Seminário debate educação contemporânea, papel da escola e da família
Entre os participantes do evento está Viviane Mosé, que questiona sobre como a instituição escola deve se comportar no novo mundo
A filósofa, psicóloga e psicanalista Viviane Mosé é uma das participantes do VI Seminário Internacional de Educação Contemporânea – maior evento educacional da Zona da Mata, que acontece nesta sexta-feira (26) e no sábado (27), em Juiz de Fora. Propondo discussão sobre o tema Ecologia dos Saberes: revolução necessária para a educação solidária, o evento vai levantar debates sobre a necessidade de as instituições sociais, incluindo as escolas, se repensarem para que possam auxiliar de forma efetiva no remodelamento da nossa sociedade, de acordo com uma das organizadoras, Ana Elisa Delage.
Em entrevista exclusiva à Tribuna sobre o tema, Viviane Mosé, que é do Espírito Santo e hoje mora no Rio de Janeiro, propõe: “É necessário formar pessoas autônomas e responsáveis, que consigam ler e atuar no mundo.” Essa formação passa pela escola, mas não é somente papel desta instituição, ela ressalta. A conferencista destacou, ao jornal, que a sociedade contemporânea convive com a queda de modelos outrora estabelecidos. “Antes nós tínhamos a sociedade de modelos, que era uma sociedade piramidal. Então, a gente tinha um modelo de homem, um modelo de mulher, um modelo de filho, um modelo de mãe. E isso é exatamente o que desapareceu porque você tem hoje muitos modelos de mãe, todos reivindicando espaço. Têm muitos modo de ser mulher, todas reivindicando espaço”, exemplifica. Na sua visão, a liberdade que cada pessoa tem de ser e viver é o que marca o tempo atual, em que há uma migração de uma sociedade polarizada para uma sociedade em rede.
“É uma liberdade e uma ampliação de espaço permitidos pela internet que arrebenta antigos modelos. É como se a gente tivesse uma imagem com um prédio em ruínas e um prédio em construção. Hoje a gente tem os dois ao mesmo tempo”.
Portanto, a filósofa propõe uma reflexão sobre o que significa essa mudança de eixo que ela acredita que a civilização está vivendo. Mosé cita que não é algo específico do Brasil ou algo temporário. “Isso tem a ver com a família, com as organizações empresariais, com o Estado, com a informação, com novas relações de poder.”
Há cerca de dez anos, Viviane se debruça em estudos e reflexões sobre a questão teórico-filosófica da mudança do mundo contemporâneo. Em 2013, a autora lança seu livro ‘A Escola e os Desafios Contemporâneos’, em que apresenta e propõe uma discussão sobre a atual realidade do ambiente escolar e sobre os desafios que atravessam este espaço: “A educação escolar não pode dar conta dos desafios do mundo porque ela é o mundo”, afirmou.
Lançado no ano passado, ‘Nietzsche hoje: Sobre os desafios da vida contemporânea’ é sua mais recente publicação. Na obra, por meio da filosofia nietzschiana, a autora continua levantando o debate sobre o mundo contemporâneo e sobre a nossa relação com a vida, com o conhecimento, sobre os atuais desafios da sociedade nas mais diversas instituições e como o ser humano tem lidado consigo mesmo.
“Nós ainda estamos tentando entender todas as consequências desta grande transformação que a gente passou, que é sair de um mundo que a gente considerava material, para um mundo virtual. O nascimento da virtualidade é uma nova dimensão para a gente. Então, o que isso significa é o meu tema. E eu o aplico a situações específicas. Uma delas é a convivência humana, que também está muito vinculada à educação. O que significava tudo isso que a gente está vivendo para o ser humano? Dele com ele mesmo, que é a gestão de si”. Em sua visita a Juiz de Fora, Viviane pretende discutir com o público sobre o que precisamos afirmar para reconstruir laços. “Qual é o caminho positivo? Não é mais uma crítica. A gente já entendeu que de fato as coisas desabam, os modelos antigos desabam. Mas quais são os novos modelos da família e da escola? De que modo a escola como instituição deve se comportar nesse novo mundo ou quais são as novas formas de relacionamento neste mundo?”, indaga.
