Enchentes e falta de planejamento urbano adequado somam prejuízos ao Linhares
Moradores temem acidentes graves, como em 2018; chegada de empreendimentos imobiliários no bairro agravou problemas de infraestrutura

Ao andar pelas ruas Diva Garcia e Luiz Fávero, é possível ver que muitos dos comércios do Linhares têm em suas portas barreiras instaladas no chão. As comportas foram adotadas para conter as chuvas que, principalmente no verão, provocam enchentes e fazem transbordar o córrego que passa pelo bairro. Essa realidade já gerou muitos prejuízos econômicos para os comerciantes locais, que veem água entrando em suas lojas e a impossibilidade de trabalhar durante esses momentos, e já não confiam na ação do Poder Público para protegê-los. Desde 2018, quando uma das piores chuvas atingiu a região e uma condutora foi arrastada para dentro do rio, os receios aumentaram. O relato dos moradores é de que não houve medida efetiva para prevenir novos acidentes graves — pelo contrário, o cenário vem se agravando com a chegada de novos empreendimentos imobiliários no bairro sem que ocorra um planejamento urbano adequado. A Tribuna foi até o local e escutou sobre o assunto quem vive o dia a dia do bairro.
O comerciante Wagner Custódio, 64 anos, que mora desde que nasceu no bairro, conta que o problema de alagamento é crônico. “Dos bairros mais afastados, o Linhares é o mais próximo do Centro, e tem vários imóveis novos. Mas não dá conta da expansão, então os problemas só aumentam”, afirma ele, sobre o bairro da Zona Leste. Ele é dono de um estabelecimento de peças para construção e, onde fica, consegue ver que, durante as chuvas, acontecem vários acidentes e o sistema de captação de água fica sobrecarregado. Também foi possível observar no local, próximo ao córrego do Yung, a falta de cuidado com a vegetação e o acúmulo de lixo. Para Elizabeth Silva, 58, que depende do transporte público para chegar até o seu trabalho, no Centro, isso afeta a qualidade de vida. “Quando começa a chover, a gente vai ficando com medo. Não dá pra sair de casa e muito menos pegar ônibus aqui, então toda a rotina fica comprometida”, diz.

O mesmo observa Josi Bittar, 48, que tem uma academia no bairro. Ela precisou instalar três das chamadas “guilhotinas”, de cerca de 80 cm, na porta do imóvel para tentar conter as chuvas, desde que começou a funcionar, há cinco anos. “Eu era muito prejudicada aqui. Quando começa a chover, fico vendo a câmera rezando para a água não subir, porque é um piscar de olhos e de repente o prejuízo é enorme.”
Ela observa que seu ponto recebe uma espécie de “corrente” de água quando ocorre o alagamento. Em seu caso, já precisou repor toda a grama sintética utilizada, além de ficar alguns dias sem aula, para que fosse possível fazer a limpeza antes de os alunos entrarem. Situação similar também é observada por Matheus Gonzales, 31, da padaria Bom Jardim, que já chegou a ter alagamento de cerca de dois palmos na parte interna. “O problema da enchente persiste. Já escuto há dez anos sobre soluções, que vão instalar manilhas, mas nada ainda. Na frente da padaria, já abriram várias crateras por conta da força que a água vem”, comenta.
O Linhares, assim como outros bairros mais altos da cidade, cresceu de forma muito acelerada em alguns pontos — e em parte sem o planejamento urbano adequado. É o que explica Jordan Henrique de Souza, coordenador do curso de pós-graduação Gestão Pública em Proteção e Defesa Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), considerando inclusive que o bairro já foi apontado em relatórios de 2018 da Defesa Civil como um dos que tem mais imóveis em áreas de risco: “Esse crescimento desordenado, com a ocupação de áreas de declive e a impermeabilização do solo, acabou sobrecarregando o sistema de drenagem existente. Quando o crescimento urbano acontece sem considerar a capacidade das redes de água, esgoto e drenagem, o resultado é o aumento da frequência e da intensidade dos alagamentos”, afirma ele.
Conciliar crescimento e planejamento urbano é desafio

