Líderes e estadistas
“Nossos dois últimos governantes não se fizeram pelo mérito intelectual.”
A leitura do livro de Henry Kissinger – Liderança -, lançado, agora, no Brasil em seguida à sua edição nos EUA, ano passado, despertou-me a atenção para as principais causas da carência de líderes, que hoje se verifica em todo o mundo. Trazendo o subtítulo Seis estudos sobre estratégia, a obra reúne ensaios biográficos em torno de grandes estadistas do nosso tempo: Adenauer, que reergueu a Alemanha, após a II Guerra; De Gaulle, que comandou a resistência francesa após a invasão nazista, formou ao lado dos Aliados, naquele conflito mundial e governou seu país num momento de grave crise interna; Nixon, nome que, a meu ver, não teria a dimensão dos demais, sendo de compreender, porém, sua inclusão nesse rol, pela proximidade existente entre ele e o autor e pelo fato de, como Presidente dos EUA, assessorado por Kissinger, haver restabelecido relações diplomáticas com a China; Anwar Sadat, que soube conduzir o Egito à paz com Israel e, ao cabo de sua missão, morreu, assassinado; Lee Kuan Yew, o advogado que teve papel relevante na independência e na consolidação de Cingapura, da qual se tornou uma espécie de pai-fundador; Margareth Thatcher, a dama de ferro, primeira-ministra do Reino Unido e primeira mulher a assumir o posto, como líder do Partido Conservador britânico. Kissinger, em pleno vigor intelectual, na altura dos seus gloriosos cem anos, conclui o magnífico trabalho procurando extrair algumas lições da trajetória desses estadistas, a partir de “pontos em comum” identificados em sua “liderança meritocrática”.
A primeira constatação é a de que todos ascenderam à posição de liderança que exerceram, em seus países, pelo mérito. Todos eles “tinham uma visão penetrante da realidade e uma visão poderosa”; queriam que seus povos seguissem seu caminho, sem forjar consensos e aceitando a controvérsia. E foram capazes de exercer essa missão porque eram dotados de boa formação humanística. Nesse ponto, aliás, reside o centro das considerações que o autor faz, a seguir, procurando fixar as qualidades essenciais de um líder. Adverte, a esse propósito: “a educação humanista ampla e rigorosa que moldou gerações anteriores de líderes saiu de moda”. Contra ela conspiram, de certo modo, as modernas tecnologias, especialmente a que tem como veículo a internet, uma vez que essa nos proporciona uma “abundância de informação”, porém, não nos deixa “mais eruditos” nem “muito menos mais sábios” e tem o inconveniente de nos afastar da “leitura profunda”, que nos permite a reflexão e nos infunde inspiração. “Não admira – acrescenta – que em muitas plataformas de mídias sociais contemporâneas os usuários se dividam em seguidores e influenciadores: não há líderes.” Conclui o autor enfatizando a importância da meritocracia na formação de líderes e dizendo que, para o seu revigoramento, “o ensino humanista precisaria retomar sua significação”, a par da formação ética, que enrijece o caráter, “a mais indispensável das qualidades”.
Tais considerações parecem estranhas ao panorama político brasileiro. O perfil de um líder, aí traçado, está longe de corresponder ao dos políticos que predominam, entre nós. Nossos dois últimos governantes não se fizeram pelo mérito intelectual. São líderes populistas, de formação cultural precária, que falam para o seu grupo, incapazes de traçar rumos para a nação. Mas o povo brasileiro – e, em particular, os jovens – tem muito o que lucrar refletindo sobre as lições de Kissinger, aqui resumidas. Elas o ajudam a compreender melhor a importância de um líder, com qualidades de estadista, para os destinos de uma nação. E mostram como a cultura humanística e a formação ética são decisivas para o seu advento.