Presídio feminino de JF recebe doação de camas para combater déficit causado por superlotação
Em conversa exclusiva com a Tribuna, juiz titular da Vara de Execuções Criminais da cidade, Evaldo Elias Penna Gavazza, informou que a transferência das camas deve acontecer até o final de abril

O Anexo Feminino Eliane Betti, que faz parte da Penitenciária José Edson Cavalieri (Pjec), localizada no Bairro Linhares, em Juiz de Fora, irá receber todas as camas do Núcleo Regional de Monitoração Eletrônica, antiga Casa do Albergado José de Alencar Rogêdo (Cajar), desativada desde 2023. A transferência de cerca de cem camas pretende suprir o deficit que tem forçado as detentas a dormirem no chão da unidade, em estado de superlotação. A informação foi dada pelo juiz de direito titular da Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, Evaldo Elias Penna Gavazza em entrevista exclusiva à Tribuna.
Estruturado para receber 180 detentas em regimes semiaberto e fechado, o Anexo Feminino conta, hoje, com mais de 270 – incluindo acauteladas de Juiz de Fora e redondezas, uma vez que o local se tornou porta de entrada para detentas de toda a região. O gargalo apresentado pela unidade deverá ser sanado até o final de abril, conforme garantiu Gavazza.
“A situação de vulnerabilidade da mulher fora do cárcere é refletida, também, dentro dos muros da prisão. A população feminina é discriminada. É o mínimo garantir uma cama para cada uma”, ressaltou o juiz, responsável por inspecionar mensalmente as penitenciárias da cidade.
Antes da criação da unidade, em 2018, as mulheres que eram encarceradas recebiam encaminhamento para um pavilhão na Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, também no Bairro Linhares. Gavazza relembra que, por meio de verba pecuniária, foi construído o Anexo Feminino Eliane Betti para comportar um número de detentas que já foi superado. As estruturas, no entanto, não acompanharam o crescimento da população carcerária.
Como medida emergencial, surgiu o projeto em conjunto com todos os diretores de unidades prisionais de Juiz de Fora. A intenção é que, com a articulação entre os gestores, seja possível minimizar o problema – que acaba, segundo ele, impactando as demais unidades. “O problema de um presidio afeta o outro”, observa Gavazza, acrescentando a importância desse dialogo. Ainda nessa direção de trabalho em conjunto, ele afirma que detentos de outras unidades devem ajudar os policiais penais na instalação das camas recebidas.
Procurada pela Tribuna, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) negou a falta de camas no Anexo Feminino Eliane Betti. Em nota, informou que as treliches doadas serão um aditivo para proporcionar “melhor acomodação às custodiadas”.
Falta de água e qualidade da alimentação afetam a unidade
No documento de inspeção, realizada no dia 18 de fevereiro no Anexo Feminino Eliane Betti, disponível para acesso público por meio do site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), consta, ainda, outra dificuldade enfrentada pelas mulheres encarceradas na unidade: a falta de água.
Segundo o ofício, foi apurado que “como ocorre em toda Juiz de Fora, o fornecimento de água não acontece 24 horas por dia, e durante as interrupções, a unidade possui um poço artesiano que supre o fornecimento e aciona o sistema de bombas. Entretanto, há um sensível hiato entre a detecção da falta de água e o acionamento do sistema de contingência, o que resulta na interrupção de fornecimento de água durante períodos alongados, fator muito prejudicial, no particular para custodiados do sexo feminino.”
Diante disso, a providência que foi solicitada no documento é de que a direção da PJEC faça um levantamento dos custos para a instalação de boia e bomba automáticas para resolver o problema.
Outro aspecto apontado como problemático é a qualidade da comida que, segundo o documento, abrange “todas as unidades prisionais da comarca”. Comidas azedas, frutas podres e transporte inadequado foram algumas das situações citadas. Em dezembro, a Tribuna de Minas noticiou as denúncias feitas por detentos aos familiares sobre as marmitas distribuídas no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional de Juiz de Fora (Ceresp).
A reportagem questionou a Sejusp sobre as questões apontadas no documento de inspeção, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Cesama
Em nota enviada à Tribuna, a Cesama repudiou tal declaração sobre a falta de água na cidade, que consta no ofício. “Essa alegação, colhida pelo jornal em documento de inspeção ao local, corresponde a uma absoluta uma inverdade”, afirma o texto.
A Cesama informou que o abastecimento de água no município ocorre de forma ininterrupta, ressalvadas as situações alheias ao controle da empresa, já previstas pela agência reguladora, que incluem falta de energia em unidades de produção ou elevatórias de água ou manutenções pontuais no sistema de distribuição, quando é necessário interromper o fornecimento, por determinado período, para os devidos reparos.
“No caso do Anexo Feminino Eliane Betti, que faz parte da Penitenciária José Edson Cavalieri, a Cesama disponibiliza, sempre que solicitada ou nas situações relatadas acima, o envio de caminhões pipa de forma prioritária para minimizar os impactos das interrupções do abastecimento, que são pontuais. Existe canal aberto com a companhia, inclusive com os responsáveis diretos pelos setores operacional e de abastecimento. Paralelamente a isso, há que se levar em consideração as questões internas e estruturais da unidade prisional, que não são de responsabilidade da Cesama. Por vezes, quando solicitada vistoria na penitenciária, ficou constatado que o desabastecimento era consequência de problema interno. Em levantamento nos últimos seis meses, houve cinco interrupções na elevatória de água responsável pelo abastecimento da referida unidade, em datas distintas e por período determinado, todas envolvendo reparos emergenciais em redes de água, algo inerente ao trabalho da Cesama.”
‘Situação reflete violência de gênero’
Segundo a presidente da comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Michelle Leal, é necessário que se reconheça no encarceramento feminino uma questão de gênero para além da justiça criminal. “A maneira como punimos as mulheres reflete o quanto ainda somos machistas em nossa estrutura social e jurídica.”
Ela acrescenta que a superlotação da unidade prisional está atrelada à falta da efetivação do princípio da inocência, pilar de uma sociedade democrática de direito. “Quase 60% das presas são oriundas de prisão provisória. Hoje, de acordo com o Relatório do CNJ, de fevereiro, são 162 presas que não têm condenação. As que estão em regime fechado ou semi aberto contabilizam somente 117 – minoria do total das 279 detentas do anexo”, analisa Michelle.
Para ela, a superlotação no sistema prisional feminino não pode ser examinada isoladamente, mas como parte de um processo e de um problema estrutural mais amplo, que envolve a seletividade do sistema penal, o machismo estrutural e a própria forma pela qual o judiciário trata as mulheres acusadas de cometer crimes.
Nesse sentido, para combater a superlotação aparece como alternativa a aplicação de medidas cautelares nos casos em que os crimes cometidos não tiveram violência. Outra possibilidade seria a substituição de prisão preventiva por domiciliar para gestantes, mães de crianças de até 12 anos e mulheres responsáveis por pessoas com deficiência, conforme já estabelecido para aquelas que se encaixam nos nos requisitos do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, do Supremo Tribunal Federal (STF).