“Então eu, presidente do Brasil”!
Mulher, negra, mãe de duas filhas ainda crianças, moradora da periferia, abandonada pelo marido. Ofício: lavadeira, “com muito orgulho”, dizia, pois era desse “trabalho pesado, mas honesto” que conseguia sustentar a casa, há muito tempo deixada pelo marido, que nunca mais voltou.
Foi essa mulher que, numa manhã fria de junho, no ano de 1967, saiu bem cedo de casa, a pé e confiante. Caminhou do Bairro Santa Luzia até o centro de Juiz de Fora. Seu destino: a Prefeitura Municipal, cuja sede se localizava, então, no prédio hoje ocupado pela Funalfa, na esquina da Rua Halfeld com a Avenida Rio Branco.
Ali chegou ofegante e acompanhada de uma preocupação: resolver o que tinha de resolver e, quanto mais depressa possível, retornar para sua casa, suas filhas, seu trabalho. Afinal de contas, não podia perder tempo; precisava ainda “ganhar o dia”: lavar, passar e entregar, no tempo combinado, as roupas dos seus fregueses.
Antes de se dirigir aos dois funcionários que controlavam o acesso das pessoas aos vários setores das Prefeitura – que ali se concentravam -, deu-se conta de algo que nunca lhe sairia da memória: o vento que balançava as árvores do Parque Halfeld e fazia tremer de frio as pessoas que por ali passavam, ainda que vestidas com seus pesados agasalhos de inverno, sendo que algumas olhavam para ela com admiração e espanto.
Pensou e logo se perguntou: – Oh, gente, por que me olham com tanto espanto?
Admiração e espanto que também sentiam os funcionários da portaria, a ponto de um deles perguntar à mulher, antes mesmo que ela se apresentasse e dissesse porque estava ali: – Meus Deus, como a senhora consegue ficar sem agasalho diante de um frio desse tamanho?
Sem deixar de abrir um sorriso (atitude que fez ainda mais patente sua indiferença ao frio cortante!), de pronto respondeu e fez da resposta como que parte da razão pela qual ali estava.
Disse que desde menina lavava roupas nas minas “da Cachoeirinha” e depois se acostumou a trabalhar com as águas frias, geladas das bicas. Com o tempo, o corpo deixou de sentir qualquer tipo de frio…
Antes de qualquer outra indagação, arrematou falando da sua condição e do porquê estar ali, na portaria da Prefeitura: com a pureza tão própria das pessoas simples e de boa-fé, disse que, numa de suas “orações pela madrugada”, Deus – “o próprio Deus”, enfatizou! – teria dito que ela procurasse o prefeito da cidade e que este haveria de socorrê-la numa grande necessidade: a compra do material escolar para as duas filhas.
Comovido pelo relato e pela fé transbordante da mulher, um dos funcionários foi diretamente à secretária do prefeito, cuja sala ficava no terceiro andar do prédio. Esta logo se propôs a conversar com a senhora e, do próprio bolso, dar a contribuição necessária.
“Mas Deus me mandou aqui para conversar com o doutor prefeito”, disse ela à secretaria!
E foi exatamente essa a frase que foi ouvida pelo próprio prefeito, que naquele momento acabara de chegar ao seu gabinete, passando por um corredor paralelo e próximo. Tocado pela fé e pela boa-fé da senhora, ele foi até ela, cumprimentou-a e disse que o pedido dela seria, sim, atendido.
Emocionada, chorando de alegria, a mulher agradeceu e, antes de ir embora, pediu para “fazer uma oração”, no que foi atendida.
Tão logo terminou a oração, ela olhou detidamente nos olhos do político e, com autoridade e convicção, disse: – O mesmo Deus que me trouxe até aqui manda lhe dizer que o senhor um dia será a maior autoridade desta nação!
Entre admirado e envaidecido, o jovem prefeito, Itamar Augusto Cautiero Franco, abraçou a senhora e disse: – Então eu, presidente do Brasil!