JF Terra de empreendedores: Martha Halfeld, Juíza do Tribunal de Apelação da ONU
Ela abre a porta da sala de conciliação no terceiro andar do prédio do Terceiro Tribunal Regional do Trabalho com a naturalidade e a proximidade de quem recebe um amigo de longa data. Descreve com orgulho o local onde exerce sua profissão e logo me convida a conhecer a estrutura da 3ª Vara do Trabalho. A juíza titular, Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, vai abrindo portas, apresentando sua equipe e reconhecendo a importância da conversa e do talento de cada um. “Sou privilegiada porque sou cercada por pessoas de altíssimo gabarito.” Cerca de 1.500 processos anuais passam pelas mãos da equipe dela.
Ela pertence à sexta geração da família de Henrique Guilherme Fernando Halfeld, o engenheiro alemão considerado fundador de Juiz de Fora. “Toda a família da minha mãe permaneceu aqui. Nasci aqui, assim como os meus irmãos. Fui criada em Juiz de Fora e me graduei aqui. Saí por um breve período quando fui ser juíza no Paraná e, depois, em Belo Horizonte. Fiquei fora da cidade por 12 anos. Completei meus estudos, fiz o doutorado na França e voltei para cá quando minhas duas filhas nasceram.” Quando as gêmeas completaram 1 ano, ela já era titular da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, época em que retornou de vez para a terra natal.
“Gosto tanto de Juiz de Fora, que voltei. Morei em Belo Horizonte, em Paris, mas voltei por causa da família. Tanto a minha, quanto a do meu marido. Por causa de todos os laços afetivos que temos e para educar as meninas, é uma cidade ideal. Ela tem porte médio, mas concentra bons serviços de educação e saúde, por exemplo. Não foi uma escolha voltar. Foi uma opção.” A juíza lembra que Juiz de Fora deu suporte para ela voar. “Ao mesmo tempo que me dá raízes, me dá asas. Aqui encontro uma estrutura familiar, logística, de pessoas que me ajudam com a educação das crianças. Isso me dá tranquilidade para que eu possa continuar com os meus sonhos de mudar o mundo.”
O que Martha nomeia como rede de solidariedade diz sobre as relações construídas por ela. Confiança, envolvimento e reconhecimento cercam o universo da mulher que se divide entre a jurisdição nacional e a internacional. Ela relata que conta com o apoio de muita gente. “Meu marido foi operado, e eu estava fora do país. Precisei ligar para a mãe de uma das coleguinhas das minhas filhas para que buscasse as duas no colégio. Essa rede é fabulosa! Tenho ajuda em casa, tenho amparo da família e um marido que compreende o meu desejo de contribuir da forma como eu faço.” Quando retorna, o reconhecimento vem em forma de mimos. Ela sempre traz uma lembrancinha para cada um dessa teia de relações.
A menina dos olhos
De volta à sala de conciliação, Martha partilha que o lugar é considerado a menina dos olhos dela. Antes de explicar o porquê, ela identifica o principal problema do trabalho na cidade. Ela reconhece o descumprimento voluntário das leis em Juiz de Fora e no país, de maneira geral. Embora a prática não seja adotada por todas as empresas, é recorrente nos processos avaliados pela Vara. “Há uma cultura de beligerância, que parte dos advogados também. Eles são formados para brigar, para discutir. Eles precisam começar a enxergar que, muitas vezes, o interesse do cliente pode ser atendido com boa negociação. Esse nicho da solução consensual pode diminuir o número de conflitos, agilizando as decisões, resolvendo as questões de formas mais eficientes”, diagnostica. Os representantes de grandes escritórios, principalmente, chegam à sala, sem grande poder de negociação e consequentemente sem representatividade, reforçando o caminho inverso da conciliação. “Esse é o grande desafio: transformar toda essa cultura. As palavras ‘vou procurar o meu advogado’ incutem a vontade de brigar. É isso o que nós combatemos.”
