Tupi acumula dívidas e vê futuro nebuloso
Com descrédito e críticas de torcedores com a queda após 13 anos na elite estadual, clube pode ficar sem calendário no segundo semestre de 2020
Em 2016, o Tupi vivia o auge de sua história em competições nacionais com a disputa da Série B do Campeonato Brasileiro. Três anos depois, os carijós amarguram sucessivos descensos, como o confirmado neste sábado (16), ao Módulo II do Mineiro, e o risco de o futebol alvinegro ficar sem calendário no segundo semestre de 2020 caso o time não conquiste o acesso à Série C neste ano.
A nova queda, desta vez em âmbito estadual, eleva a indignação dos torcedores e pode ser explicada por diversos fatores extra-campo que culminaram com a formatação do atual elenco, criticado técnica e fisicamente, e que não trouxe uma vitória sequer na temporada ao fã juiz-forano. A Tribuna entrou em contato com a assessoria do Tupi para buscar posicionamento da presidente Myrian Fortuna sobre o teor desta reportagem, mas foi informada de que, nesse momento, o clube não iria se pronunciar. A reportagem também ligou para o diretor comercial Bernardo Fortuna, mas não obteve retorno. O espaço está aberto a manifestações do clube.
Confira alguns fatos que marcaram a trajetória do Tupi nos últimos anos.
Distanciamento do torcedor
A relação com a torcida carijó talvez seja a maior derrota do clube nos últimos anos. Mesmo na Série B do Campeonato Brasileiro, o Tupi seguiu com o registro de público inferior a mil pessoas no Estádio Municipal. Desde então, o clube pareceu se distanciar do torcedor, com derrotas sucessivas em campo e episódios como a tentativa de venda da semifinal do Campeonato Mineiro de 2018 para que o duelo contra o Cruzeiro, em que o Tupi era mandante, não fosse realizado em Juiz de Fora, mas sim no Mineirão, em Belo Horizonte. A tentativa – vetada pelo então prefeito juiz-forano Bruno Siqueira – foi a gota d’água. A partir deste momento, os protestos contra a direção alvinegra aumentaram.
Durante as entrevistas coletivas, apenas o então diretor de futebol, Nicanor Pires, se manifestava. A presidente do clube, Myrian Fortuna, se reservava às reuniões internas, sem atender a imprensa para responder os questionamentos vindos da arquibancada. A falta deste contato foi outro fator que distanciou a torcida da gestão do clube e motivou críticas à família Fortuna. A última delas aconteceu no jogo contra o Cruzeiro, do fim de semana, com o protesto “Público Zero”.
Neste mês, inclusive, torcedores de diferentes grupos carijós, como a AAT, Embaixada Carijó, Tribo Carijó e Tupirados, além de alguns associados, criaram o movimento SOS Tupi. A projeção de mudança do movimento passa pela construção de uma chapa homônima, ainda sem líder, para servir de oposição no pleito, em outubro.
Torcedores sem ingressos
Assim como ocorreu no clássico Tu-Tu, o duelo que selou o rebaixamento carijó ao Módulo II do Mineiro, diante do Cruzeiro, também foi marcado pela presença de torcedores das duas equipes sem ingressos nos portões do Estádio Municipal, conforme reclamações divulgadas por torcedores nas redes sociais. Ao todo, cerca de 5 mil bilhetes foram colocados à venda. O público divulgado foi de 3.290 torcedores pagantes, com 4.300 presentes. O clube não se posicionou sobre o assunto.
Falta de alternância
A família Fortuna está na presidência do Tupi desde 2008, quando Áureo Fortuna iniciou mandato. Ficou até 2013, seguido por Myrian, mandatária do Alvinegro desde 2014. Atualmente, o clube ainda possui, por exemplo, Bernardo Fortuna como diretor comercial, e Leonardo Freguglia (filho de Myrian) como médico. A família, nas poucas vezes que fala à imprensa, sempre reitera o amor pelo clube, o esforço financeiro nas construções de elencos e relembra acessos conquistados, da Série D à Série B, além dos títulos da quarta divisão nacional, em 2011, e do interior de Minas, no ano passado.
Finanças comprometidas
Justificativa em quase todas as entrevistas da cúpula carijó nos últimos anos é a limitação orçamentária imposta pelo clube desde o processo de formatação do elenco, mesmo com o direito à verbas, como em 2019, dos direitos de televisão do Campeonato Mineiro e da Copa do Brasil – valores que superam R$ 1 milhão. “Mas para onde vai este dinheiro?”, perguntam centenas de juiz-foranos aos jornalistas. Internamente, o clube trabalha com uma filosofia de não expor valores de patrocínios e outras verbas.