Papel da escola deve ser de formar singularidades
A antiga estruturação de modelos também é algo que afeta a educação escolar brasileira.
“O problema da educação brasileira não é mais falta de vaga, há muitos anos que não têm falta de vagas em nenhuma das escolas. Mesmo hoje, na crise que a gente está vivendo no Brasil, não faltam vagas, pelo contrário, até sobram porque os alunos vão embora. Nós temos evasão escolar. Então exatamente o problema da educação, hoje, não é a vaga. O problema é ter a escola e o aluno querer ir embora, não querer ficar lá”.
Na análise de Viviane, que também é especialista em elaboração e implementação de políticas públicas, um modelo escolar não deve ser seguido pelas instituições de ensino por todo país. “Cada escola precisa construir um modo de se relacionar com os alunos, professores, gestores, e esse é o desafio pedagógico. É preciso uma outra escola porque os alunos são outros e o mundo é outro.”
Questionada sobre o papel que as tecnologias e a internet exercem e ainda podem ter na educação escolar, a especialista afirma que a formação do novo cidadão passa pela competência do ‘saber filtrar e escolher’. Para isso, antes de tudo, é preciso olhar para si mesmo. “A escola tem que formar pessoas, individualidades e não modelos para o mercado. São seres humanos. O papel da escola acabou com a internet? Não, aumentou. Agora, não é mais formar cérebros, é formar singularidades, modos de ser no mundo.”
Sobre em que ponto está a educação escolar brasileira nesta transição, Mosé comenta que o Brasil inteiro tem pensando novas formas de educação e que já existem excelentes práticas pedagógicas concebidas em muitas unidades de ensino pelo país, principalmente em escolas públicas. A tempo, a filósofa relembra da série Janelas de Inovação, apresentada por ela e exibida em 2017 pelo Canal Futura. Nos documentários foram exibidos 40 modelos de escolas inovadoras. “São escolas inacreditavelmente boas, excelentes escolas. Os alunos amam estar ali, eles têm notas boas, mas não são só as notas que importam. Quando o aluno está numa escola que adora estar, ele cria laços com aquele espaço, que também passa a ser importante para aquela comunidade”.
Em relação a professores, uma recomendação: sejam humanos. “O professor tem que aprender a ouvir, porque o professor tem muito conteúdo, e ouvir o aluno não é fazer o que ele quer, não é atendê-lo. A gente critica muito o professor no Brasil, mas os professores têm sim uma boa formação. Não é essa a questão só. Claro que formação sempre é bom, mas não é o nosso maior problema. O professor é que guia as escolas junto com o gestor, com os coordenadores. Agora, tem que ter uma escola que se aproxime do aluno, que não se interesse em dar apenas uma nota para o aluno para punir e ver se ele aprende. Em sala, um professor de qualquer maneira não pode entrar e sair vendo que tem um aluno ali, de lado e ninguém fala com ele, não pode permitir que fique isolado. O professor é gestor de sala de aula, ele não tem que permitir que blocos de ódio aconteçam”, diz, para então finalizar: “Os desafios são vários, em tudo e em todos, o ambiente escolar a tudo perpassa. A gente está no meio de um caos, mas é uma transição. O novo mundo já está aí, daqui a pouco isso passa. Não tenho dúvidas. É assim que funciona sempre, a gente está perdendo a referência e, daqui a pouco, a gente encontra outra”.
O VI Seminário Internacional de Educação Contemporânea acontece no Trade Hotel, e as inscrições ainda estão abertas no site do evento, onde também pode ser conferido o preço e a programação. Também é possível fazer a inscrição apenas para a palestra da Viviane Mosé, que acontece na sexta-feira, às 19h30. O congresso é aberto ao público em geral e vale certificação.
Tópicos: educação