Pós-verdade, ideologia de gênero e política
O vídeo gravado pelo Setor de Comunicação da UFJF no Colégio de Aplicação João XXIII gerou inúmeras manifestações polarizando a discussão. Por que tanta polêmica, uma vez que nenhuma escola no Brasil propõe incutir uma “ideologia de gênero” ou tem a pretensão de “acabar com a família”?
O vídeo gravado pelo Setor de Comunicação da UFJF no Colégio de Aplicação João XXIII gerou inúmeras manifestações polarizando a discussão. De um lado, apresenta-se uma posição conservadora acusando a escola de estar destruindo a família por fazer a “ideologia de gênero”, devendo a escola se restringir ao ensino, e a educação ficaria a cargo da família. O outro lado apresenta a diversidade como direito cidadão, defendendo que a escola deve tratar da questão de “gênero”, rompendo com valores predominantes na sociedade. Por que tanta polêmica, uma vez que nenhuma escola no Brasil propõe incutir uma “ideologia de gênero” ou tem a pretensão de “acabar com a família”?
Buscando compreender o fato, nos deparamos com a expressão “pós-verdade”, eleita por Oxford como a palavra do ano em 2016. Seu significado é de que os fatos importariam menos às pessoas do que aquilo em que elas escolhem acreditar, ou seja, as pessoas na atualidade escolhem em que vão acreditar. Faço, assim, algumas considerações. A questão de gênero tornou-se política ao ser indicada para os currículos em documentos oficiais do MEC.
Em 2015, a bancada evangélica na Câmara conseguiu retirar a palavra Gênero da proposta da Base Nacional Curricular, gerando disputas que ainda estão em pauta. Historicamente, várias questões que foram objetos de debates transformaram seus sentidos. Como exemplo, podemos citar que escolas eram separadas por sexos, mulheres não deveriam usar calças compridas, a pílula anticoncepcional e a Lei do Divórcio instituída em 1977 destruiriam as famílias, entretanto nenhuma dessas questões foi produzida pela escola.
Do mesmo modo, sexo, sexualidade, educação sexual como tema escolar já foram polêmicos, sendo hoje considerados, consensualmente, como obrigatórios. Assim, a escola contemporânea, instituição “educadora”, não pode se furtar a tratar de temas sociais relevantes presentes nas TVs, nas ruas, nos comportamentos, nas redes sociais. Também é necessário desmitificar a afirmação de que não cabe à família “educar” e à escola “ensinar”, reduzindo o papel de ambas às instituições diante da atual realidade social. Escola e família precisam se relacionar.
Deste modo, a opção sexual não mudará por determinação da família, tampouco a escola é capaz de incutir ideologias. Por outro lado, cabe destacar que é necessário compreender que ser conservador é uma opção, e não podemos querer impor que deixe de ser. Intolerância não pode ser marca de quem pensa diferente, principalmente para aqueles que a reivindicam como valor. O fato é que a questão se politizou ganhando repercussão.
Temos uma esquerda enfraquecida, buscando novos militantes, e uma direita que tenta incorporar conservadores em seus quadros, onde lutas de classe vêm se transformando em outras lutas, como a de gênero, raça, etnias, religiosas. Nada mais oportuno que uma pós-verdade como combustível para 2018, no qual Bucci da USP avalia que, “na era da pós-verdade, o eleitor toma cada vez mais decisões baseadas em sentimentos, crenças e ideologias”.