Juiz-forano com deficiência visual planeja participar da Maratona do Rio
Funcionário público, Marcos Henriques, de 56 anos, teve retinose pigmentar aos 28 e encontrou na corrida uma forma de reintegração
O corredor Marcos Henriques, outrora destaque nas pistas, teve, há cerca de 28 anos, sua trajetória interrompida por uma perda gradativa da visão. Precisou enfrentar um processo de adaptação às novas limitações, tanto físicas quanto emocionais, que a cegueira lhe impôs. Com isso, foram seis anos afastados do esporte. No entanto, ele encontrou, novamente na corrida, uma oportunidade de melhorar sua saúde e de socialização a partir de um projeto da Associação dos Cegos de Juiz de Fora. O retorno aos treinamentos e competições restaurou seu vigor físico, além de se tornar um símbolo de superação pessoal e reconquista de sua identidade. Hoje, aos 56 anos, “Marquinhos”, como é conhecido, tem como principal meta concluir uma maratona.
Antes disso, Marquinhos, atleta da equipe Super Amigos tem as provas restantes do Ranking de Corridas de Rua da cidade. Neste domingo (13), ele participa da Corrida Solidária da Associação dos Cegos, oitava disputa da competição. A largada acontece às 8h, no Clube ABCR (Avenida Ministro Espirito Santo, S/N, Benfica). Serão 6,5 quilômetros no percurso principal e 3,5 quilômetros no da caminhada. De acordo com a organização do evento, 1.071 pessoas estão inscritas para a corrida principal, enquanto 208 crianças participam da corrida kids. Haverá premiação por faixa etária e para os melhores colocados gerais.
História de Marquinhos
Marquinhos é mais um personagem da série “Qual é o Seu Corre”, que conta histórias de corredores locais. Morador do Bairro Grajaú, na Zona Leste, ele começou a correr aos 14 anos, no Colégio Dom Orione. Nessa época, antes de ter diagnosticada deficiência visual, treinava sozinho. Aos 28, começou a perceber sua vista embaçada e enfraquecida.
“Fui diagnosticado com retinose pigmentar. Fui perdendo a visão dos dois olhos de forma gradativa. Com 34, fiquei completamente cego”, conta. Nessa época, ele ficou sem treinar, mas logo descobriu um projeto na Associação dos Cegos. Assim, retornou ao esporte.
“Voltar a correr foi uma liberdade, tenho saúde, autonomia, faço o que eu gosto. Desde que retornei, participei cinco vezes da Corrida de São Silvestre e duas da Corrida da Pampulha. Procuro sempre viajar para outras corridas fora da cidade”, comemora o atleta, que corre de dez a 13 quilômetros duas vezes por semana, entre 7h e 9h, antes de trabalhar. “Sou funcionário público da Cesama. Trabalho de 10h às 18h com planilhas on-line de serviços internos da empresa. Não é em braile, é um computador normal com leitor de tela, que fala para mim. Quando você é criado aprendendo a trabalhar e gostando do que faz, é um prazer. Trabalhava desde cedo com meu pai em mecânica, obras e fábrica de soda cáustica”.
Além de funcionário público, Marquinhos é formado em música. “Já como com deficiência visual, entrei em um conservatório e aprendi a partitura. Toco violão, flauta, violino, piano, contrabaixo. Em pouco tempo, comecei a dar aulas também. Tenho vários alunos formados que tocam bastante”, relata.
Casado com Josi, também deficiente visual, Marquinhos tem como maior presente sua filha Nicolly, de 3 anos. “Ela fala que quer correr comigo na Super Amigos. Já tem o entusiasmo da corrida, faz exercícios comigo em casa. Quando ela começar, quero estar correndo junto. Dou sempre a dica para as pessoas que têm deficientes na família, que a pessoa pode aprender e fazer várias coisas. Alguns protegem demais, isso trabalha. Os pais precisam ensinar e incentivar. Assim, o filho dará conta de si próprio”.
Guia que ‘virou irmão’
Em todos os treinos e competições, o atleta é acompanhado de Fernando Costa, corredor há 44 anos e guia há 31. “Ele me busca para treinar, tem uma cordialidade muito boa. Me ajuda na orientação e a ter condição física para as provas. Temos uma relação de amizade, também fazemos lazer juntos. Fomos em família ao circo, por exemplo. Estamos pensando em, ano que vem, participar da Maratona do Rio”, conta Marquinhos.
Conforme fala o guia, a relação de dez anos é baseada em cumplicidade e ajuda mútua. “Treinei vários atletas, mas com ele tenho muita afinidade. É uma pessoa maravilhosa, com uma história inspiradora e tem um ritmo ótimo. Acaba que somos mais ajudados do que ajudamos. Primeiro, pela experiência de vida, demonstração de garra e persistência. E também pela alegria de viver, enquanto muitos reclamam por um arranhão no braço. Às vezes, eu mesmo estou desanimado de treinar, mas o Marquinhos vai e me anima. Ele é alegria e persistência, sempre consegue um ânimo, mesmo cansado, após palavras de incentivo. Brinco que é cascudo. Ele é a prova viva que o esporte integra, promove inclusão e traz inúmeros benefícios”, define Fernando.
*Sob supervisão do editor Gabriel Silva