Empregador citado em lista suja do trabalho escravo recebeu homenagens da Câmara
Vereadores concederam Título de Utilidade Pública e moção de aplauso a comunidade terapêutica; outro empregador de Juiz de Fora também é citado na lista
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo é lembrado nesta terça-feira (28). Uma das ações com o objetivo de combater a prática é a divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas a de escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), popularmente, é conhecida como “lista suja”. A lista é atualizada semestralmente pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, e existe desde 2003. A última atualização periódica foi em outubro do ano passado.
O objetivo é dar transparência aos atos administrativos decorrentes das ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão. Essas ações são executadas por auditores–fiscais do trabalho do MTE, e podem contar com a participação de integrantes da Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, entre outras forças policiais.
Na última atualização, a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro, localizada na Rua Firmino de Souza Filho 280, Bairro Linhares, Zona Leste de Juiz de Fora, foi citada. Seis trabalhadores foram identificados nessa condição, em uma ação fiscal de 2023.
A associação privada, cujo registro informa o exercício de “atividades de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química”, recebeu uma moção de aplauso da Câmara Municipal de Juiz de Fora, em maio de 2023, em reconhecimento aos dez anos de existência.
“A presente homenagem é fruto do reconhecimento desta casa Legislativa, em valorizar e reconhecer ações do bem e as inúmeras obras sociais e inclusivas realizadas pela Igreja Comunidade Evangélica Tenda do Encontro”, cita o texto, proposto pelo vereador Tiago Bonecão (PSD) e aprovado pelos parlamentares.
Além da própria Comunidade, 33 “cooperadores” também foram agraciados com a homenagem. As funções incluem pastor(a), obreira, pastor(a) auxiliar, missionária, ministra de louvor, diácono, diaconisa, evangelista, líder do ministério infantil, além do coordenador e dois monitores da Comunidade Terapêutica.
O primeiro listado na moção é Vander Ribeiro Campos, no cargo de pastor presidente. O nome de Vander é o que aparece no registro do CNPJ da Comunidade, relatado na lista suja. Além disso, ele é polo passivo no procedimento de acompanhamento judicial, ativo no Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais.
Em 2018, a Câmara também concedeu Título de Utilidade Pública à Comunidade. De autoria do vereador Marlon Siqueira (MDB), a justificativa para o Projeto transformado em lei dizia que “seus associados dedicam seu tempo e despendem energia na consecução dos objetivos da entidade, tocados pelos ideais de fé, da caridade e do amor incondicional ao próximo”.
“A associação ‘Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro’ reconhecidamente vem cumprindo suas finalidades estatutárias”, segue o texto aprovado, “estando em pleno e regular funcionamento, prestando serviço social de relevância à comunidade do Município de Juiz de Fora, razão pela qual urge sua designação como de utilidade pública”.
Parlamentares se posicionam
Em nota enviada à Tribuna, Tiago Bonecão afirmou que, à época, a Câmara não tinha conhecimento “de qualquer situação envolvendo a lista suja do trabalho escravo, e entendemos que este é um tema que cabe ao Ministério do Trabalho apurar e julgar com a devida seriedade”. Ainda segundo o texto, a homenagem foi concedida à Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro “com base nas informações disponíveis e no reconhecimento pelo trabalho de reabilitação e ressocialização que, à época, nos era apresentado de forma positiva e amplamente elogiado”.
Marlon Siqueira, também por meio de nota, afirmou que “é preciso sempre repudiar e combater o trabalho escravo de qualquer espécie”. No texto, o parlamentar informa que, em 2018, a entidade apresentou todos os documentos necessários para que fosse outorgado seu Título de Utilidade Pública Municipal.
“Um título como este, que é um instrumento burocrático e pode ser solicitado por qualquer instituição com mais de um ano de atividade, sem fins lucrativos e sem remuneração de sua diretoria – não blinda uma associação de receber ações de fiscalização dos órgãos responsáveis, como visto. Apoiamos que este caso, assim como todos os outros denunciados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, seja devidamente investigado.”
Santuário também é citado
Outro empregador de Juiz de Fora também é citado na lista suja. Quatro trabalhadores do Santuário Nacional do Bom Jesus foram identificados nas situações fiscalizadas. Registrado para exercer “atividades de organizações religiosas ou filosóficas”, o santuário, localizado na Rua Maria Perpétua 174, Bairro Ladeira, Zona Leste, atua sob o nome fantasia de Igreja Carismática Renovada Independente do Brasil.
No Ministério Público do Trabalho, um inquérito civil está arquivado com Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O MTE explica que empregadores flagrados pela Inspeção do Trabalho submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão podem firmar esses acordos, “assumindo compromissos robustos de saneamento, reparação e efetiva prevenção da ocorrência do trabalho análogo ao de escravo”.
Em 2014, a Arquidiocese de Juiz de Fora publicou uma nota de esclarecimento, assinada pelo Arcebispo Metropolitano, Dom Gil Antônio Moreira, comunicando que a instituição não pertence à Igreja Católica Apostólica Romana e que desaprovava o uso, por parte de seus líderes, de paramentos litúrgicos e outros objetos, sinais ou nomenclatura que se pareçam com os utilizados pela Igreja. A nota dizia que a atitude constituía “desrespeito” à Igreja e “colaborava para a confusão e o engano das pessoas”. “Orientamos que nenhuma pessoa que se considere Católica Apostólica Romana participe das celebrações divulgadas por este grupo recém chegado a Juiz de Fora”, alertava.
A Tribuna entrou em contato com todos os empregadores citados, pelos contatos vinculados aos números de CNPJ na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios. Entretanto, não houve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto à manifestação.
*Sob a supervisão da editora Carolina Leonel