Dívida trabalhista cobrada do Tupi supera os R$ 3 milhões
Débito é três vezes maior que o patrimônio do clube, réu em pelo menos 43 ações na Justiça
Com inúmeros problemas para resolver após a queda para a Série D do Campeonato Brasileiro, o Tupi enfrenta outro grande desafio fora das quatro linhas. Segundo levantamento exclusivo feito pela Tribuna na Justiça Trabalhista, o clube é réu em 43 processos no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região, responsável pelas ações em Minas Gerais. Somada, a dívida cobrada em todos os processos chega à quantia de R$ 3.272.291,21. O total corresponde à soma de todos os valores pedidos na Justiça referentes a atrasos de pagamentos e indenizações devidos a profissionais que passaram pelo clube.
A situação contrasta com as declarações dadas pela presidente Myrian Fortuna, em entrevista coletiva realizada na última terça-feira (14), para explicar os motivos para o descenso do Tupi. Questionada se as ações trabalhistas poderiam impactar o futebol do Galo, a presidente afirmou que a porcentagem de pagamentos de dívidas trabalhistas é pequena, não ameaçando o futuro do clube. “Nossa intenção é cada audiência fazer um acordo. Só não conseguimos pagar quando a pessoa quer algo absurdo. Dentro da nossa diretoria, nunca deixei de pagar o que devia. Se tem o dinheiro, pagamos os funcionários e atletas. Os impostos ficam até pendentes, às vezes. O Joinville estava com dois meses de salários atrasados. O Cuiabá, com a renda toda que tem, o diretor veio perguntar se estávamos em dia e respondemos que sim. O futebol trabalha assim, mas procuramos cumprir com tudo o que foi combinado”, afirma.
No entanto, atualmente, o clube se encontra no Banco Nacional dos Devedores Trabalhistas em virtude de inadimplência perante a Justiça do Trabalho quanto às sentenças condenatórias ou aos acordos judiciais trabalhistas. A situação tem feito com que o Tupi tenha boa parte da sua limitada renda penhorada, a fim de garantir o pagamento das obrigações. A situação é bem diferente da registrada há três anos, quando o clube se viu obrigado a ter a Certidão Negativa de Débito (CND) para que pudesse ingressar no Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), do Governo federal.
Segundo o levantamento, a maior parte das ações atuais foi movida por ex-jogadores com passagens em diferentes momentos do clube, como no título da Série D, em 2011, campanha na Série B em 2016, e nas diferentes campanhas da Série C nos últimos anos. Há também ex-funcionários do clube na lista de reclamantes. As principais reivindicações são relacionadas a salários atrasados, verbas indenizatórias por rescisão contratual e pagamento de décimo terceiro salário e férias. Os valores pedidos pelos jogadores, no entanto, divergem em virtude da complexidade e do tamanho da dívida. Enquanto o mínimo pedido é R$ 10 mil, o máximo chega a R$ 180 mil.
Apesar de a ação mais antiga ativa ser de 2005, nos últimos anos, o número de jogadores que acionaram a justiça para receber valores atrasados tem se intensificado (ver quadro). Somente neste ano, 11 novas ações foram ingressadas no Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Somados, o valor pedido nessas ações deste ano chega a quase R$ 1 milhão. Se somada com as ações de 2017, o número corresponde a mais da metade dos processos ativos contra o clube.
A inadimplência dos compromissos trabalhistas do clube fez com que o Ministério Público do Trabalho (MPT) também ingressasse com uma ação, alegando descumprimento de obrigações legais trabalhistas na contratação de trabalhadores, tais como pagamento de salários, verbas rescisórias, férias e vale-transporte, além da existência de vínculos empregatícios sem a devida formalização.
Além disso, na lista de ações, há duas cobranças movidas pela Fazenda Nacional e União para execução da dívida ativa do Tupi. Segundo a lista dos devedores da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o clube hoje tem uma dívida de R$ 323.607,41 com a Fazenda Nacional. Destes, R$ 250.820,98 são relativos a dívida previdenciária, enquanto o restante, de R$ 72.786,43, corresponde a dívida tributária.
