35 anos de carreira: Marcus Amaral celebra com movimento por uniĆ£o na classe
Com cerca de 60 produƧƵes teatrais, Marcus Amaral criou o Mare, Movimento ArtĆstico Evolucional, para a criaĆ§Ć£o de produtos artĆsticos no pĆ³s-pandemia, impedindo um vĆ”cuo na cena local e estimulando o audiovisual
Seu nome era Pedro Pirlimpimpim. Era um caƧador, filho de um lenhador de nome Pedro Porlompompom. Arrumando seus guardados este ano, Marcus Amaral encontrou um folder com a data de estreia de āChapeuzinho Vermelhoā, texto de Maria Clara Machado e direĆ§Ć£o de SĆ©rgio Lessa, do Teatro de ComĆ©dia do Sesc. Era 22 de junho de 1985: a data de nascimento do ator Marcus Amaral. āEra o ano da abertura polĆtica do Brasil. Lembro dos censores, da dona Ivone, que tinha que assistir a peƧa antes para aprovar. Embora jĆ” tivesse iniciado a abertura, ainda havia esses resquĆcios da ditadura. Tinha que mandar o texto para aprovaĆ§Ć£o. Lembro disso perfeitamente e lembro do SĆ©rgio muito contestador nas obras que ele montava, tanto que montou (Gianfrancesco) Guarnieri, FlĆ”vio MĆ”rcio, MillĆ“r (Fernandes) e vĆ”rios outros textos polĆticos. Comecei a fazer teatro nessa vontade de gritar, de falar e nĆ£o ser censuradoā, recorda-se ele, comemorando 35 anos de uma trajetĆ³ria iniciada em palco improvisado.
O Sesc, conta, ainda nĆ£o tinha seu teatro. O espetĆ”culo era apresentado num palco precĆ”rio e com a plateia sentada em cadeiras de aƧo com a marca de uma cervejaria estampada. āTodo grupo de teatro Ć© uma escola, e meu primeiro trabalho foi colar cartaz, distribuir filipetas aos sĆ”bados no CalƧadĆ£o, que era o point da cidade. TambĆ©m fiz muita bilheteria, som nas produƧƵes adultasā, lembra sobre o caminho que percorreu antes de ser lanƧado na peƧa infantil que tinha na trilha āWhen you wish upon a star”, cantada por Gene Simmons, vocalista do Kiss, em gravaĆ§Ć£o de 1978. Quando a temporada acabou, Marcus chorou convulsivamente. NĆ£o queria nunca mais parar de fazer aquilo. E nĆ£o parou. Ao longo dos anos contabiliza cerca de 60 produƧƵes teatrais, entre musicais e outros gĆŖneros, mais de dez curtas-metragens e incontĆ”veis comerciais.
Em 35 anos, Marcus nunca deixou de se apresentar por um ano, seja como cantor, palhaƧo, apresentador, ator de teatro ou de curta. Todo ano foi de trabalho. āEssa continuidade Ć© sinal de que houve muita dedicaĆ§Ć£o. Ao escolher essa vida, renunciamos a muita coisa, de festas, famĆlia, eventos, viagens e descanso. O segredo de nunca parar Ć© porque sempre achei que poderia me desafiar mais, empreender mais. Sempre tive a angĆŗstia de que um dia poderia me faltar a oportunidade como atorā, observa o artista, que nem mesmo pandemia conseguiu parar.
āEm marƧo, quando comeƧou o isolamento social, tive muita angĆŗstia por nĆ£o poder atuar este ano. Tive muita resistĆŖncia de participar de lives, vivendo um luto pelo mundo teatral que paralisou com a pandemia, sem o contato com o pĆŗblico. NĆ£o existe teatro sem ator, personagem e pĆŗblico. Sem essa trĆade, a arte nĆ£o existe. Mas tive que ressignificar isso em minha vida. Hoje dando aula de teatro (leciona na Corpus NĆŗcleo de DanƧa, de teatro musical) atravĆ©s de plataforma on-line isso tem me surpreendido. Ć possĆvel incentivar, transmitir, estimular elementos e tĆ©cnicas artĆsticasā, sugere ele.
Em nome da prĆ³pria estrada e pelos caminhos alheios, Marcus criou o Mare, Movimento ArtĆstico Evolucional. āEste movimento foi criado a partir de uma reuniĆ£o virtual com a Funalfa. Foi proposta por muitos artistas a criaĆ§Ć£o de uma organizaĆ§Ć£o artĆstica da cidade, um coletivo que se posicione politicamente em defesa de nossos direitos. O objetivo Ć© criar uma representatividade dos artistas de Juiz de Foraā, conta sobre o movimento que estimula a criaĆ§Ć£o de produtos artĆsticos para depois da pandemia, impedindo, assim, um vĆ”cuo na cena local. āEle estĆ” conectado Ć evoluĆ§Ć£o que teremos pela frente.ā Ainda, o Mare visa a fomentar criaƧƵes audiovisuais neste momento no qual o isolamento social impera.
‘Em essĆŖncia, sou um atorā
A tentativa de diĆ”logo na classe, segundo Marcus Amaral, retoma decisĆ£o antiga em sua vida. āO que mais me marcou nesses anos foi ter decidido ser um ator peregrino, que caminha entre vĆ”rios grupos. Desde 2002, decidi ser um ator autĆ“nomo, para poder trabalhar com vĆ”rios diretores e grupos. AtĆ© os anos 2000, os grupos eram um imperativo para que vocĆŖ existisse. NĆ£o havia muito diĆ”logo entre os grupos, entĆ£o, os artistas, salvo exceƧƵes, nĆ£o trocavam experiĆŖncias. E essa mescla Ć© que sempre me desafiou, porque quando saio de um trabalho para o outro nĆ£o tenho zona de conforto. Considero essa a minha formaĆ§Ć£oā, diz o ator, autodidata com diferentes cursos livres no currĆculo. āSou um dos poucos privilegiados por ter o teatro como uma fonte de renda nesse paĆs, nĆ£o tendo formaĆ§Ć£o acadĆŖmicaā, pontua ele, que jĆ” deu aulas, fez teatro empresarial, alĆ©m dos negĆ³cios em outras Ć”reas, como tarĆ³logo e empresĆ”rio. Ć preciso ser persistente e resiliente, destaca.
