A desinstitucionalizaĆ§Ć£o do futebol
A Superliga Ć© uma cruzada explĆcita em busca de concentraĆ§Ć£o de poder
A empreitada da oligarquia europeia em criar uma Superliga certamente serĆ” contada como uma cisĆ£o na histĆ³ria do futebol. NĆ£o sĆ£o dissidentes. Tampouco rebeldes. Ambos os vocĆ”bulos guardam hombridade, altivez por uma causa. Algo que foge Ć estirpe de Andrea Agnelli, Florentino PĆ©rez e Joel Glazer ā coincidentemente, bilionĆ”rios. O avanƧo deflagrado pelos distintos aristocrĆ”ticos Ć© uma cruzada explĆcita em busca de concentraĆ§Ć£o de poder. Ć revelia da histĆ³ria dos prĆ³prios clubes envolvidos, sejam empresas, sejam associaƧƵes civis. Mas, sobretudo, Ć revelia de torcedores.
O futebol jĆ” estĆ” sentenciado a ser uma indĆŗstria desde a dĆ©cada de 1990, Ć© verdade. HĆ” um tratado, desde entĆ£o, bem arranjado por federaƧƵes, conglomerados midiĆ”ticos e dirigentes. Os jogadores ao menos ganharam como moeda de troca a Lei Bosman quando ensaiaram protagonismo a partir da AssociaĆ§Ć£o Internacional de Futebolistas Profissionais. JĆ” os torcedores sempre foram limados de qualquer discussĆ£o. Mas a Superliga relega definitivamente o torcedor Ć figura do consumidor. NĆ£o hĆ” mais qualquer senso de comunidade. A arenizaĆ§Ć£o jĆ” havia restringido o acesso aos estĆ”dios. Quis o destino que, agora, nem nos estĆ”dios estivessem os torcedores para ensaiar qualquer protesto.
HĆ” quem diga que se trata de um blefe. Afinal, embora se conheƧa a estrutura da Superliga, nĆ£o se tem notĆcia ainda dos outros oito participantes. Uma espĆ©cie de carta na manga para pleitear Ć UniĆ£o das AssociaƧƵes Europeias de Futebol (Uefa) mais recursos. Um monopĆ³lio para peitar outro monopĆ³lio, no limiar. Mas a cisĆ£o estĆ” dada. Agnelli e o presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, atĆ© sĆ£o compadres. Ceferin Ć© padrinho da filha do presidente da Juventus ā ainda conselheiro da concessionĆ”ria Fiat e da investidora Exor. PorĆ©m, qualquer valor cristĆ£o sucumbe diante dos negĆ³cios.
A empreitada europeia inevitavelmente terĆ” repercussĆ£o na AmĆ©rica do Sul. Os clubes sul-americanos, ao contrĆ”rio dos europeus, carecem de garantias financeiras para desventura. A ConfederaĆ§Ć£o Sulamericana de Futebol (Conmebol) atĆ© tem distribuĆdo vagas em torneios como se fosse SĆ£o Cosme e DamiĆ£o. Mas o caminho jĆ” foi apontado. HĆ” um ponto de inflexĆ£o sem freios e contrapesos para a desinstitucionalizaĆ§Ć£o do futebol. Assim como lĆ”, o movimento estouraria no torcedor, fadado a consumir algo que nunca tratou como um produto. O futebol deixa aos poucos de ser sĆmbolo de identidade coletiva.