Campeã da Libertadores, Marina Loures sonha com fortalecimento do futsal local e Seleção Brasileira
Em exclusiva à Tribuna, a ala/fixa recorda a vitoriosa temporada pelo Cianorte Futsal (PR), questiona as condições financeiras da modalidade e projeta o futuro ante o alto nível e o Buscapé/Açaí do Fábio
Marina Loures Barboza, 28 anos, ainda digere o significado de ser campeã da Libertadores da América sob as hostes do Cianorte Futsal (PR). Pudera, até porque Marina manteve-se, por cinco anos, afastada do alto nível salonista. Dos torneios disputados em 2019, a ala/fixa juiz-forana não conquistou somente a Copa do Brasil. Da Liga Nacional à Libertadores; do Campeonato Paranaense à Supercopa. Marina reivindicou um lugar em construção desde os seis anos, quando, na escola de futsal do pai, jogava entre meninos. Por fim, a escolha em deixar, temporariamente, o Buscapé/Açaí do Fábio rumo a Cianorte revelou-se à Marina inquestionável, ainda que, em março, quando partiu, houvesse dúvidas diante da necessidade de se afastar do projeto. No entanto, apesar de ter deixado Juiz de Fora já pensando em voltar, o futuro de Marina é ainda incerto.
Após a volta, a ala/fixa é cobrada dia sim, outro também pelas colegas de Buscapé sobre a permanência. “Inicialmente, eu sairia de Juiz de Fora somente em 2019. Já saí com a intenção de voltar e fazer acontecer no Buscapé, mas não fecho as portas. Não tenho nada acordado com o Cianorte para 2020, apesar de já terem iniciado conversas para renovação do contrato. Estou me programando para ficar. Tenho alguns planos com o Buscapé e muitas novidades. As propostas que chegaram eu rejeitei e as equipes já começam a fechar o elenco. Acredito que nestes próximos 15 dias vou definir o meu futuro. Estou realizada enquanto atleta. Disputei todos os campeonatos de clubes no Brasil. (…) O que vai me fazer continuar jogando é uma convocação para a Seleção Brasileira. Acho que tenho chances, mas não crio muitas expectativas para não me frustrar.”
Mesmo um mês depois de ser campeã da América, diante do Independiente (Colômbia) por 2 a 1, em Balneário Camboriú (SC), Marina ainda busca compreender todo o significado da conquista. “A repercussão está muito bacana, mas dimensionar o que é a Libertadores quando a disputa… sabemos que é algo muito grande, mas é diferente. Agora eu tive mais noção da conquista. Fui procurada por vários times e acredito que isso seja uma consequência, dá uma visibilidade muito grande tanto ao clube quanto para nós, jogadoras. (…) Tivemos que passar por todos os times do Brasil para depois nos classificar para a Libertadores.”
O título da Supercopa de Futsal – disputada entre os campeões da Copa do Brasil e da Taça Brasil -, em junho, sobre a Female (SC), em resultado agregado por 5 a 3, deu ao Cianorte a vaga brasileira na Libertadores. Depois de empate por 3 a 3 na primeira perna, a classificação foi selada, no segundo jogo, em vitória nos minutos finais por 2 a 0, gols de Vanessa e Nega.
Aliás, foi a pivô Nega – a quem Marina enfrentou, em 2018, pela Taça Brasil, quando atuava ainda pelo Filadélfia/Univale (MG) -, somada ao projeto esportivo do Cianorte, que levaram Marina ao Paraná. “O interesse surgiu especificamente contra o Telêmaco Borba (PR). O treinador do Cianorte (Cleverson Santana) estava vendo o jogo. Fiz uma partidaça, marquei dois gols e despertei o interesse dele. Só que eu não tinha pretensões de sair de Juiz de Fora. Já tenho uma empresa na cidade, onde trabalho, porque eu sabia que, financeiramente, (a proposta) não seria legal. Só que, com o Cianorte, veio a questão da Supercopa e o fato de a Nega estar na equipe – como ela saiu da Female para ir ao Cianorte, passei a enxergar a Female enfraquecida -, então vi a oportunidade como uma grande chance de encararmos a Libertadores”, detalha Marina. A presença da ala/fixa Camila em Cianorte, com quem já havia jogado, também contribuiu.