Entre seus projetos atuais estĆ£o uma peƧa em fase de estudo e a participaĆ§Ć£o no elenco fixo do canal do YouTube Parafuso Solto. āEstou me convencendo a fazer produƧƵes audiovisuais possĆveisā, brinca. āMesmo com a pandemia estou conseguindo exercer minha essĆŖncia de atorā, pontua ele, que continua atuando tambĆ©m como empresĆ”rio na pandemia, porque seu comĆ©rcio Ć© considerado essencial. āUm dos meus objetivos foi justamente abrir uma empresa na qual eu fosse sĆ³cio e trabalhador, mas que me desse a liberdade para transitar em minhas outras identidades. NĆ£o tenho nada que impeƧa a participar de festival, fazer uma temporada fora ou ficar dias em gravaĆ§Ć£o. O equilĆbrio estĆ” em saber sair de uma identidade para outra. Quando fecho a loja e vou para um ensaio, deixo o empresĆ”rio na loja e assumo minha essĆŖncia como ator. Em essĆŖncia sou um atorā, declara.
E Ć© ator desde muito pequeno. āMeu primeiro trabalho artĆstico foi me apresentar para as visitas que vinham Ć minha casa. Eu deveria ter uns 5 ou 6 anos. Eu danƧava, imitando o Ney Matogrosso, cantando āO viraā, dos Secos e Molhadosā, recorda-se, revirando a memĆ³ria e encontrando mais registros. āTambĆ©m me lembro de ter feito o prĆncipe de āA linda rosa juvenilā, no prĆ©-primĆ”rio, ainda em Barbacena. Lembro de ter sido a tartaruga, em āA bruxinha que era boaā. Fiz muito teatro no colĆ©gioā, aponta sobre uma carreira que se funde Ć prĆ³pria vida e que, baseada na efemeridade do teatro, perde-se com o passar do tempo nas brechas da memĆ³ria. āA nossa arte nĆ£o fica. Posso falar para vocĆŖ sobre Sarah Bernhardt (atriz europeia do sĆ©culo XIX), ler a crĆticas dos jornais da Ć©poca sobre sua atuaĆ§Ć£o e vocĆŖ vai pensar que ela pode ter sido boa, mas nĆ£o vai ter a noĆ§Ć£o do que foi assisti-la. Mas se ver a āGuernicaā, de Picasso, isso vai te impactar. Se ver um quadro de Michelangelo, vai se impactar. Se ler um livro de Machado de Assis, tambĆ©m. A arte do ator de teatro, como diz Shakespeare, vira pĆ³. NĆ£o deixa registro. Quem nĆ£o assistiu, nĆ£o tem noĆ§Ć£o do trabalho.ā
āA pandemia Ć© um grande professorā
Dono de uma voz grave e de um estilo muito particular, que o singulariza na cena local, Marcus Ć© ator que nĆ£o passa desapercebido. Seu trabalho Ć© tĆ£o marcante quanto apaixonado. E seu comportamento no setor Ć© uma vez mais peculiar, jĆ” que transita com desenvoltura por diferentes turmas. NĆ£o Ć© um ator sĆ³. Mas gosta de ser encarado como ator, sĆ³. āNĆ£o precisam outras definiƧƵes. Ator jĆ” Ć© muito dignoā, afirma ele, certo de que nĆ£o anda sozinho e Ć© a soma de todos os seus personagens e parceiros. DaĆ a coerĆŖncia em criar um movimento artĆstico e daĆ desdobrar seu discurso em muitas outras aƧƵes no mundo. āTodos somos um, e Ć© necessĆ”rio garantir a sobrevivĆŖncia e a existĆŖncia de todosā, defende. āTemos que ser porta-vozes e defensores dos direitos dos cidadĆ£os, universais e humanos. Eles tĆŖm que ser garantidos e nĆ£o podem ser vilipendiados. HĆ” uma necessidade de pensar no coletivo e no todo.ā No cosmos? TambĆ©m, garante ele, hĆ” anos estudando astrologia.
āO movimento planetĆ”rio nos exige consciĆŖncia. Houve uma conjunĆ§Ć£o astrolĆ³gica no dia 20 de marƧo, quando comeƧou o ano novo astrolĆ³gico, que desencadearia mudanƧas nas estruturas mundiais. Isso jĆ” estava sendo anunciado pelos estudiosos da astrologia hĆ” muitos anos antes de 2020ā, diz. āNunca achei que fosse uma mudanƧa tĆ£o rigorosa. A pandemia Ć© um grande professor. RigorosĆssimo. AtravĆ©s desse rigor, nos estimula o pensamento, a reinvenĆ§Ć£o e a ressignificaĆ§Ć£o. O segredo estĆ” em nĆ£o se apegar a nenhuma identidade. A identidade de um empresĆ”rio que hoje nĆ£o pode abrir sua loja estĆ” em pĆ¢nico, mas essa identidade nĆ£o Ć© ele por inteiro. Cada um tem uma essĆŖncia que pode se transformarā, ensina o ator, homem de mĆŗltiplas identidades ao longo de seus 35 anos de palco.