Dona da voz dos outros


Por MAURO MORAIS

10/07/2016 às 07h00

Maíra Góes (ao centro com o peixe Dory) e muitos outros personagens de sucesso na TV e no cinema

Maíra Góes (ao centro com o peixe Dory) e muitos outros personagens de sucesso na TV e no cinema

Uma voz para muitas caras. Um dublador, segundo Maíra Góes, tem apenas uma voz. “Não faço vozes diferentes. É a minha voz que varia, como a de todo mundo, de acordo com a emoção e com a interpretação”, afirma. Sendo ela, dona da voz da “peixinha” Dory, de “Procurando Nemo” e, agora, de “Procurando Dory”, estou diante, então, da simpática personagem da Pixar/Disney. Certo?! “Agora, que estou falando com você mais no grave, não parece tanto. Mas, quando estou me apresentando: ‘Oi, tudo bem?! Por favor, você poderia me informar se a loja tal é por aqui mesmo?”, aí aparece a Dory”, responde. Não restam mais dúvidas.

É difícil falar o baleiês? “Bastante. Quando me pedem para fazer na rua, peço para ser o ‘Continue a nadar’, porque fico muito feia falando baleiês”, ri Maíra, a atriz a vestir o personagem, a juiz-forana que continuou a nadar até encontrar, nos mares do Rio de Janeiro, seu lugar. “Vim com 18 anos, fui fazer cursos. Trabalhei cinco anos fazendo ‘Violetas na janela’, com a Ana Rosa e logo no início estudei dublagem com o Hamilton Ricardo”, recorda-se.

“Devo metade à escola e metade aos meus pais pelo incentivo que me deram às artes. No João XXII (onde estudou do fundamental ao nível médio), ajudei a formar o primeiro grupo teatral. Com 12 anos já fazia teatro com Marcos Marinho, e depois com o Edgar Ribeiro. Quando concluí o segundo grau, sem saber se faria comunicação ou letras, meu pai, que é carioca mas não gosta do Rio de Janeiro, chama de Rio de Janeura, falou que não queria filha frustrada. Disse que era para eu seguir a carreira que queria”, lembra.

Juiz de Fora não restou no álbum de recordações, apenas. “Essa família dos melhores amigos da face da Terra, estão aí. Vou sempre, e eles vêm sempre”, diz Maíra, hoje distante dos palcos, mas com a voz na telinha e na telona. “Estou voltada para a produção, também dirijo dublagens e dublo para as empresas que quero. Não faço mais teatro, nem tenho vontade, no momento”, comenta a melhor atriz coadjuvante de 2004, por Dory, segundo o Prêmio Yamato, considerado o Oscar da dublagem nacional.

De Branca Silva Castro a Tigresa

Quando saiu de casa, Maíra Góes perseguia o holofote. Como resposta, ganhou uma rara oportunidade do amplificador. “Tive bastante sorte, porque fiz apenas um curso, o que não é o ideal. Na época, o SBT queria atores novos para suas novelas mexicanas. Tinha conseguido fazer cadastro no (estúdio) Herbert Richers e fui chamada para teste. Eram dez personagens, em duas ou três novelas mexicanas, e 30 dubladores disputando. Quem ganhasse seria contratado pelo Herbert Richers. Eu consegui. Depois de dois anos fui contratada pela VTI Rio. E ser contratada não exigia exclusividade, então eu conseguia fazer outros ‘freelas'”, lembra ela, que defende a escolha de atores profissionais para o trabalho no qual “não basta ser um bom ator”.

Pouco a pouco, Branca Silva Castro e Ivette Dórleac, personagens vividos por Maya Mishalska no México, abriram espaço para mulheres outras, como Sarah Fortune ou Miss Fortune, do jogo “League of legends”. E para a Abaddon, de “Supernatural”, para a Morgan, de “Sabrina, a aprendiz de feiticeira”, para a Tigresa da sequência e da série “Kung fu panda”. “É muito difícil entrar no mercado de dublagem, mas quando entra, quando os diretores querem seu trabalho, o negócio é ajustar a agenda. A vaidade com a imagem fica completamente afastada disso”, diz a dubladora. Ainda assim, “como existem muitos fãs de dublagem, principalmente na internet, já reconhecem um pouco mais a imagem do dublador”, pontua Maíra. “A voz, principalmente a da Dory, também já reconhecem na rua”, ri.

Keira Knightley, Mila Kunis e Liv Tyler

Aos 37 anos, mãe de Manuela, com pouco mais de um ano, Dory, oops, Maíra, é casada com Relâmpago McQueen, oops, Marcelo Garcia. Dublador de Mulligan, Zoa e Jebediah, de “Apenas um show”, do Flash, de “Liga da Justiça”, do Christian Grey, de “Cinquenta tons de cinza”, dentre outros, Marcelo divide com Maíra e mais um sócio o cotidiano do Beck Studios, no Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Em fase de ampliação, o lugar atende Globo, Globosat e outros importantes clientes nacionais e rendeu à filha do casal, o primeiro trabalho da vida. “Ela é a filha da minha personagem em ‘Arrow’. Ela cresceu dentro do estúdio. Quando completou um mês, já foi comigo. Eu amamentava dirigindo dublagem. Esse universo é muito íntimo para ela”, conta a mãe da menina.

Intérprete da Betty Ross, de Liv Tyler, em “O incrível Hulk”, Maíra também dá voz à Elizabeth Swann, personagem de Keira Knightley em “Piratas do Caribe”. “A Keira tem bastante entrada em Hollywood. Fiquei muito feliz em ser convidada. Ela já tinha assinado, inicialmente, para os três filmes da sequência, então sabia que teria muito trabalho. Agora comecei a dublar, também, a Mila Kunis”, conta a dubladora, em seu melhor momento. “Estou no lugar que almejei. Tenho minha própria empresa, dublo bons personagens, sou muito escalada por diretores. Quando vim de Juiz de Fora, foi isso que desejava para mim. Ralei muito e ainda ralo, mas conquistei esse sonho.”

Às voltas sem a memória recente

Qual o melhor trabalho? Sem pestanejar: Dory. “É minha referência, é o que mais gostei de ter feito. Quando eu soube que teria o filme, há cinco anos, esperei ansiosamente. Realmente ela deveria ser protagonista, porque é muito carismática”, derrete-se a intérprete, que foi chamada quase ao acaso para o papel. “Estava dublando outro trabalho, da Disney também, eu fazia a mãe do protagonista de ‘Planeta do tesouro’. Quando acabei, o representante da Disney do Brasil me disse que tinha um teaser que iria entrar no bônus do DVD do ‘Monstros S.A.’. Fiz como faço com todos os outros e sem saber o que seria. Era o teaser de ‘Procurando Nemo’, anunciando que dali a dois anos existiria o filme. Ele me disse que quando chegasse a produção, ele me chamaria para teste”, recorda-se.

Passados dois anos, o diretor lhe convidou para o teste. “Fiz com toda a minha alma, com toda a interpretação que eu tinha, com o melhor que tinha. O teste foi para Los Angeles, na sede da Disney, e dei a sorte de pegar o papel”, conta Maíra, que, lembrada de enviar suas fotos de divulgação para o jornal, tomou a voz de Dory e escreveu o e-mail: “Sofro de perda de memória recente!”.

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