Professoras dão sobrevida à dança em plataformas virtuais
Em busca de subsistência diante da perda de renda, profissionais adaptam-se às aulas remotas e recorrem a leis de fomento à cultura
Silvana Marques, 57 anos, encontrou-se pela última vez com os alunos de dança de salão em março de 2020. Cinquenta pessoas haviam confirmado presença em um baile naquele dia 14, sábado. Apenas 14 apareceram. Na época, o município acabara de notificar o primeiro caso de Covid-19 em Juiz de Fora. “Interrompemos tudo com a ilusão de que 40 dias depois voltaríamos. E estamos há quase 16 meses sem poder trabalhar (presencialmente)”, afirma a proprietária do Estúdio Estação Cultural, que dá aulas há 30 anos – em Juiz de Fora, desde 2006. A pandemia furtou renda, alunos e encontros de professores de dança. “O nosso substrato é o afeto e o abraço. A nossa característica maior, que é compartilhar a dança, virou um perigo”, observa Silvana. As aulas até continuam, mas agora restritas às salas virtuais do Google Classroom e do Zoom. Sem o outro, a dança passou a ser consigo mesmo.
Dy Eiterer, 36, aderiu às plataformas remotas já em março de 2020. Em 16 de março, o Studio Tablado Árabe Nabak, onde Dy trabalha, passou a estruturar as aulas virtuais. As turmas seriam retomadas uma semana depois. De certa forma, ela já estava acostumada ao Google Classroom, uma vez que já fazia uma especialização em Dança e Cultura Cigana. “Então, comecei a usar a plataforma, com o auxílio da minha professora, para montar a sala de aula.” Mas o ensino de dança cigana lhe demandou outras adaptações. “Criei um estúdio em um cômodo de casa, então tive que organizar uma iluminação diferente, fazer o cenário, arrumar um tripé etc. Antes, eu só assistia às aulas da minha especialização, então não precisava dessas coisas.” Até o filho de 12 anos virou câmera. “Eu já cheguei a utilizar (simultaneamente) o meu celular, o da minha mãe e o do meu filho.” Além disso, a falta de contato diminuiu a mensagem, aponta Dy. “A dança cigana visa muito o movimento sincronizado. Olhar o movimento da colega no espelho já ajuda a entender o passo. Então, não ter o contato é complicado.”
A adesão às plataformas remotas demandou uma preparação à Silvana. Além de cursos, a professora chegou a realizar atividades no Instagram, por exemplo. Mas adotou mesmo o Zoom. “Desde então, não parei de dar aulas durante a pandemia. Aliás, quero agradecer aos alunos, porque a adesão não chegou a 3% do número que tinha antes.” No entanto, mesmo on-line, as aulas foram um alento para “a loucura que estávamos vivendo”, pontua. “Conseguimos expor as nossas dores, dúvidas, e um apoiava o outro. A aula on-line é muito interessante, porque, ao contrário da virtual, trabalha o indivíduo. Então, a gente pode aprofundar e estudar muito mais. Como não havia mais pares, tivemos que criar exercícios para ativar a musculatura, o pensamento em dança, todos aqueles corpos de pessoas que estavam tristes.”
‘Será que as pessoas vão voltar?’
Embora Dy e Silvana tenham aderido às salas virtuais, nem todos os alunos migraram para o novo ambiente. Antes da pandemia, Dy tinha cerca de dez alunas no Studio Tablado Árabe Nabak. “Ao longo de quase um ano, apenas três migraram para o on-line.” Já em meio à pandemia, Dy passou a ministrar também aulas particulares, pois algumas alunas demandavam por uma carga horária maior. “Desde janeiro, tenho duas alunas particulares, além de seis outras em formato híbrido pelo Studio. As turmas particulares têm alunas de outros estados, como Paraná e São Paulo.” Em meio à flexibilização das medidas sanitárias, as aulas deixaram de ser restritas apenas a plataformas digitais. “Quando pode, a gente está no Studio, e quando não pode, a gente está on-line”, pondera. Hoje, ela já tem sete alunas em formato presencial pelo Studio Tablado Árabe Nabak, bem como com novas turmas abertas para iniciantes e intermediários. “Abrimos inscrições para turmas novas para a gente ver se consegue resgatar esses alunos que estavam afastados.”
Silvana, por sua vez, tinha entre 30 e 40 alunos. “Vinte pares eram o máximo”, diz. Agora, trabalha com turmas entre três e quatro casais. Mas, já antes da pandemia, explica, deparava-se com uma grande sazonalidade. “A gente já teve turma com 15, 20 alunos. Na época, era o mínimo. Eu só começava a turma quando tinha dez alunos. Depois, mudei. Se tivesse meio aluno, começava, porque um ia chamando o outro.” Ainda que perceba uma maior valorização da dança durante o período de emergência em saúde pública, Silvana tem o futuro como uma incógnita. “Será que as pessoas vão voltar? Será que isso vai ficar como um trauma? A gente vai piorar na questão do abraço, da entrega? Porque a dança é uma entrega. Sinto que todo mundo está dando mais importância a este momento de compartilhar uma dança com outra pessoa, mas não está sendo fácil.”
‘Sem aluno, sem dinheiro’
A queda de alunos naturalmente implicou em perda orçamentária. Tanto Dy quanto Silvana têm as aulas de dança como fonte de renda única. “Tive uma perda drástica”, afirma Dy. “A gente recebe por participação (no Studio Tablado Árabe Nabak), porque o espaço é sublocado. Quando as alunas deixaram o presencial, parei de receber. Sem aluno, sem dinheiro.” Para o Studio se manter, foi organizado um dossiê para submissão à Lei Aldir Blanc do Município em busca dos recursos de fomento, relata. “Só conseguimos nos manter porque fomos contemplados pela Lei Aldir Blanc. Foi o que segurou o Studio nos meses em que estava fechado. Tínhamos uma média de cem alunas e caímos para 25. Foi muito complicado.”
Assim como Dy, Silvana foi salva pela lei emergencial de fomento à cultura. “O orçamento da escola caiu 60%. Não sei o que seria de mim se não tivesse a Lei Aldir Blanc. Consegui pagar água, luz, telefone e internet, além de pintar a escola internamente. E, assim, uma coisa que tenho que agradecer é que alguns alunos continuaram pagando a escola mesmo não frequentando as aulas on-line. É um crédito que o aluno dá para a gente de confiança, de querer preservar a casa, onde ele vai, dança, coloca o corpo em movimento. A mesma mensalidade. A gente se sente muito fortalecido.” Por outro lado, Silvana admite ter tido sorte. O proprietário do imóvel onde se localiza o Estúdio Estação Cultural foi flexível em relação às despesas. “Conto com a ajuda de uma pessoa que tem consciência e considera a minha atividade nobre. Poderia ter alugado o espaço para uma igreja, por exemplo, mas não quis.”