Saiba como foi o primeiro dia do julgamento de Bolsonaro e outros sete réus
Estão previstos mais quatro dias de julgamento, defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro se apresenta nesta quarta-feira
O julgamento do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado após a eleição presidencial de 2022, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), teve início nesta terça-feira (2). Além do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, há outros sete réus: o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro na chapa de 2022, Walter Braga Netto; e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
Eles são acusados de liderar ou integrar organização criminosa armada, atentar violentamente contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado, conforme a PGR. Somadas, as penas podem ultrapassar os 30 anos de prisão. A exceção é Ramagem que, atualmente, é deputado federal. Ele foi beneficiado com a suspensão de parte das acusações e responde somente a três dos cinco crimes. A possibilidade de suspensão está prevista na Constituição.
Julgamento teve início com leitura de Moraes
O primeiro dia de julgamento começou com a leitura do relatório com o resumo de todas as etapas percorridas no processo, desde as investigações até a apresentação das alegações finais, última fase antes do julgamento pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Após discurso em que defendeu a independência da Justiça brasileira, a soberania nacional e reafirmou a imparcialidade do Supremo diante de pressões internas e externas, Moraes fez um resumo cronológico minucioso da tramitação de toda a ação penal, desde a fase de inquérito, passando pela apresentação e aceitação da denúncia, atravessando a instrução processual e até o momento do julgamento. Ele falou por cerca de 1 hora e 30 minutos.

O ministro ressaltou que havendo provas de que são culpados, os réus serão condenados, mas se houver “qualquer dúvida razoável” sobre a autoria dos crimes, serão absolvidos. “Assim se faz Justiça”, afirmou.
“Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal (STF), julgar com imparcialidade e aplicar a Justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coação, ignorando pressões internas ou externas”, afirmou Alexandre de Moraes.
Denúncia fala em plano de golpe ‘espantoso e tenebroso’
Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou a denúncia contra os réus. Ele afirmou que o plano de golpe de Estado articulado pelos denunciados trazia um panorama “espantoso e tenebroso” e defendeu ser “imperativo” punir os responsáveis para dissuadir o ânimo de “aventuras golpistas”.
Para a PGR, o plano foi a forma encontrada para manter a base de apoiadores antecipadamente insatisfeita com eventual derrota eleitoral de Bolsonaro, criando a “comoção social” necessária para o golpe, sendo realizadas reuniões no Palácio do Alvorada em que os réus teriam discutido minutas de decreto golpista, com o objetivo de estabelecer um regime de exceção no país.

Um planejamento para o golpe chegou a ser impresso nas dependências do Palácio do Planalto, apontou a denúncia, denominado Punhal Verde e Amarelo. Tal plano incluía a operação Copa 2022, a ser realizada em 12 de dezembro de 2022, e prevendo o sequestro ou até mesmo assassinato de adversários como o ministro Alexandre de Moraes e o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, bem como seu vice, Geraldo Alckmin.
Tal plano somente não deu certo devido à não adesão dos comandantes à época do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro do ar Baptista Júnior. Eles confirmaram, em depoimento, que participaram de uma reunião em 7 de dezembro na qual lhes foi apresentada uma minuta de decreto golpista.
A tentativa de golpe teria se encerrado, segundo Gonet, com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. Para o o PGR, o episódio não foi espontâneo, mas fazia parte do planejamento do golpe, e os manifestantes teriam recebido treinamento e orientação da organização criminosa.
“Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor, como devaneios utópicos, como aventuras inconsideradas, nem como precipitações a serem reduzidas com o passar dos dias a um plano bonachão das curiosidades tão só irreverentes da vida nacional”, declarou Paulo Gonet.
‘Golpe imaginário’, afirma a defesa de Bolsonaro
Para os advogados de defesa, nunca houve ciência de nenhum dos réus sobre um plano golpista, e a PGR busca por motivos políticos para criminalizar a rotina normal do governo, como reuniões e documentos.
A equipe de defesa de Bolsonaro afirma que, ao contrário do que diz a PGR, o ex-presidente ordenou a transição de governo, e não um golpe. Os advogados afirmam que Gonet descreve um “golpe imaginário”, no qual não há ato executório, como algum documento de autoria conhecida, sendo apócrifas todas as minutas apresentadas como prova.
Em comum, os advogados dos oito réus também atacam a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal (PF). Para as defesas, Cid mentiu, caiu em contradições e foi intimidado a falar, sob pena de ver sua família presa.
Outro argumento das defesas é a falta de provas que coloquem os réus na cena dos ataques de 8 de janeiro de 2023. Os advogados argumentam que isso fere as leis penais, sendo imprescindível que a acusação aponte exatamente qual ato específico do réu se enquadra em cada crime.
“[A defesa de Bolsonaro] será verdadeira, baseada em pontos jurídicos”, disse o advogado de defesa do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, Celso Vilardi ao chegar para o primeiro dia de julgamento.
A defesa de Alexandre Ramagem negou que ele tenha municiado o ex-presidente Jair Bolsonaro com informações falsas para embasar lives nas redes sociais e atacar o sistema de votação eletrônica, em julho de 2022, no período de pré-campanha.
“Ramagem não atuou para orientar o presidente da República, não era um ensaísta de Jair Bolsonaro. Ramagem compilava pensamentos do presidente da República”, declarou o advogado Paulo Renato Cintra.
A defesa de Mauro Cid pediu a manutenção da delação premiada ao STF. Durante sustentação oral no julgamento sobre a trama golpista, o advogado Jair Alves Pereira rebateu as acusações dos outros réus.
“Em nenhum momento ele diz, especifica que falou isso [falas]. Ele confronta as ideias e a investigação. O que é normal e legítimo dentro de um Estado Democrático de Direito em que o devido processo legal deve ser preservado. Qual é o indiciado que concorda com o delegado ou com o juiz?”, indagou o advogado de defesa de Mauro Cid, Jair Alves Pereira.
A defesa do almirante Almir Garnier negou que o militar tenha colocado as tropas à disposição da tentativa de golpe de Estado para reverter o resultado das eleições de 2022.
“Não existiu essa reunião. Foi afirmado que foi dia 7 [de dezembro de 2022] e isso não existiu. Essa é a acusação principal”, afirmou. o advogado Demóstenes Torres.
Bolsonaro não comparece ao primeiro dia de julgamento
Paulo Sergio Nogueira foi o único dois oito réus a comparecer para acompanhar presencialmente o primeiro dia de julgamento. Os outros réus estão representados por seus advogados.
“A gente acredita na Justiça e nas provas apresentadas nas nossas alegações finais”, disse Nogueira ao chegar para o julgamento.
Questionado se Bolsonaro manifestou vontade de acompanhar o julgamento presencialmente, o advogado Vilardi disse que sim, mas que o ex-presidente “não está bem”, com problemas de saúde, motivo pelo qual desistiu da ideia.
*Com informações da Agência Brasil