‘A Libertadores é outro tipo de jogo’
Marina certamente está no auge da carreira. Ainda que tenha se afastado por cinco anos da elite, a readaptação à rotina profissional, bem como o seu desempenho no Cianorte Futsal, surpreenderam-na. Porém, como bem Marina diz, são 22 anos dentro das quadras, das amadoras às profissionais. “(Junto com os títulos) veio o meu desempenho, que achei superior ao que imaginava. Eu sabia que seria importante para a equipe, mas não tanto quanto fui. Isso foi muito bacana. Esportivamente falando, o ano foi muito bom. (…) Quando tinha os meus 15, 16 anos, o meu pai sempre falava: ‘Marina, quando você tiver 25 anos, a vivência que você tem dentro da quadra vai fazer diferença.’ E realmente fez. No masculino, é difícil pensar em uma pessoa que ficou cinco anos jogando no amador se readaptar tão rápido e tão bem ao alto nível. Saí de dois treinos semanais para onze sem lesão alguma”, avalia a ala/fixa juiz-forana.
Na Libertadores, a título de exemplo, foram três gols e oito assistências em seis partidas. Aliás, outra adaptação necessária à Marina e às companheiras de Cianorte foi imposta pelas diferentes culturas de jogo do certame continental. Das paranaenses, apenas Nega disputara a competição anteriormente. Portanto, conforme a juiz-forana, não havia tantas informações sobre as adversárias. “Vimos que, realmente, quando falam que a Libertadores é outro tipo de jogo, de fato, é. Até no futsal feminino. É muito jogo de corpo. Carrinho para tudo quanto é lado. Inclusive, uma árbitra, antes de um jogo, no vestiário, nos falou que o carrinho, apesar de não permitido no Brasil, é autorizado pela Conmebol. Ela nos aconselhou a evitar de reclamar com a arbitragem. É um jogo mais truncado. Não estávamos acostumadas. Nas partidas em que o contato era menor, com o futebol mais jogado, conseguíamos ir muito bem.” Como exemplo, Marina cita os confrontos ante o Independient. Na fase de grupos, vitória por 4 a 1; na final, 2 a 1. “Foram os jogos mais difíceis, mais de corpo a corpo. Quando falam que a Libertadores é a Libertadores, é verdade, as meninas dão o sangue.”
Das seis edições da Libertadores de Futsal Feminino, as equipes brasileiras conquistaram todas – além de Cianorte, Unochapecó (SC) e Barateiro Futsal (SC) são bicampeãs; Leoas da Serra (RS) venceu uma. Sobre o nível técnico sul-americano, Marina aponta superioridade das brasileiras. “Times medianos no Brasil são tecnicamente melhores do que os times que enfrentamos na Libertadores. Tanto que, por exemplo, o regulamento da Libertadores não permite que o campeão dispute a competição no ano seguinte. Em 2019, cada time foi campeão de um torneio nacional: o Cianorte, da Liga Nacional e da Supercopa; a Leoas da Serra, da Taça Brasil; o Taboão da Serra (SP), da Copa do Brasil; e o São José Futsal (SP), do Universitário.”
Para Marina, a cultura dos demais sul-americanos é voltada para o futebol de campo. “As equipes se juntam, jogam a competição, ganham e vão disputar a Libertadores. Por exemplo, o Kimberley (Argentina), tem a Lorena Benítez, que é atacante do Boca Juniors e da Seleção Argentina de futebol. No Brasil, os clubes realmente têm times de futsal. Existe um trabalho. A cultura desses países é totalmente voltada ao campo e, se der, vão no futsal.” Conforme Marina, os países mais organizados são Argentina e Paraguai. Aliás, o Cerro Porteño era o adversário esperado pelas brasileiras na finalíssima. Entretanto, as paraguaias encerraram o certame na sétima colocação.
