Alessandra Crispin narra primeira vez que pisou no Central
“Tive algumas experiências únicas sob o teto mais bonito que já vi na vida”, escreve cantora juiz-forana sobre palco sagrado
“O céu infinito do Central”
Falar do passado me traz emoções muito vívidas e hoje eu estou aqui para contar aos leitores da Tribuna de Minas sobre a minha relação com o Cine-Theatro Central. Participar deste especial 90 anos me trouxe uma emoção ímpar. Começo confessando que tive algumas experiências únicas sob o teto mais bonito que já vi na vida. Momentos totalmente distintos, mas que me trouxeram a certeza da minha missão nesta vida, do compromisso que tenho com a comunidade juiz-forana e do amor que tenho pela arte.
Com os olhos fixos no céu que me inspirava poesia clássica, eu, com uma calça laranja, descalça, cautelosa para não sujar a blusa branca de babado, aguardava junto a centenas de crianças de escolas da rede pública de ensino para apresentar, por alguns minutos, uma coreografia para os nossos familiares. Eu devia ter aproximadamente 13, 14 anos e ali eu vi, pela primeira vez, o Gigante Central. Imenso, de forma elegante e com um palco intimidador. Ao mesmo tempo, a beleza de suas pinturas me acolhia e me acalmava para a hora tão esperada… “Cinco, seis, sete, oito”: é hora da dança!
E foi com duas canções de Beyoncé que a Escola Municipal Cecília Meireles se apresentou no palco do Cine-Theatro Central. Levar a periferia, o pobre, o pop negro americano representado por uma mulher para o interior de um teatro me trouxe uma sensação de dever cumprido. Eu havia, pela primeira vez, ocupado um espaço elitizado, com música e dança negra… coisas que eu só entenderia a grandeza e a importância na minha segunda “primeira vez”.
Outras experiências vieram e quanto mais me consolidava enquanto musicista, mais convites surgiam. Esse amor pelo Central me acompanha até hoje, e eu tive a oportunidade de escrever em minha história que, em 2016, selei definitivamente o vínculo afetivo que carrego ao lançar o meu primeiro CD no Gigante. Em minha segunda “primeira vez”, o céu clássico do Central seria o teto para receber o meu jardim. Eu estava em casa.
“Meu nome é Crispin” representa todo o meu trajeto artístico até a minha participação no programa “The Voice Brasil” em 2013. Eu queria registrar todas as experiências que tive durante o tempo que não tinha oportunidade de mostrar as minhas canções. E este CD foi feito por tantas mãos e recebeu tanta energia positiva que só o Cine-Theatro Central conseguiria confortar todos os convidados… a cidade inteira! Mãos suadas, um silêncio ensurdecedor dentro de mim, olhar fixo na imensa escuridão que estava à minha frente. A menina retornava 10 anos depois para mostrar mais uma vez a arte da periferia. “O tempo vai levando a vida feito correnteza…”: foi a capella que comecei. E as palmas vieram em cascatas após essa frase. O mar escuro escondia uma plateia emocionante e sensível. Eu não estava sozinha, e a minha voz ecoava levando a força da mulher negra, a força da favela, a força de Juiz de Fora.
É claro que nem tudo são rosas. A minha figura e a minha postura incomodam. E, na verdade, acho bom que isso aconteça, pois a consciência ou vem através do diálogo ou vem com a perda da zona de conforto. O Cine-Theatro Central é de todos e vamos ocupá-lo! Hoje eu sei o que a minha música representa, o que a minha voz carrega. Eu não comecei ontem e desde o início tive a oportunidade de estar em contato com as várias sensações que o teatro nos proporciona e que, infelizmente, esta oportunidade ainda não abarca todos. Mas seguimos, eu e o Central, cada um com suas missões: eu de ocupar espaços onde a periferia não teria a oportunidade, e o Cine-Theatro Central, de receber em seu solo sagrado, todos os povos.
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