Os balanços financeiros anuais são enviados à Federação Mineira de Futebol (FMF) e aprovados. No site da FMF, no entanto, constam apenas os de 2014 a 2016. Após o rebaixamento à Série D, em 2018, Myrian reiterou a posição de não divulgar aos torcedores algumas informações. “De três em três meses fazemos reuniões do Conselho, temos que apresentar balanço para o Profut, para a Federação, mas têm coisas de contrato que não posso expor”, afirmou a presidente.
Dívidas trabalhistas
Paralelamente, o clube se vê às voltas com dívidas trabalhistas. Em outubro de 2018, a Tribuna realizou levantamento e apurou 43 ações na Justiça contra o Tupi em uma dívida trabalhista cobrada que superava os R$ 3 milhões, com direito, inclusive, a cobrança do Ministério Público Trabalhista de R$ 1,5 milhão, ainda tramitando na justiça. Atualmente, o número de ações subiu para 45. E deve aumentar. A reportagem confirmou que profissionais da comissão técnica demitidos pelo clube durante o mineiro, casos do técnico Gérson Evaristo, além de Hugo Rodrigues, Talles Warol e Andrezinho, além do diretor Nicanor Pires possuem pendências de pelo menos um mês de atraso. Os salários dos atletas do clube estão em dia.
As dívidas ainda podem comprometer o futuro do clube que, sem verba da TV em 2020, terá ainda maior limitação nos cofres.
Venda de área na sede
Diante do cenário financeiro, o Conselho Deliberativo do clube, presidido pelo ex-presidente alvinegro José Luiz Mauler Júnior, o Juninho, aprovou proposta de construção de edifício de salas comerciais em área de 3 mil metros quadrados na Sede Social do Tupi pela empresa ACR Empreendimentos. Em contrapartida à cessão do terreno, a construtora repassará como propriedade ao Tupi o número de salas comerciais correspondentes ao valor do terreno, avaliado por corretores imobiliários contratados pelo clube em R$ 4 milhões.
Montagem de elenco
Outra consequência das dívidas trabalhistas é a fragilidade do clube nas negociações com o mercado. Nos bastidores, a Tribuna apurou que a folha salarial carijó dos jogadores para este Campeonato Mineiro teria sido de quase R$ 80 mil. Com parte da verba penhorada para as dívidas, o diretor Nicanor Pires admitiu elenco com “perfil comercial” na apresentação e se aliou à empresários, estratégia que se mostrou falha, como ele próprio admitiu.
Material esportivo
O Tupi trocou, nesta temporada, o fornecedor de material esportivo. Sob comando do diretor comercial carijó, Bernardo Fortuna, o clube buscou contrato longo com a Embratex – que duraria três temporadas – e deixou a antiga fornecedora. Contudo, o Galo teria recebido apenas cinco jogos de uniforme em todo o Mineiro, sendo apenas um de treino. A dificuldade em lavar e secar as roupas para as atividades diárias fez com que a equipe treinasse com uniformes misturados.
A Tribuna buscou contato com Bernardo Fortuna, sem sucesso. A Embratex, por sua vez, afirmou à reportagem nesta segunda que “as coisas estão sendo todas providenciadas para conclusão do restante dos materiais”. A ideia, segundo a empresa, é que nesta semana tudo se resolva. O América (RN) divulgou, também nesta segunda, o rompimento do vínculo com a fornecedora por não “honrar com o contrato” em relação à entrega de materiais.
Juninho reafirma candidatura
O presidente do Conselho Deliberativo carijó, José Luiz Mauler Júnior, o Juninho, concedeu entrevista ao programa No Giro da Bola, da Rádio CBN Juiz de Fora, nesta segunda, e confirmou a informação divulgada pela Tribuna, em outubro do ano passado, de que irá se candidatar ao pleito alvinegro neste ano.
Na entrevista, Juninho também lamentou o rebaixamento. “Estamos muito tristes, a situação é muito ruim. O Tupi já vem dentro de um período de três, quatro anos decaindo de todas a competições que vem disputando. Mas não podemos tratar isso como se fosse o fim do mundo. Todos os times mineiros que a gente conhece, com exceção de Atlético e Cruzeiro, já foram rebaixados. Temos que colocar a cabeça no lugar e ver que é possível resolver a situação como já foi feito em outras ocasiões”, destaca.
Sobre o momento do clube, Juninho ainda opinou que a “diretoria tem que se movimentar, se mobilizar, passar por cima dessa situação vexatória que vive, porque se o Tupi for mal na Série D, ano que vem não tem calendário, a não ser a segunda divisão do Campeonato Mineiro. Se o Tupi realmente continuar com esse time totalmente descompromissado, sem sangue e descomprometido, vai disputar a Série D e só não vai ser rebaixado porque não existe uma série inferior.”
Tópicos: campeonato mineiro / futebol / tupi