O espaço dedicado ao diálogo, então, se torna para ela o meio de viabilizar essa mudança. Quando entram no local, patrões e empregados encontram uma pessoa treinada para ouvir e ponderar sobre os casos, antes da decisão do juiz. A experiência é uma exclusividade da 3ª Vara, mas pode ser adotada por outras. “Há inúmeros benefícios. As audiências são mais rápidas, e as partes chegam a uma conclusão com o auxílio da advocacia. Isso dá uma sensação de acolhida maior. Aqui encontramos um caminho razoável para todos os lados. Devagarzinho conseguimos o apoio. Investindo em treinamento, com conciliação de qualidade. Esse esforço já está resultando em bons acordos.” Dessa forma, com parte do percurso resolvido antes de chegar à mesa do juiz, os casos realmente inconciliáveis poderão receber maior atenção.
Martha faz uma reflexão ainda maior. Para ela, além da beligerância, falta a boa vontade para uma escuta ativa. Ao mesmo tempo, todos querem falar, mas ninguém quer ouvir. “Falta empatia e boa comunicação. As empresas poderiam instalar ouvidorias internas, que realmente criassem um ambiente de conciliação interna, para prevenir conflitos. Porque muitas vezes as pessoas vêm aqui porque se sentem violentadas, desconsideradas, agredidas, desprezadas, humilhadas, e, com uma boa comunicação interna, essa prevenção evita mal-entendidos. Enquanto elas não têm isso, essa salinha dá um alento para nós. Aqui as pessoas têm oportunidade de dialogar. Elas confiam no Judiciário.”
ONU: Um chamado interno
Em novembro de 2015, Martha foi a primeira integrante da magistratura brasileira a ser eleita para o cargo de juíza do Tribunal de Apelação do Sistema de Justiça Interna das Nações Unidas (Unat), para um mandato de sete anos. Ocupar o cargo não estava nos planos na juíza. “Li um anúncio por acaso, três dias antes do término das inscrições. Sabe quando você sente um chamado interno? Soube que esse negócio era para mim.” Ela preenchia todos os requisitos objetivos. Já tinha mais de 15 anos de magistratura, formação acadêmica de relevância, fluência em inglês e francês mesmo que a exigência fosse de apenas uma outra língua, atuava na área do trabalho e havia ainda a ênfase nas candidaturas femininas e experiência em métodos de resolução de conflitos . “Não era para mim?”. Depois de passar por todas as etapas, com entrevista, prova escrita, análise de currículo, entre outras, ela acabou ficando com a vaga, após passar pela última fase, que era a política.
“Me senti paralisada, porque não dependia mais de mim. Mas o Itamaraty abraçou a minha campanha e fui eleita com 148 votos. Desde a posse, em julho de 2016, Martha participou de duas sessões. Uma em Nova Iorque (EUA) e outra em Nairóbi, na África. “Foi até uma sessão histórica, porque foi a primeira da ONU na África. Foi ao mesmo tempo uma grande responsabilidade e um enorme aprendizado”, relata.
De Juiz de Fora para o mundo, Martha diz levar a modéstia, o otimismo, a dedicação e a concentração. “São características bem mineiras, bem interioranas. Não é meu objetivo obter logo o reconhecimento. Eu quero plantar. Levantar as boas questões, trazer novas reflexões, arejar.” O contato com outras culturas e formações em seu conceito mais amplo, não restrito à área jurídica, tem trazido intenso conhecimento para ela.
Juiz de Fora
Para Juiz de Fora e para todo o mundo, ela deseja que as pessoas passem a pensar mais no público, no coletivo, e menos nelas mesmas apenas. “É preciso pensar em si mesmo para ter condições de crescer. Mas é preciso olhar para os outros. A partir daí, todos se tornam mais educados, mais gentis. Você pode falar qualquer coisa, tudo depende da maneira como você fala. Especialmente no âmbito do Judiciário. Precisamos usar uma linguagem menos violenta. Se a gente se preocupa em ser educado, honesto e não ferir o outro, isso reflete em toda sociedade.”