Dificuldade de acesso ao auxílio-doença deixa população desamparada
Quem solicita pela primeira vez ou busca renovar o benefício enfrenta morosidade e indeferimentos pouco explicativos. A partir deste mês, os pedidos voltam a ser on-line
Mais de 4,6 milhões de brasileiros tiveram benefícios negados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 2020. As negativas correspondem a quase metade (47,8%) do total de pedidos feitos no período, cerca de 9,3 milhões, segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social. Em 2021, a situação não tem sido diferente, conforme relatos de quem precisou renovar ou solicitar um benefício pela primeira vez. Neste sentido, o auxílio-doença é um dos principais gargalos. Os indeferimentos e a morosidade das respostas têm deixado pessoas desamparadas no momento que mais precisam.
O INSS não informou os dados locais sobre solicitações e concessões de benefícios, mas a avaliação de quem trabalha na área é de que Juiz de Fora segue o contexto nacional. “A situação já era complicada antes da pandemia, e piorou muito agora. A nossa cidade está inserida nessa realidade e, infelizmente, quem mais precisa tem enfrentado muitas dificuldades”, afirma a advogada e coordenadora de pós-graduação de Direito do Trabalho Previdenciário da Estácio JF, Paula Assumpção.
Quem buscou o INSS confirma a situação. Em setembro do ano passado, uma leitora que preferiu não se identificar, 53 anos, deu entrada no pedido de auxílio-doença após ser afastada do trabalho para realizar o tratamento contra o câncer. Mais de seis meses depois, ela ainda não recebeu o benefício.
A trajetória tem sido desgastante. “O pedido foi feito on-line. Em dezembro, consegui marcar a perícia para fevereiro deste ano, já com atendimento presencial”, relembra. “O perito me disse que a resposta seria dada no mesmo dia, o que não aconteceu.”
Desde então, ela fez várias ligações para o canal 135 em busca de resposta. “É muito triste porque não te dão uma posição. Contribuí com o INSS durante 30 anos, e no momento mais difícil da minha vida, na hora em que mais precisei, não tive esse suporte.”
Por meio de uma amiga, ela conseguiu ajuda especializada e, enfim, obteve a informação de que o benefício será pago no final de abril. “O tratamento é caro, doloroso e prolongado. É muito humilhante em meio a tudo isso ter que ficar pedindo algo que é um direito seu. A minha sorte foi que tinha uma reserva financeira e contei com ajuda de familiares.”
Renovação também esbarra em entraves
A dificuldade de acesso ao auxílio-doença não se restringe a quem recorre ao INSS pela primeira vez. Até mesmo pacientes que fazem tratamento contínuo e já estavam entre os beneficiários foram surpreendidos com o indeferimento da renovação. Este foi o caso de A., 30 anos. “Na infância, ela foi diagnosticada com epilepsia refratária devido a esclerose temporal, mas a situação se agravou na vida adulta. Ela apresenta crises focais com perda de noção do espaço e convulsão”, relata o marido, em entrevista à Tribuna.
A. trabalhou na área de vendas e, também, como secretária, mas há dois anos foi afastada do emprego após uma crise. “A empresa achou arriscado mantê-la. Ela fez a perícia e passou a receber o auxílio por incapacidade laborativa. Desde então, faz a renovação periódica levando os laudos e os atestados necessários.” Neste período, o casal foi informado sobre a possibilidade dela ser incluída em um programa de reabilitação profissional do Governo federal. “Mas ela nunca foi chamada.”
Ao longo de 2020, o pedido de prorrogação do auxílio passou a ser mensal. A última perícia foi agendada presencialmente para fevereiro deste ano. “Apresentamos laudo, exame de ressonância magnética, receitas e medicações. Não ficamos nem cinco minutos na sala com o perito.”
O benefício foi cortado, o que tem prejudicado a família. “Só com as medicações dela, gastamos cerca de R$ 750 por mês”, desabafa o marido. “Entramos em contato com o INSS, mas não nos deram uma justificativa, nem explicaram o que podemos fazer.”
Morosidade de retorno
Outros leitores da Tribuna, que preferiram não se identificar, criticaram a morosidade para o retorno do INSS. “Quando fiz a perícia, o médico disse que o resultado sairia no mesmo dia. Esperei 66 dias até receber o resultado”, recorda um deles. O benefício foi concedido, mas a situação gera apreensão. “Vou fazer a solicitação de prorrogação e me preocupo que isso se repita.”
O outro leitor segue sem retorno. “A falta de transparência é absurda. Estou aguardando há semanas por uma resposta. E quando ligo para o 135, ninguém explica o motivo da demora. Enquanto isso, conto com ajuda de conhecidos para conseguir manter as contas em dia e continuar comprando os remédios.”
