Cirurgia cardíaca inédita em Minas é realizada em Juiz de Fora

Procedimento cirúrgico que trata a fibrilação atrial foi realizado na sexta-feira em paciente de 82 anos


Por Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Carolina Leonel

16/09/2023 às 07h00

A inovação médica alcançou um novo patamar em Minas Gerais e em Juiz de Fora na última sexta-feira (15). Na data, foi realizado na cidade o procedimento pioneiro no estado para tratamento cirúrgico da fibrilação atrial (FA) em um paciente de 82 anos. A cirurgia aconteceu no Hospital Albert Sabin, coordenada pelos médicos Guilherme D’Addazio Marques, especialista em Cirurgia Cardiovascular pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, e Javier Dario Maldonado, cirurgião cardiovascular internacional, com mais de 30 anos de experiência.

Segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac), a FA é uma doença que afeta cerca de 175 milhões de pessoas ao redor do mundo. No Brasil, a estimativa é de haja um aumento de 5 a 10% no número de casos nos próximos anos, especialmente em pessoas com idade acima de 75 anos. Embora mais incidente em pessoas idosas, a condição também atinge outros grupos vulneráveis, como hipertensos, sedentários, diabéticos, obesos, tabagistas, pessoas com apneia do sono e pessoas com histórico familiar.

fibrilacao atrial cirurgia Moyses Valle
Apesar de complexa, cirurgia ocorreu de forma tranquila e paciente passa bem (Foto: Moysés Valle)

Condição favorece formação de coágulos

Como explica o médico Guilherme D’Addazio, a doença, uma das arritmias mais comuns entre os pacientes cardiopatas, é caracterizada por batimentos acelerados e irregulares do coração e causa dano estrutural ao órgão. “Normalmente, o coração é bem regular para fazer as contrações e batidas em sincronia. No caso da fibrilação atrial, perde-se essa regularidade e o átrio passa a tremer e a não ter contração eficaz, o que dificulta o processo de funcionamento cardíaco e favorece, inclusive, a formação de coágulos no interior do coração. Tudo isso implica o comprometimento paulatino da função cardíaca e aumenta o risco de doenças associadas, como o AVC, além de afetar a qualidade de vida do paciente como um todo.”

Na maioria dos casos, o tratamento é feito clinicamente com medicação e, por vezes, pode ser indicado a cardioversão elétrica, situação em que se aplica um choque no coração com objetivo de voltar os batimentos para seu estado normal. No entanto, como explica o médico, quando a arritmia se torna persistente, os métodos clínicos podem perder a eficácia. Nesse sentido, o tratamento cirúrgico passa a ser importante e indicado.

Caso

O paciente operado na sexta, um idoso de 82 anos, teve a indicação cirúrgica devido à constatação do avanço do seu quadro. De acordo com D’Addazio o paciente já tinha uma doença valvar em acompanhamento, quando seus sintomas aumentaram significativamente após conviver cerce de um ano e meio com a arritmia. “O paciente possui uma doença de insuficiência de válvula mitral. Associado a isso existe um crescimento do tamanho das câmaras cardíacas, mais notadamente do átrio esquerdo. Isso é um fator de risco e precipita a ocorrência de fibrilação atrial. Ele vêm sentindo a piora dos sintomas e, consequentemente, da sua qualidade de vida.”

Após a cirurgia, o médico Dr. Guilherme D’Addazio enfatizou que, embora tenham feito uso de uma técnica nova, o procedimento não foi difícil. “Acredito que com mais frequência e treinamento conseguiremos realizá-la cada vez melhor e em menos tempo”. Já quanto ao paciente, segundo relato do médico, o mesmo respondeu bem ao procedimento e encontra-se estável no pós-operatório. “Vamos aguardar para observar a evolução dele e torcer para que tudo continue caminhando bem conforme a gente deseja”.

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Procedimento é eficaz, mas pouco difundido

A cirurgia, inédita em Minas, segundo o médico Guilherme D’Addazio, é uma evolução do processo cirúrgico, uma vez que entrelaça uma série de técnicas de vanguarda para o tratamento da fibrilação atrial. O procedimento a ser executado, o “Cox Maze IV” ou, em português, “Labirinto de Cox”, é o quarto nível de desenvolvimento de técnicas iniciadas na década de 1980, pelo cirurgião James Cox. “Descobriu-se, ao mapear o coração, onde eram os maiores geradores de estímulos elétricos anômalos e, através de incisões cirúrgicas, faziam-se pequenas lesões para impedir a passagem dos estímulos elétricos fracos e errados”, explica.

Se antes a cirurgia era agressiva em demasia, guardava muitos riscos e era tecnicamente difícil, com o passar do tempo e o aperfeiçoamento das técnicas, a técnica passou a representar uma evolução e a diminuição de riscos para os pacientes. “Nessa cirurgia, poderemos usar pela primeira a técnica da crioablação, que permite que façamos essas lesões que limitam a passagem dos estímulos anômalos em lugares do coração que antes não conseguíamos, ela também ajuda a promover uma lesão mais uniforme, completa e de maior qualidade. Usaremos também o clip atrial, um dispositivo de exclusão de apêndice de átrio esquerdo que evita complicações e reduz a incidência de AVC no paciente. É a construção de um labirinto eficiente que trava a passagem dos estimulo errados que a doença faz o coração criar.”

Conforme o médico, a cirurgia consegue regularizar o quadro de circuitos elétricos e batimentos cardíacos em uma taxa de até 90%, fazendo com que o coração retome seu ritmo normal. Esse cenário traz muitos ganhos para o paciente. “A perspectiva para o paciente é valiosa, de melhora de qualidade de vida, pois reduz internação e o consumo de medicação”, afirma o médico, que também atesta para a viabilidade da cirurgia, que pode ser indicada a qualquer pessoa que seja portadora de fibrilação atrial. “Os estudos mostram que o procedimento não aumenta a taxa de complicação e nem a mortalidade, ou seja, não traz prejuízo para o paciente, apenas benefícios.”

No entanto, há entraves para torná-la acessível. Segundo o médico, o material necessário para sua realização possui custo alto e os convênios ainda encontram dificuldade para conseguir. “Isso tudo chegou há muito pouco tempo, é indisponível pra gente ainda. Ou seja, ela também não é incorporada pelo SUS, penso que se isso acontecesse seria de grande significância”, diz.

A Tribuna entrou em contato com o Ministério da Saúde para verificar a viabilidade da inserção do procedimento no SUS, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

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