Prioridades de um senhor de 85 anos
O imbróglio envolvendo a venda de ingressos para o espetáculo “Hiperativo”, do ator Paulo Gustavo, em agosto deste ano, colocou a informatização da bilheteria do Cine-Theatro Central entre as prioridades para a casa, que agora tem o engenheiro André Xandó na direção. “A maioria dos teatros de cidades de maior porte já tem esse serviço, pois oferece comodidade para os usuários. Poder comprar em casa, pagar pela internet e usar cartão de crédito fazem falta”, opina Xandó, assumindo o espaço em plena reforma. Para o fim dos trabalhos, previsto para março de 2015, a expectativa é a abertura de um museu, além de automatização do teatro. Também motivo de polêmica, a instalação de ar-condicionado volta a ser discutida para o próximo ano.
“O Cine-Theatro Central é um senhor de 85 anos que exige cuidado. De imediato, estamos fazendo uma revisão dos processos administrativos. Parte do cenário já está automatizada, mas a intenção é instalar um elevador para trazer as cargas até o palco”, diz Xandó. Atendendo a anseio dos produtores, novos equipamentos de som e iluminação estão sendo providenciados. “Serão de médio porte e atenderão perfeitamente espetáculos mais simples, como um monólogo”, destaca o pró-reitor de Cultura da UFJF, Gerson Guedes.
Se a beleza das criações de Angelo Bigi salta aos olhos de quem passa pelo Central durante as apresentações, a intenção é que as obras possam ser apreciadas pelo público, também, durante o dia. De acordo com Xandó, com a abertura do Espaço Angelo Bigi, juiz-foranos e turistas poderão participar de visita guiada por estudantes de artes, história, arquitetura e turismo da UFJF às instalações do prédio. Totens eletrônicos ficarão expostos no foyer, na plateia e na galeria, no segundo andar. A ideia é que, aos sábados pela manhã, o local ainda seja mais uma opção para lançamentos de livros.
Climatização
Outra questão que vem se arrastando há algum tempo e que voltou a ganhar destaque nas redes sociais com as colocações do humorista do Multishow é a climatização do espaço, tombado em 1994. De acordo com Gerson Guedes, o assunto retornará para análise do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que se mostra contrário à implantação do ar-condicionado. “Temos dificuldade de instalar os equipamentos por causa do maquinário pesado. Não conseguimos achar plantas de cabos e de esgoto, sem contar que o telhado não aguenta. Pensamos num sistema de refrigeração lateral que não descaracterize a pintura original, porque o nível de umidade pode danificar os afrescos do teto. Olha a carga de energia que vai ser colocada na fiação do teatro”, observa Xandó.
“Por causa da grandiosidade física e artística do Central, tudo o que é feito aqui toma uma dimensão que em outro imóvel não tomaria”, completa o pró-reitor. Com relação à segurança, Xandó diz que a instituição de ensino providenciará, até dezembro, a colocação de câmeras.
Um engenheiro ligado à cultura
Funcionário de carreira da UFJF há 21 anos, André Xandó está estreando na área cultural, mas sua relação com o teatro é antiga. “Meu pai (Xandó Batista) foi ator de primeira linha, fez mais de 50 peças, trabalhou com Bibi Ferreira e Paulo Autran. Quando criança, meu lugar era a coxia. De certa forma, é um resgate da minha história.” Formado em engenharia elétrica, com pós graduação em engenharia de qualidade e mestrado em gestão e avaliação, ele já atuou no Critt (Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia), no sistema de bibliotecas e no setor de recursos humanos da instituição de ensino. “Não tenho condições de administrar uma casa por telepatia. Na Pró-reitoria de Cultura, temos 42 projetos em andamento. Sempre achei que o Central precisava de um engenheiro pela necessidade constante de manutenção”, justifica Gerson, que, em sua primeira gestão, tomou decisão semelhante no Museu de Arte Murilo Mendes, ao empossar a professora Nícea Nogueira na direção do espaço.
Veio e ficou
Com um pequeno pincel, a restauradora Martha Beatriz de Fontana, da Espaço-Tempo, de Belo Horizonte, a mesma empresa que conduziu a grande reforma de 1996, retoca a pintura do Cine-Theatro Central. O trabalho, que exige atenção e paciência, é realizado para acabar com rastros irreversíveis de pés e mãos. “São danos causados por descuido do público. Temos mancha de solado de sapato e gorduras que são absorvidas pela tinta. Chega um momento em que é muito difícil removê-las. Já terminamos na plateia e partimos para a galeria”, conta Martha, que se encantou com a cidade e com as pessoas em que nela vivem. Aqui, ela fixou moradia há 18 anos. “Da outra vez, o Central estava em ruínas, completamente degradado, com pinturas malfeitas. Encontramos as ninfas depois de remover sete camadas de tinta. Havia imensas colônias de fungo sobre as pinturas. Hoje, o teatro está com a feição do restauro, que tinha a ver com a original.”
O arquiteto da Espaço Tempo, Massimiliano Fontana, conta que, nos próximos meses, os ladrilhos hidráulicos do foyer serão trocados por outros fabricados com cores, tonalidades e desenhos iguais aos originais. “As substituições só serão feitas quando não houver condição de manter o que existe, valorizando o espaço de acolhimento do teatro.” Também entre as intervenções previstas estão pintura externa, impermeabilização das marquises e solução para a captação da água pluvial. No palco, serão trocados ciclorama, rotunda e cortina, que será anti-incêndio.
“Está mais do que na hora de a população se indignar com o mau trato do imóvel. A fachada é a mais danificada em função de infiltrações. É um teatro valioso para o Brasil. Não é à toa que os grandes artistas só dizem coisas maravilhosas daqui. O prédio está bem conservado, sem dúvidas. Cada um vê com o olho que tem”, assevera o arquiteto, fazendo referências às recentes críticas feitas por Paulo Gustavo sobre as condições do local.
“O teatro abriga espetáculos a cada dois dias. Temos que repensar sua própria utilização, elaborar um critério mais rigoroso para uso. Outro dia, uma produção esbarrou um cenário na mureta que tinha acabado de ser restaurada. O produtor tem que se adequar às normas da casa, e não o contrário. Estamos nos organizando para isso”, finaliza Gerson Guedes.