Um rio cheio de histórias
Foi Guimarães Rosa quem nos abriu os olhos para essa mais profunda verdade: “O sertão está em toda parte”. O autor, entre nós já não mais está. Contudo, suas profundas reflexões permanecem vivas, não só através de seus escritos, mas através de apaixonados e de estudiosos de sua obra, como o Grupo de Contadores de Estórias Miguilim. Com muitos causos na bagagem, a trupe sai de Cordisburgo, terra natal do escritor, e aporta em Rio Novo para apresentação de abertura, nesta quinta, às 20h, da terceira edição da Festa Literária, que segue até domingo. Sob o comando da Associação Cavaleiros da Cultura, o pequeno lugarejo rende homenagens ao escritor mineiro e a “Grande Sertão: Veredas”, livro que completa 60 anos de lançamento em 2016, com Lima Duarte, pioneiro na arte de viver personagens roseanos na TV, o ator Angelo Antonio, escritores premiados, escritores locais, espetáculos teatrais, apresentação musical, oficinas e exposição.
“Guimarães tem esse lado de escrever sobre a vida cotidiana do interior de Minas Gerais, e, por isso, nós, brasileiros, temos obrigação de conhecê-lo. O povo precisa ter a oportunidade de estar próximo a questões tão profundas”, defende o coordenador do projeto, Carlos Oscar Niemeyer, a quem coube estar à frente de uma lista de atrações que começa apresentando ao público “Quem é esse João Guimarães Rosa?”, título da conferência de abertura ministrada hoje, às 19h30, pelas escritoras e professoras de Juiz de Fora Leila Barbosa e Marisa Timponi. “Acho que ele, hoje, não chega ao grande público, porque a filha proibiu a publicação da biografia escrita por Alaor Barbosa, em 2008. Para nós, isso foi uma censura. Guimarães é uma pessoa pública, do Brasil e do mundo. Quando procurava imagens para ilustrar nosso bate-papo, me deparei com a notícia de que essa decisão tinha sido revogada”, comemora Leila.
Estudiosas da obra roseana, Marisa e Leila já tiveram o privilégio de trazer a Juiz de Fora Manoelzão, um dos mais conhecidos personagens de Guimarães, já falecido. “Guimarães copiava tudo o que ele ouvia”, diz Manoelzão à dupla, que vê semelhanças entre a escrita tão peculiar de Guimarães e o texto da novela “Velho Chico”, da Rede Globo. “É preciso entender, caminhar com a obra e com um autor que começa um livro com ‘Nonada’, que tem uma linguagem tão específica do sertão que só ele capta para a gente”, dispara Marisa.
Cultura para transformar
Carlos Oscar conta que, quando herdou dos pais e do avô Oscar Niemeyer a crença de que só com a cultura é possível mudar os rumos do nosso país, ele tinha certeza de que as crianças e seus familiares seriam o principal público-alvo dos Cavaleiros da Cultura. Desta forma, é preciso pensar numa programação que as atinja. Daí a ideia de levar Guimarães Rosa através de dois artistas presentes na grande mídia. Lima Duarte, que participa de um bate-papo neste sábado, às 9h, está entre os primeiros artistas que interpretaram um personagem de Rosa na TV. Atuou em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de 1956, e dirigiu e atuou em “Corpo fechado”, de 1975, ambos extraídos do livro “Sagarana”. Angelo Antonio também já incorporou figuras roseanas e, por isso, aceitou de pronto o convite. Segundo o coordenador, o autor vai estar no festival também no sábado, em horário ainda não definido, com o irmão, um especialista em Guimarães Rosa. “Essas figuras simpáticas vão falar de Guimarães de uma forma natural, tranquila, sem muito hermetismo”, adianta Carlos Oscar
No mesmo dia, às 13h30, a coordenadora do grupo barbacenense Ponto de Partida, Regina Bertola, aporta por lá para falar sobre seu processo de adaptação de “Grande Sertão: Veredas” para o teatro. Por falar no sábado, esse será um dos dias mais concorridos, pois tem hora marcada com Chico Otávio, repórter investigativo de “O Globo”, que vai bater um papo, às 15h, sobre o livro “Os porões da contravenção – Jogo do bicho e ditadura militar: A história da aliança que profissionalizou o crime organizado”, escrito em parceria com o também jornalista Aloy Jupiara.
Em seguida, tem encontro com a repórter especial da Tribuna Daniela Arbex. Daniela conversa com o público sobre “Holocausto brasileiro”, livro que ganhou documentário homônimo a ser exibido pelos canais da rede HBO. Entre os nomes da sexta-feira, o editor da Tribuna Wendell Guiducci lança seu livro de minicontos “Curto e osso”, às 18h, e Gustavo Stephan, repórter fotográfico de “O Globo”, leva para Rio Novo 21 registros feitos em Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Piauí. Os trabalhos ficarão até o fim do mês na Casa de Leitura Cavaleiros da Cultura.
“Vamos ter mais de 36 autores lançando seus livros, o que mostra que a feira está ganhando credibilidade e tem tudo para se tornar um grande evento”, acredita Carlos Oscar, certo de que a missão que carrega há oito anos tem muitos frutos a colher. Incentivada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a Associação Cavaleiros da Cultura desenvolve projetos de incentivo à leitura voltados para crianças e adolescentes. Com as cavalgadas culturais, essa turma já percorreu quase 10 mil quilômetros e doou 650 mil livros. “Sempre brinco que a criança vem, pela primeira vez, à festa, por imposição dos pais. Ela se diverte, brinca, participa de oficinas e, no ano seguinte, pede para vir.”
Programação completa:
www.cavaleirosdacultura.org.br