Binca – ele pediu, com olhos castanhos enormes e sorridentes. Às vezes Clarice pensava que era aquele sorriso que a motivava a levantar todos os dias e ver novamente um colorido sobre todo o preto e branco que quase engolira o planeta como um grande tsunami.
Ele a lembrava muito de Ana, não só pelo rosto, mas pela coragem, a curiosidade e o entusiasmo. Em tudo, para ela, havia um significado e sempre havia uma solução para os muitos obstáculos da vida, como se fosse um livro de aventura, que deixava sempre o ensinamento de um sábio no final. Quando pensava nela, Clarice sentia como se, durante a vida toda, suas palavras a tivessem preparado para o que vivia agora. Ter o Pedrinho em sua vida era como ter uma extensão dela.
No fim daquela tarde, Clarice deu um abraço apertado no pai, depois outros dois ou três e fez o mesmo com a mãe, os enchendo de beijos, com medo de ir embora. A cada vez que os soltava, seu pai dizia:
– Nos vemos em breve.
Três horas mais tarde, o ônibus estacionou na rodoviária e eles pegaram um táxi para sua outra casa. Quando chegaram ao prédio, Tadeu já os esperava na portaria e Pedrinho correu para abraçá-lo.
– Que saudade! – ele abraçou o filho – Queria tanto ter ido, mas precisava ficar. A loja superou a meta pela primeira vez em meses, todo mundo ficou muito feliz, tinha que ver – contou à Clarice – Mas quero muito ir na próxima vez.
– Vai sim – disse ela – Já vou indo. Nos vemos amanhã – ela deu um beijo em Pedrinho, saindo em direção à rua.
– Tia – chamou Pedrinho – Mostra pra mama – ele lhe entregou o dragão.
– Assim? – Clarice perguntou, estendendo a pelúcia em direção ao céu estrelado.
– Mais alto!
Ela levantou na ponta dos pés.
– Meu pesente, mama!
Fabiane Almeida é graduanda em Comunicação Social pela UFJF e atua como estagiária na Tribuna. Nasceu, vive e trabalha em Juiz de Fora.
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