Procurado pela reportagem, o responsável pelo departamento jurídico do Tupi, Lucas Fortuna, afirmou que a agremiação só se posiciona sobre ações trabalhistas na Justiça Trabalhista, a fim de preservar atletas e clube.
Lateral do acesso à Série B é um dos prejudicados
Entre as dezenas de reclamantes está o lateral-direito Osmar. Ex-capitão carijó e peça importante na campanha que levou o Galo à Série B, o jogador revelou as pendências que protagonizam ação que se encaminha para a sentença ainda neste ano. “Me devem acertos do ano de 2016, além de pendências como férias, 13º salário e o mês de novembro de 2015. A sentença deve ocorrer em breve. É uma pena o que estão fazendo, são muitas ações na Justiça sendo executadas. Joguei em diversos clubes, mas gostei demais do Tupi. Queria ter encerrado minha carreira no clube, mas tiraram isso de mim”, explica o experiente atleta.
O advogado de Osmar, Fernando Cruz, também representa o goleiro Glaysson e o zagueiro Fabrício Soares com ações trabalhistas contra o Galo. “Ninguém recebeu férias, 13º. Nesse mesmo caminho tem mais atletas.”
Ao explicar a situação da ação de Osmar, mais avançada, o advogado revelou que o clube teria o hábito de contratar jogadores com pagamentos divididos entre o valor declarado na carteira de trabalho e uma parte, relativa aos direitos de imagem, paga por fora.
“O caso do Osmar está aguardando sentença. Ele pede integração do salário, porque recebia R$ 1 mil na carteira e o resto por fora, para o clube não ter que declarar o valor total. Em 2016, o clube registrou valor maior na carteira e emprestou ele para o Volta Redonda. Nesse período, eles (a diretoria do Tupi) pagaram menos do que havia sido combinado”
Os valores mensais recebidos por imagem, contudo, não foram informados. Segundo o parágrafo único do artigo 87 da Lei Pelé, “quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem. (Incluído pela Lei nº 13.155, de 2015)”.
Parcelamento do Profut foi maior que o valor do patrimônio
Ainda na coletiva aos jornalistas realizada na última terça, a cúpula carijó foi questionada sobre a opção de não divulgar à imprensa os balanços financeiros anuais do clube. O diretor de futebol, Nicanor Pires, relatou que “não existe a falta de transparência. Se vocês quiserem ter acesso, basta entrar em contato com a Federação Mineira. Inclusive, o clube de futebol que não publica seu balanço anual é penalizado no próximo ano. Se não me engano, é até impedido de disputar competições”.
A presidente Myrian Fortuna complementou e, à reportagem, afirmou que o clube cumpre com suas obrigações estatutárias. “Não tenho o balanço para te passar e nem vou, porque dentro do estatuto não sou obrigada a passar para a imprensa. Ele é publicado no site da Federação, dentro do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol (Profut) e no Conselho Fiscal.”
Diante disto, a Tribuna entrou em contato com a assessoria da Federação Mineira de Futebol (FMF), que ainda não havia divulgado o balanço de 2017 no site oficial. A entidade afirmou que iria procurar o documento para publicação nos próximos dias.
Apesar disto, o documento com os dados da temporada de 2016 era acessível no endereço eletrônico da FMF (confira aqui). O balanço do ano de 2016, em que o Tupi disputou a Série B do Campeonato Brasileiro, mostra que o clube obteve um déficit líquido de R$ 963.163,15. A dívida corresponde quase ao valor total de patrimônio ativo do clube daquela época, de R$ 1.064.098,49.
A agremiação teve, em obrigações tributárias naquele ano, R$ 3.145.532,83 de despesas. Somente a dívida parcelada pelo Profut chega a R$ 1.392.903,70, valor superior ao do patrimônio do clube em 2016.
Na relação de receitas do Tupi no futebol, foi calculado um total de R$ 2.696.489,04 em “patrocínios diversos”. Já nas despesas do clube, destacam-se as relacionadas ao futebol na temporada, somando R$ 603.763,10.
Ainda no balanço financeiro de 2016 encaminhado pela cúpula carijó à FMF, com assinatura da presidente Myrian Fortuna, a direção reconhece “a exatidão do presente demonstrativo do resultado do exercício, apresentando um ‘déficit líquido’ de R$ 963.163,15”.