Destino turístico conhecido pela beleza natural, Conceição do Ibitipoca enfrenta problemas por falta de saneamento
Crescimento desordenado e acelerado escancara ausência de infraestrutura básica no Distrito de Lima Duarte; moradores buscam soluções

Conceição do Ibitipoca, destino turístico procurado por suas belezas naturais, com mares de morro, cachoeiras exuberantes e uma vila tranquila, vem enfrentando um problema que contrasta com esse cenário atraente: a ausência do serviço de saneamento básico. Essa realidade vem causando problemas para moradores e visitantes, ainda mais com o aumento expressivo do turismo e o crescimento desordenado da vila. Em 2023, o Parque Estadual do Ibitipoca, o grande atrativo da região, recebeu 80 mil visitantes, se posicionando como o segundo mais visitado do estado, e, no início deste ano, a Vila do Distrito de Lima Duarte representou o Brasil no prêmio “Melhores Vilas Turísticas”, da ONU Turismo. Enquanto isso, serviços essenciais, como o acesso à água, estão sobrecarregados, o que evidencia a insustentabilidade da falta de tratamento de esgoto. Nas últimas semanas, a Tribuna ouviu a comunidade, conversou com um especialista e buscou respostas junto à Prefeitura, para entender o dilema entre o desenvolvimento turístico e a sustentabilidade ambiental.
O impacto da falta de saneamento em Ibitipoca se manifesta diretamente na saúde e na qualidade de vida de moradores e visitantes. Para o residente da vila e ex-presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Ibitipoca (Amai), Fred Fonseca, a situação é alarmante. “Conceição do Ibitipoca não conta com tratamento de esgoto, em nenhuma localidade”, afirma. O esgoto, relata, é despejado diretamente no rio que dá nome ao distrito e que, no passado, era utilizado para banhos.
A gravidade da situação é reforçada a partir de depoimentos dos moradores locais. “Uma vez um adolescente aqui da vila foi tomar um banho no rio e teve que descer às pressas, porque pegou uma infecção por estar tomando banho numa água de esgoto”, conta Fred. Esse não é um caso isolado. Segundo o morador, é comum ter problemas de saúde decorrentes da contaminação. “Você tem situações de pessoas que vão se banhar nesses lugares achando que é limpo e não é. Você tem aí águas que são contaminadas e as pessoas não sabem.” Ele alerta, inclusive, para a fonte de água atrás da Igreja Matriz: “Aquela água ali está a céu aberto, passa num pasto. Aquela água não é limpa, não é segura, é arriscado.”
Márcia Macambira também reside no distrito há mais de 30 anos. Ela se mudou de São Paulo para Ibitipoca em busca de qualidade de vida e, atualmente, vive em um sítio a um quilômetro de distância da vila. Recentemente, ela passou a ter problemas mais constantes em relação ao acesso à água de qualidade. “Minha água vem de mina, porém, por coincidência, recebi sua mensagem quando estava justamente no Departamento Municipal de Água e Esgoto de Lima Duarte solicitando uma instalação, pois minha mina está contaminada devido aos novos condomínios que surgiram ao redor.” A moradora também reforça as queixas de Fred sobre os recorrentes problemas de saúde por falta do tratamento de esgoto, citando os episódios constantes de diarreia que atingem a região. “Para atender a enorme demanda, foram criados alguns poços artesianos, mas a produção de água é limitada, um dia vai cessar.”
Crescimento desordenado e ausência do Poder Público
Os residentes mais antigos de Conceição do Ibitipoca apontam o rápido e desordenado crescimento da vila nos últimos 20 anos como um dos principais intensificadores da falta de infraestrutura básica no distrito. É o que também observou Altair Sancho Pivoto, professor e pesquisador do Departamento de Turismo e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que realizou um estudo na vila durante 2018 e 2019 sobre efeitos e transformações gerados pelo turismo no contexto territorial do Parque Estadual do Ibitipoca. Na ocasião, ele entrevistou moradores e empresários do local, que apontaram para a falta de qualquer tipo de instrumento de planejamento e de organização do turismo na vila. “É um turismo que acontece de forma individualizada, com cada empreendedor ou empresário. Há uma falta de liderança e do Poder Público conduzindo um processo participativo conjunto e dialógico para o planejamento desse território, considerando todas as interferências que o turismo traz, sejam aspectos positivos ou negativos”, explica.
Durante os estudos realizados, também foi percebido como o crescimento desordenado foi acompanhado da especulação imobiliária, e os dois fatores somaram problemáticas ao dia a dia dos moradores. “É unânime entre os moradores que o custo de vida aumentou muito nos últimos anos, em virtude dessa grande demanda vinculada ao turismo e as casas para aluguel temporário”, lembra. Entre os entrevistados, a questão do saneamento básico era uma das principais queixas, juntamente com a falta de segurança, de presença institucional e até a perda de manifestações culturais tradicionais da vila. “É preciso acompanhar esse crescimento com oferta de serviços públicos, de coleta e tratamento de lixo e de esgoto”, diz.

