‘A arte preta é sofisticada’
Após lançar o single “Fôlego”, JOBrandaum aposta em financiamento coletivo para viabilizar lyric video com beat marcado por referências musicais ao lendário Charles Mingus
Em novembro de 2019, JOBrandaum, 23 anos, concorreu ao lado de outros poetas a um dos beats do produtor musical Vibox. Jô então escolheu um beat para fazer a rima, mas, quando a encaminhou para Vibox, o beatmaker lhe avisou que, neste meio tempo, um cliente havia atravessado a rapper e comprado aquela batida. “A não ser que eu comprasse, ele não poderia segurar o beat pra mim”, ressalva Jô. “Tive que mudar toda a melodia que havia feito.” À procura de um novo beat de Vibox, encontrou um inspirado no contrabaixista, compositor e pianista americano de jazz Charles Mingus, das principais referências do gênero. “Quando apertei o play, veio aquele jazz maravilhoso”, lembra. Jô trocou a melodia, limou alguns trechos e deu novo acabamento ao som. Desde a semana passada, está em busca de arrecadar R$ 1 mil em um financiamento coletivo para produzir o lyric video, cujo nome prefere manter em sigilo.
Jô não esconde a admiração por Mingus, conhecido como “homem furioso do jazz”. “O Vibox absorveu muitas coisas do Charles Mingus. Todas as pessoas diziam que ele (Mingus) sempre tocava nervoso… não no sentido de estressado. Quando se apresentava, era uma energia muito dinâmica. É uma musicalidade infinita.” A pegada instrumental que deu ao som também é nervosa, acrescenta. Embora busque não se condicionar a situações particulares já vividas, Jô leva à música as próprias vivências, “a quebra de demandas, de caminhos fechados, bloqueios”. Além disso, mira uma linguagem sofisticada. “Quero mostrar que o rap é sofisticado. A arte preta é mais sofisticada do que as pessoas imaginam.”
Conforme JOBrandaum, é redundante discutir ofensas a toda a produção artística e cultural da população negra. “Tudo o que é preto a sociedade rejeita, mas quer usar, quer ser apropriar”, afirma. “Diria que é conveniência. A arte preta é sofisticada. Por mais que você veja um artista preto ou uma artista preta fazendo uma arte com poucos recursos, você vai ver ali uma coisa muito especial, além de força de vontade, de tudo.” Para Jô, as pessoas não associam o jazz aos artistas pretos. “O jazz foi apropriado. Em festas de pessoas da high society, todo mundo acha o jazz sofisticado. Quando a gente traz a imagem de quem criou o jazz, vemos o corpo e o rosto de uma pessoa preta e as pessoas não associam a nossa imagem ao jazz. Nos ouçam. Consumam a nossa arte. Olhem a quantidade de artistas que estamos perdendo.”
Lançamento em junho
A melodia em cima do beat influenciado por Mingus mudou consideravelmente se comparada àquela feita a princípio, admite a rapper. “Antes, era um beat muito doido, trevoso, não tinha nada a ver com jazz. Era uma parada muito mais underground, que trazia outra linguagem.” Ainda que Jô já tenha apresentado o trabalho em eventos fechados desde então, não há ainda uma versão final. “O som já passou por várias mudanças. Até ser lançado, provavelmente vou mudar algumas coisas. Não a letra, porque já está fechada. Mas ainda vou mudar muita coisa.” Jô planeja o lançamento do lyric video para junho.