Casal constrói estação de hidratação, e lugar vira ponto de referência para ciclistas de JF
Que a região de Humaitá é um tradicional destino dos ciclistas de MTB de Juiz de Fora não é novidade. Com estradão, trilhas e single tracks para agradar de “pebas” a “galácticos”, o local é destino certo para quem quer treinar ou simplesmente passear. O que muita gente está descobrindo, de um ano para cá, é que um trajeto em específico está ficando ainda mais famoso: o Tour de France. E a culpa é do casal José Maurício Gomes, 72 anos, e Maria Alice Valle, 70, que há três décadas possui um sítio na beira da estrada por onde passam os ciclistas. Eles construíram uma estação que abastece os atletas com água filtrada, pia, frutas, sobremesas e até um bicicletário para 5 magrelas.
Engenheiro civil aposentado, José Maurício conta que também pedala por hobby e atinou para as necessidades dos ciclistas que passam por ali. “Naquele ponto, por ter muito morro, as pessoas precisavam de água limpa, então colocamos um bebedouro com água filtrada e uma pia. Depois, como os ciclistas conhecem o trajeto como Le Tour de France, eu resolvi colocar uma placa indicando a região e chamei de ‘estação de hidratação’. Por último, construímos o bicicletário. Transformei um tronco de eucalipto em nichos para bicicletas, que também serve de assento para as pessoas que chegavam cansadas e sentavam no chão.”
A água potável vem da mina que abastece a casa, as frutas nascem dos pés de laranja, banana, goiaba e jabuticaba. Na cozinha, equipada com um fogão a lenha e panelas de pedra, a professora aposentada Maria Alice prepara, a cada semana, um doce diferente. Pé de moleque, broa de milho, doce de leite e queijo. O fubá vem dos moinhos do sítio, e o leite, das vacas criadas no local.
“Quem está pedalando precisa de energia”, comenta a proprietária. “Eu adoro malhar, gosto de comer batata doce e amendoim, então quando faço em casa, lembro de colocar para eles também. Quando acaba, eu reponho”.
Segundo Maria Alice, até os passarinhos vêm disputando as frutas com os ciclistas, e os cavaleiros também passam à noite para matar a sede.
Segundo o casal, dezenas de ciclistas passam pelo percurso todo fim de semana e, em alguns dias, o bicicletário não dá conta do serviço. De capacetes e óculos, na maioria das vezes os atletas não são reconhecidos, mas acenam para os moradores da casa, agradecendo a gentileza. Muitos sequer conhecem o casal, mas param na estação para tirar fotos e postam nas redes sociais, com textos admirados, marcando o Instagram da estação (@letourdefrancejf).
“Os ciclistas falam sempre que, enquanto todos fecham as porteiras para eles, nós fazemos o contrário, damos apoio e comida”, comenta José Maurício. “Eu acho o ciclismo um esporte maravilhoso e, como já tem essa tendência na região, temos mais é que dar apoio mesmo.” “Fazemos simplesmente um agrado”, enfatiza Maria Alice. “Que bom que está tendo repercussão, mas mostra também que o mundo está bem cético com uma coisa tão simples como essa atitude. Ser gentil, educado e atencioso com as pessoas são valores que só somam quanto mais você doa.”
‘Parecia que eu estava na França’
Enquanto para o casal a atitude é apenas um agrado, para os atletas é muito mais que isso. Paulo Bahia (Bakaninha), 50 anos, integrante do grupo Os Cabritos. Ele pratica o ciclismo há uma década e pedala pelo menos duas vezes por semana ao lado dos colegas. À Tribuna, Bakaninha destacou as dificuldades da falta de suprimentos ao longo dos quilômetros de pedaladas.
“Geralmente quando saímos para uma passeio, carregamos uma mochila e garrafas d’água. Quando acaba a água, a gente bate em propriedades pedindo ajuda ou procuramos minas. Antes de ter a estação, a gente passava aqui, via os pés de laranja e pegávamos a fruta para matar a sede.”
Quando viu a estação de hidratação pela primeira vez, Bakaninha ficou admirado. “Achei que estava em outro país, que estava na França”, brincou. “A gente comenta com quem ainda não conhece e eles ficam doidos para conhecer. Ficou uma coisa de primeiro mundo em Juiz de Fora, um ponto de encontro.” A partir de então, o atleta sempre teve curiosidade de conhecer os responsáveis pela estrutura. No dia da entrevista, Bakaninha pôde conversar com o casal pela primeira vez e agradeceu pessoalmente pela solidariedade.
“A ideia deles foi fenomenal. Algumas pessoas ficam com medo quando chega gente de capacete e óculos pedindo ajuda. E já teve casos de pessoas caírem, machucar, precisar de um telefone, um carro para buscar. A gente depende disso.” Esse foi o caso de Jamile Lamha, 38, professora de educação física e microempresária. No final de agosto, Jamile sofreu uma queda enquanto pedalava na estrada e foi atendida pelo casal.
“Me machuquei pouco depois da fazenda, porque estão refazendo o asfalto e jogaram muito cascalho, teve até outros acidentes. Quando caí, voltei à fazenda e pedi ajuda, a Maria Alice prontamente abriu a porta. Com o carinho que dedicaram a mim, eu não chorava por causa da dor, eu chorava de emoção. Estava tocando uma música tão linda e ela me deu suco de tangerina natural e cuidou de mim. Depois eles me trouxeram em casa e, no dia seguinte, ela me trouxe flores”, relembra. “São pessoas muito especiais, fazem tudo sem esperar nada em troca.”
Segundo José Maurício, dono do sítio, já foram várias as vezes em que socorreram ciclistas na região.
“Eles sabem que temos telefone, internet e podem ligar para a família, pois aqui não pega bem o sinal de celular. Isso também é uma forma positiva de oferecer o lugar como apoio a eles.”
Diante do sucesso da ‘estação de hidratação’ neste primeiro ano, o casal agora pensa em promover uma corrida para comemorar o aniversário, tendo o sítio como linha de chegada. Jamile e Bakaninha já garantiram presença.
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