‘A atleta de futsal sobrevive’
Apesar de estar à frente dos vizinhos sul-americanos, o futsal feminino brasileiro, para Marina, é ainda semi-profissional, uma vez que as jogadoras não se sustentam apenas com os salários recebidos na modalidade. “Hoje, se nós quisermos nos manter jogando futsal, é bem difícil. Bem difícil mesmo. Por isso, sempre falo com as meninas de Juiz de Fora: ‘Se tem a oportunidade de ir (para algum clube), vai e tira o que o futsal pode te dar, que é uma faculdade.’ Normalmente, os times dão a faculdade. Então, vão e se formam, pelo menos para ter uma profissão, porque falar que vamos pegar dinheiro e ficarmos igual aos jogadores, com vida boa e carro do ano, não vamos. A maioria nem carro tem. As exceções das exceções da regra que conseguem um bom salário jogando bola.”
Tais exceções são jogadoras avaliadas como as melhores da modalidade a nível mundial, como a própria Nega e a ala Amandinha, 25 anos. Segundo Marina, ambas são “privilegiadas do esporte”. “Uma mulher adulta, com família, não vive do futsal. Na verdade, dá para viver se o clube arcar com o aluguel, a luz, a água, a alimentação etc.. Agora, se for pagar tudo isso do próprio bolso, já complica. (…) Sempre falávamos com a Nega: ‘Você é uma, em meio a várias, que tem um salário bacana.’ A Nega tem também o patrocínio da Penalty. É uma em um milhão. O resto é a mesma coisa. Tem que trabalhar por fora. Por exemplo, a nossa goleira, a Júlia Melz é concursada na cidade dela. Treinava de manhã, trabalhava à tarde, malhava à noite, e, depois, ainda dava aula de futsal. E a Júlia é a capitã do Cianorte. No masculino não tem isso”, questiona Marina.
Embora a estrutura do Cianorte tenha surpreendido positivamente Marina, a atleta revela que a ida para o Paraná foi possível apenas por possuir outra fonte de renda. Tais situações levam a juiz-forana a concluir que o futsal feminino é ainda precário. “No alojamento em Cianorte tínhamos tudo. Coisas que nunca tive. Eu não pagava nem sabão em pó, amaciante. O meu salário era pra mim. (…) Vi uma Prefeitura que apoia, o que é difícil, e uma cidade que abraça o time. Em todos os jogos, cobra-se ingressos. Nunca tinha visto. E o público vai. Não lota o ginásio, porque é grande, mas em todos os jogos havia ao menos 150 pessoas”, conta. “Mas, mesmo assim, só foi possível ter ido porque tenho outra fonte de renda. A atleta de futsal sobrevive. Ela não vive do futsal. (…) Já vi alojamentos com seis, sete, oito meninas dentro de um quarto. Não tem como. Em Cianorte eram duas meninas por quarto, todos com ar-condicionado, cama bacana, colchões novos. Nos surpreendemos, mas deveria ter em todos os times. E sabemos que não é assim.”
Subsídio
Questionada sobre a atuação da Confederação Brasileira de Futsal (CBFS) ao organizar a modalidade, Marina atenta para a necessidade de subsídios financeiros aos clubes para cobrir custos logísticos e, ainda, a promoção de campeonatos de categorias de base. “A CBFS é um amontoado de dívidas, e a confederação, na verdade, não pode nem organizar alguns campeonatos. (…) Antigamente, na Liga Nacional, em que os times pagavam franquias e a CBFS dava uma diária para cada atleta, ajudava no custeio da passagem etc.. Só que a CBFS foi acumulando muitas dívidas. Então, tudo o que entrava de dinheiro era embargado. Hoje, os clubes sobrevivem sozinhos. Nas competições, não há R$ 1 de premiação. Jogamos por jogar. Já na Libertadores, por exemplo, fomos sem gastar nada. Os campeonatos de base são outro ponto. Não existem campeonatos de base na categoria feminina. Como as atletas se desenvolvem sem campeonatos?”