Essa também é a visão de Flávia Oliveira, proprietária do restaurante Ibitilua, onde o córrego passa nos fundos do estabelecimento. “A gente nadava ali, meus tios lavavam roupa”, ela relembra. Para a empresária, o crescimento acelerado da vila, especialmente a partir de um “boom” nos últimos três anos, ocorreu de forma “completamente desorganizada”. Ela aponta que essa expansão descontrolada transformou o histórico moinho, próximo à quadra de esportes, em “um depósito de esgoto” no centro da vila, um local onde crianças ainda brincam e festas tradicionais acontecem, evidenciando o descaso.
De acordo com Márcia, quando ela se mudou para a vila, os moradores seguiam as diretrizes de um plano diretor para realizar as construções. “As casas seguiam um padrão, e a vila era um charme. Agora, com a exploração imobiliária e o recebimento de mais pessoas, cada um foi construindo sem nenhuma norma.” A maioria das residências, atualmente, faz uso de fossas, muitas vezes inadequadas, ou seja, não sustentáveis, ou, em casos mais graves, despejam dejetos in natura diretamente nos rios que cortam a região. Tanto Márcia quanto Flávia apontam a falta de iniciativa do Poder Público como o principal obstáculo para solucionar o problema. “Desde que nasci, vi vários projetos, mas nenhum concluído. Cadê a ação?”, questiona Flávia. “Sempre há muitas promessas, reuniões, assembleias que não levam a nada, infelizmente. Com isso, os moradores que realmente prezam e amam Ibitipoca vão esmorecendo”, acrescenta Márcia.
Impactos no e do setor turístico

A ausência de saneamento básico impacta de forma cotidiana os moradores de Ibitipoca, mas também a experiência turística — tanto com a chegada dos visitantes quanto com a dinâmica dos empreendimentos desse tipo na vila, que podem intensificar os problemas. Um dos relatos escutados pela reportagem, de uma fonte que preferiu não ser identificada, foi de um incidente ocorrido há cerca de quatro anos, quando um hotel teve suas fossas estouradas, lançando todo o efluente no rio e causando a morte de diversas vacas de um fazendeiro local. “Tudo contaminado, contaminou o rio todo.”
Em épocas de seca e após intensa movimentação turística, outro problema se torna evidente: o mau cheiro. “Tem um odor horrível voltando nas tubulações de esgoto das pessoas”, descreve Fred. O proprietário da Pousada Meu Recanto, Newton Diniz, é afetado diretamente por essa questão, já que o córrego passa dentro de sua propriedade. Dos seus 69 anos, 35 foram vividos em Ibitipoca, por isso, testemunhou a drástica mudança desse corpo d’água. “É muito triste ver o estado que ele tá. Esse córrego nasce no Parque de Ibitipoca, e hoje a vila toda joga os dejetos dentro dele”, lamenta. Newton recorda que, há 30 anos, “era servida essa água, a gente boiava, bebia”, e que qualquer morador de Ibitipoca com cerca de 40 anos ou mais “nadou nesse córrego, bebeu dessa água”.
População se reúne para propor projetos

A Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (Amai) contou à Tribuna que tem se mobilizado para pensar em soluções para este problema histórico. De acordo com o presidente da associação, Jhon Carelli, a comunidade convive há tempos com o problema do esgoto, mas não sabia como agir. “A gente meio que só sabia do problema, e a gente não sabia o que fazer, por onde começar”, afirma. Para mudar essa realidade, a Amai contratou uma empresa especializada em engenharia sanitária para elaborar um levantamento inicial e orçamento de um possível projeto para um Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) focado na sede urbana da vila. “Fomos atrás de uma empresa realmente da área, que tem engenharia, expertise, e a empresa passou para a gente o que precisaria para resolver o problema de Ibitipoca”, detalha.
Este projeto técnico inicial visa a ser uma ferramenta para o diálogo com o Poder Público. Conforme a proposta, o valor total para elaborar o documento é de R$ 361.205,05, cobrindo apenas o projeto e não a execução da obra final. A ideia da Amai é apresentar este estudo à Prefeitura para trabalhar em conjunto na busca por soluções. Ele enfatiza a importância de um saneamento adequado para Ibitipoca, um local que “vive de natureza” e tem o ecoturismo como foco principal. “Esgoto é saúde. Saúde para a comunidade, saúde para a vida, que tem os rios, a natureza, os animais. É hora de a gente começar a pensar nisso e tentar resolver essa situação”, conclui John, destacando que a atuação da associação é um apoio e um incentivo para agilizar as ações.
Já o projeto Vila Viva, inaugurado este ano e coordenado por Bergson Guimarães, tem como foco pensar soluções para o saneamento dos esgotos, o tratamento da água e a exploração turística de forma predatória. A iniciativa nasceu em contato com a Amai e conta com metodologia em fases para lidar com conflitos: publicização do assunto; levantamento técnico do loteamento e dos esgotos; chamamento da população; processo de judicialização. Um dos pontos mais emblemáticos, no momento, é o levantamento de estudos de nível piezométrico do solo, indicando a pressão da água do subsolo para buscar explicações para a falta de água que vem acontecendo no distrito. “Ibitipoca é conhecida pela riqueza hídrica, e atualmente a vila está com muitos problemas de água. São contradições desse capitalismo predatório”, afirma ele.
Prefeitura afirma buscar soluções

Questionada sobre a situação de Conceição do Ibitipoca, a Prefeitura de Lima Duarte, por meio do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Demae), informou que o distrito de Conceição de Ibitipoca possui fornecimento de água tratada proveniente de poços tubulares profundos, que abastecem regularmente a população local. A diretora geral do Demae, Kalyan Pereira de Oliveira, disse que a pasta investiu R$ 329 mil, mais um aditivo de R$ 79.788,53, para a perfuração de três novos poços, conforme Procedimento Licitatório 13/2025, que teve como objetivo a contratação emergencial de empresa especializada para perfuração e instalação de três poços tubulares de 6″ de diâmetro, instalação de bomba submersa automatizada com respectivo quadro de comando e cercamento das áreas. O procedimento está em fase final.
Quanto à questão do esgotamento sanitário, a Prefeitura esclareceu que “em Ibitipoca, vigora a Lei municipal 48/2018, que direciona os moradores ao uso de sistemas individuais de tratamento de esgoto”. Com base nessa legislação, “muitos usuários já possuem suas soluções próprias de tratamento”. Paralelamente, o Município afirmou que busca viabilizar um sistema coletivo de tratamento de esgoto. Para isso, o Demae protocolou, junto ao Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata (CISAB-ZM), solicitações para a elaboração de projetos de um Sistema de Abastecimento de Água (SAA) e um Sistema de Esgotamento Sanitário (SES). O SAA prevê captação em manancial superficial, tratamento convencional, reservação e distribuição. Já o SES engloba a elaboração de projeto de rede coletora, transporte, tratamento e disposição final de efluentes. O Demae concluiu que essas ações “estão em conformidade com o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) e alinhadas às metas do Marco Legal do Saneamento (Lei Federal nº 14.026/2020)”.









