Como será o amanhã? Escritora Cecy Campos responde

Leia o quinto texto da seção “Como será o amanhã?” com utopias para tempos distópicos


Por Tribuna

20/04/2020 às 21h32

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Reações em tempo de pandemia

Por Cecy Campos

A humanidade vive momentos traumáticos, completamente insuspeitos. Quando poderíamos imaginar passar por esta terrível experiência da qual só tínhamos notícia através da ficção, pelo cinema ou por obras literárias? Agora os fatos são reais e não desaparecem após a leitura de um livro ou da visualização nas telas. Ainda não sabemos como a pandemia que nos atinge será superada e que marcas deixará nos sobreviventes. Este trauma, por certo, será elaborado de formas diversas e em diferentes graus de complexidade, conforme o aparelho psíquico de cada um.

As reações das pessoas variam e, tanto as que estão próximas como as que vivem em longínquas partes do mundo, muitas vezes nos surpreendem. Não há um padrão de comportamento para enfrentar o problema. Há os inconsequentes, que decidem aproveitar o momento e, sem preocupações materiais, fazem como o Príncipe Próspero, criado por Edgar Allan Poe que, em meio à terrível epidemia da peste, encerra-se em seu palácio com um grupo de amigos, providenciando música, diversão, bebidas e iguarias suficientes para uma quarentena com bastante entretenimento. O príncipe está cônscio do perigo de haver algum desmancha prazer no grupo que, repentinamente seja acossado por uma crise de pânico e resolva abandonar as festividades por medo de contágio; por isso manda fundir as fechaduras das portas do castelo, de modo que ninguém possa sair ou entrar no local.

Há aqueles que, ao contrário, imergem em tristeza profunda e não conseguem levar a vida dentro de um nível próximo à normalidade, tamanho é o pavor de serem atingidos pela doença ou verem seus entes queridos correndo este risco.

Outros entendem a situação, mas falta-lhes discernimento para decidir o que devem fazer.

Não há dúvida que é difícil enfrentar o isolamento físico, interromper as atividades às quais estamos habituados, reagir aos momentos de tristeza a que somos levados pelo conhecimento das tragédias que ocorrem todos os dias e são transmitidas pelos meios de comunicação. É difícil ficar sem rever amigos, deixar de beijar os netos, distribuir abraços aos entes queridos. Entretanto, estas manifestações de afetividade podem ser expressas de outras formas. Temos tempo agora para refletir sobre os problemas que se abateram sobre a humanidade. Temos tempo para conversar com a família, para tomar as refeições juntos, para sentar no sofá fazendo cafuné na cabeça do companheiro ou companheira e temos tempo para brincar com os filhos. Temos tempo para pensar sobre tudo que está acontecendo e refletir em relação a tantas coisas que nos desagradam e que desejamos mudar ou ver mudadas.

Sentimos falta de amigos que não vemos há longo tempo, sentimos saudades de parentes que estão longe e lembramos de pessoas que havíamos esquecido. Preocupamo-nos com vizinhos que não conhecemos, com anônimos dos quais dependemos sem saber seus nomes e com idosos solitários que podem precisar de ajuda.

Serão estes, sinais de uma mudança para melhor nos sentimentos humanos? Sinais que nos permitam vislumbrar atitudes positivas que restauram nossa esperança na humanidade?

Acredito que a superação deste mal acarretará uma transformação em cada um de nós, individualmente e como parte do todo, da coletividade. “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte do todo. […] a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano”, já dizia John Done, poeta e religioso inglês, em “Meditação” escrita no século XVIII, alertando-nos sobre a importância da interação entre os seres humanos. Este período de sofrimento resultará em profícuo aprendizado que nos tornará mais conscientes da nossa pequenez e da necessidade de manutenção dos laços de afeto e solidariedade.

wcecyCecy Barbosa Campos é professora e escritora, autora de, entre outros, “Crepusculares” (Aldrava, 2010), “Caleidoscópio” (Griphon Edições, 2014) e “Visões do cotidiano” (Editar Editora, 2016). Nasceu, vive e trabalha em Juiz de Fora.

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