De acordo com a advogada Paula Assumpção, o tempo de espera pela resposta da perícia tem sido grande. “O atraso é recorrente. Não sabemos o que está acontecendo, pois antes da pandemia, o retorno era dado horas depois do atendimento. Agora, há casos de pessoas esperando dois meses por uma resposta.”
Resposta
Questionada pela Tribuna sobre as dificuldades enfrentadas por quem busca o auxílio-doença, a assessoria do INSS destacou “a necessidade de diferenciar doença e incapacidade para o trabalho”. Em nota, afirmou que “muitas vezes, a perícia médica avalia que, mesmo o segurado sendo portador de alguma doença, ela não o incapacita para o trabalho. Mas isso é avaliado caso a caso. Não se pode generalizar.”
O texto ressalta, ainda, que para ter acesso ao benefício, é preciso estar com as contribuições em dia. “O INSS avalia também a carência de contribuições para o direito a alguns benefícios, o cadastro do segurado, entre outros fatores que são levados em consideração na hora da análise do requerimento.”
Atendimento da perícia é alvo de críticas
O atendimento durante a perícia presencial foi uma queixa recorrente entre os entrevistados ouvidos pela Tribuna. “O perito nem me olhou, mal falou comigo, apesar de ver que estou com um diagnóstico sério. Eu me senti muito mal nesse processo”, disse a leitora que está fazendo tratamento contra o câncer.
O marido de A. também narrou o que considerou “descaso”. “Quando ela colocou a sacola com as medicações na mesa do perito, ele pediu para retirar sem sequer olhar. Faltou humanização no atendimento.”
As reclamações se repetem no escritório de Paula Assumpção. “Infelizmente, é muito comum ouvirmos que o atendimento foi rápido, o profissional não olhou para a pessoa e não deu atenção às documentações.” Ela destaca que a perícia é diferente de uma consulta médica. “É uma avaliação técnica para tentar detectar qualquer deslize. O INSS tem uma função institucional de amparar as pessoas quando mais precisam, mas, na prática, sabemos que a ideia é fazer com que elas voltem a trabalhar, então é preciso comprovar que não há esta capacidade.”
Formalização das queixas
A Tribuna apresentou as reclamações dos entrevistados à assessoria do INSS que informou que este tipo de situação deve ser reportada à Secretaria de Previdência. Em contato com a pasta, a orientação foi para a formalização das queixas. “Qualquer denúncia ou reclamação deve ser feita por meio da Ouvidoria do Ministério da Economia. Os casos são apurados junto à chefia imediata do perito médico federal e dado o encaminhamento de cada caso específico”, afirmou em nota.
Solicitação de auxílio-doença volta a ser on-line
A partir deste mês, os pedidos de auxílio-doença voltam a ser realizados de maneira remota. No dia 30 de março, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.131, que autoriza o INSS a conceder o benefício mediante apresentação de atestado médico e de documentos complementares pela internet, sem necessidade de perícia médica presencial. A regra não se aplica para quem já tenha agendado o atendimento nas agências no prazo de até 60 dias.
O retorno do atendimento on-line se dá pelo agravamento da pandemia da Covid-19. A situação tem prós e contras na análise da advogada Paula Assumpção. “É importante restringir a movimentação das pessoas neste momento, evitar aglomerações. Acompanhamos que a Covid-19 se tornou o segundo principal motivo de afastamentos no trabalho, atrás apenas das doenças ortopédicas.”
Por outro lado, a especialista se preocupa que as concessões fiquem ainda mais inacessíveis. “A experiência do atendimento remoto no ano passado escancarou a realidade de desigualdade social do país. Muitas pessoas não têm acesso à internet, não são alfabetizadas. E é essa população mais vulnerável que mais depende do INSS.”
É preciso ficar atento aos prazos
Com o retorno do atendimento on-line, a atenção deve ser redobrada. A primeira orientação para quem precisa renovar o benefício é ficar atento aos prazos. “Com relação à documentação, é preciso que seja mais explicativa possível: informar a doença, os sintomas, o tempo estimado de recuperação, o CID (Código Internacional de doenças), descrever os remédios e efeitos colaterais. É preciso estar tudo detalhado.”
Para quem pretende ingressar com um pedido pela primeira vez, a especialista alerta para a importância de estar com as contribuições em dia. “E em caso de dificuldades, é preciso buscar ajuda especializada, seja com advogado, seja na Defensoria Pública, seja no Escritório Escola.” Quem teve o benefício negado ou aguarda uma resposta há 90 dias pode buscar acionar a Justiça.