A realidade do Linhares, na visão do especialista, é o reflexo de algo maior: o desafio de conciliar crescimento urbano com planejamento e cuidado coletivo. “As enchentes são o sintoma mais visível, mas, por trás disso, há questões de drenagem, de ocupação do solo e, principalmente, de engajamento comunitário”, explica. Para ele, fica perceptível que, quando os comerciantes passam a executar obras individuais para tentar conter as enchentes, como elevar pisos, instalar barreiras ou bombas, o problema já está interferindo diretamente na vida econômica do bairro. Ao mesmo tempo, esse tipo de ação cria uma sensação de que cada um precisa resolver a questão sozinho, o que diminui a responsabilização do Poder Público e pode enfraquecer o senso de comunidade. Mas esse esforço individual mostra o quanto a população também tem precisado se adaptar às dificuldades. “O ideal seria canalizar essa disposição para ações conjuntas, com comerciantes, moradores e o Poder Público dialogando sobre soluções integradas — desde o planejamento urbano até a manutenção e a limpeza preventiva. Quando o bairro se organiza e atua coletivamente, as respostas se tornam mais eficazes e o próprio território passa a ser visto como um exemplo de engajamento e capacidade de superação”, explica.
O grande desafio é fazer esse crescimento acontecer com planejamento. “Quando a cidade se expande de forma desordenada, sem infraestrutura adequada, sem rede de drenagem suficiente e sem respeitar o relevo e a capacidade do solo, os impactos aparecem rapidamente: alagamentos, trânsito, sobrecarga dos serviços públicos e perda da qualidade de vida”, explica. Nesse contexto, a especulação imobiliária aparece quando o valor do solo cresce mais rápido do que a capacidade da cidade de se preparar para receber novos empreendimentos, e, muitas vezes, o foco acaba sendo o potencial econômico da construção, e não o equilíbrio entre o investimento e o bem-estar coletivo. “O resultado é que o bairro se valoriza no papel, mas o morador continua convivendo com os mesmos problemas estruturais”, comentou. O caminho para mudar isso é integrar o planejamento urbano à gestão ambiental e à participação da comunidade. “Cada novo empreendimento precisa considerar os impactos sobre o entorno, sobre a drenagem e sobre a mobilidade. Crescer é importante, mas o essencial é crescer com responsabilidade. O planejamento é o que transforma expansão em desenvolvimento e faz da cidade um espaço realmente resiliente”, finaliza o especialista.
PJF está desenvolvendo Plano Municipal de Drenagem
Sobre os questionamentos feitos pelos moradores, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou que segue atenta aos problemas históricos da população do Linhares. Uma das medidas para isso, de acordo com nota enviada, é o programa Boniteza, em que são realizadas, rotineiramente, a limpeza e o desassoreamento do córrego, a desobstrução da rede de drenagem e outros serviços. Essas solicitações são feitas através das ações da Defesa Civil, que possui monitoramento constante na região, e mediante demanda popular via Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário, pelo telefone e WhatsApp (32) 3690-7241.
Também foi afirmado que, atualmente, a PJF desenvolve o Plano Municipal de Drenagem, que está realizando um diagnóstico do sistema de macrodrenagem de toda a cidade. Com base nesse estudo, o plano irá propor intervenções para soluções dos problemas mais críticos de drenagem. A Rua Luis Fávero e todo o córrego do Yung são pontos em estudo para posterior elaboração do projeto de drenagem.
A Prefeitura acrescentou que, nos últimos anos, foram feitas diversas obras de contenção na região, como as das ruas Maria Florice, Rosa Sffeir, São José e Antonio Alves Teixeira. Como próxima medida, o Município conquistou, junto à Defesa Civil nacional, recursos para a realização de obras de contenção de encostas em três ruas do Linhares: Stelina Jesus de Oliveira Ponciano, Maria Florice e João Luzia. Outras quatro ruas, em outras localidades, também foram contempladas com esse recurso. Todas essas obras estão em fase de mobilização.









