Natal sem fome
Que este Natal seja um Natal sem fome. E que, a partir de 2023, não falte alimento para a população brasileira. É este nosso voto de Natal aos leitores e leitoras desta coluna.
Há quase 30 anos, Betinho – um mineiro movido a idealismo que amargou anos de exílio, mas não desistiu de lutar pelos Direitos Humanos – puxou a campanha “Natal sem fome”. Em uma época de intensa politização da sociedade, havia quem criticasse a campanha por ser assistencialista: no dia de Natal, milhões de pessoas seriam saciadas. Mas e depois? É claro que a fome voltaria a atingir a grande maioria daquelas famílias que, graças à campanha, tinham recebido seu alimento para o Natal. Mas o fato é que aquela campanha operou uma mudança importante: o Brasil passou a encarar de frente a realidade vergonhosa da fome em grandes setores de sua população.
O resultado dessa tomada de consciência nacional foi a abertura de um amplo debate sobre suas causas e o encaminhamento de políticas públicas para sanar o problema. Ao assumir a Presidência da República, nosso conterrâneo Itamar Franco tomou a peito esse problema e fez do combate à fome um dos pontos altos de seu breve governo. Com a firme colaboração da Igreja Católica, na época liderada por D. Luciano Mendes de Almeida, estabeleceu-se uma parceria entre governo e sociedade para reduzir a fome a índices aceitáveis pela FAO. Gradualmente, o programa “Fome Zero” tirou o Brasil da insegurança alimentar.
Faz falta, nos dias de hoje, uma figura como Betinho: alguém que desperte a consciência da sociedade brasileira para o sofrimento de mais de 30 milhões de pessoas que passarão o Natal sem comida suficiente para saciar sua fome. Anestesiada pela ideologia que relaciona sucesso a méritos individuais, uma grande parcela da sociedade moldada pela lógica do mercado reduziu o âmbito da solidariedade aos limites da família e seu círculo de amizades. Contra essa redução do mandamento do amor, o Papa Francisco tem clamado em favor da fraternidade universal e da solidariedade cristã com todas as vítimas de exclusão. Ele já afirmou que o alimento é um direito universal e, como tal, deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente do seu poder aquisitivo. É preciso que a voz profética de Francisco seja colocada em prática para realizarmos o sonho bíblico de uma vida longa e feliz sobre a face da Terra.
Que a celebração do Natal seja, para nós, uma ocasião de reflexão para firmar um bom propósito para o Ano Novo: comprometer-se, pra valer, com o combate à fome, com gestos de solidariedade com as pessoas que pedem nossa ajuda, mas sem se limitar a isso e participar efetivamente da parceria entre sociedade civil e poder público na implementação de uma política de segurança alimentar. A Campanha da Fraternidade de 2023, com o lema “Dai-lhes vós mesmo de comer”, será a ocasião propícia para que a Igreja e todas as pessoas de boa vontade colaborem para o êxito desse desafiador projeto.