‘Umbigo de Sarandira’ inaugura parceria Da Selva De Simone
Artistas visuais Washington da Selva e Matheus de Simone assinam em conjunto escultura pública no distrito de Juiz de Fora
Matheus de Simone, 26 anos, e Washington da Selva, 30, procuraram por alguns dias o umbigo de Sarandira. Se Sarandira fosse um corpo, certamente teria um umbigo. Ambos fizeram uma cartografia do distrito de cerca de cem quilômetros quadrados a partir de caminhadas. Depois, as crianças de Sarandira lhes ajudaram em oficinas de desenho a mapear onde ficaria o umbigo. Matheus e Washington, então, o localizaram atrás do Casarão de Sarandira, o único remanescente do núcleo urbano do distrito quando construído sob as premissas da arquitetura colonial. Ali, os artistas visuais radicados em Juiz de Fora instalaram, no último sábado (31), a escultura pública “Umbigo de Sarandira”. A peça é a primeira assinada em conjunto por Matheus e Washington como Da Selva De Simone.
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Cada um tem práticas artísticas e interesses de pesquisas, mas, vez ou outra, convergem. O “Umbigo de Sarandira”, por exemplo, foi idealizado a partir da associação de alguns elementos de interesse em comum, como a ioga. “A ioga é uma coisa que permeou a nossa relação enquanto namorados. Entre quatro e cinco anos atrás, começamos a praticar e, posteriormente, a fazer uma formação como professores de ioga”, afirma Washington. O “Umbigo” veio da ideia de plexo solar. “O plexo solar é a região um pouco mais acima do nosso umbigo, que é conhecida como o terceiro chakra. Quando temos um plexo solar ativo, temos vigor, presença e capacidade de enfrentar as demandas do dia a dia à altura”, explica Matheus.
A escultura pública de 3,5m de diâmetro materializada em aço carbono replica justamente a postura da roda na ioga. “A gente fica em quatro apoios (braços e pernas), como uma ponte, uma meia-lua, com o umbigo projeto pra cima. Então, a partir dessa postura, replicamos o arco nove vezes em pequenas pontes.” A escultura lembra propositalmente a flor de um girassol. “Uma flor amarela, que também é a cor do plexo solar”, pontua Matheus. “Essa é outra dimensão que trouxemos para a escultura, ou seja, a relação entre a ioga e as artes.” O girassol, inclusive, é uma das memórias afetivas familiares comuns tanto a Washington quanto a Matheus. “A minha mãe, por exemplo, é simplesmente fissurada em girassóis. Se der, ela se veste apenas de girassóis. A obsessão pela planta acabou contaminando um pouco esse fazer.”
Um girassol da cor do teu umbigo
Enquanto Matheus é natural de Cabo Frio (RJ), Washington é de Carmo do Paranaíba. “É uma região rural de Minas Gerais”, afirma ele. “Sempre perpassou por mim uma relação com o aprisionamento de animais dentro de gaiolas. A minha família, em uma época, teve alguns pássaros. Eles eram alimentados com sementes de girassol. Mas às vezes as sementes caíam para fora das gaiolas porque os pássaros as chutavam. Então, elas caíam na terra e davam a planta e a flor do girassol.” O ciclo dos girassóis da família de Washington, que começava a partir dos pássaros engaiolados e terminava com a flor, também inspirou o conceito do “Umbigo de Sarandira”.
Mas como uma espécie de contramovimento, pondera Matheus. “Como a gente traz a estrutura de uma gaiola metálica, por assim dizer, mas que convida as pessoas não ao aprisionamento, e, sim, ao engajamento? As pessoas vão estar atravessando a todo o momento o Umbigo de Sarandira com os seus próprios corpos.” A premissa da escultura pública é estimular a interação dos moradores de Sarandira com a paisagem do distrito, conforme Washington. “A pessoa, quando se relaciona com a escultura, se relaciona com a paisagem que está ao seu redor”, diz. “Já existia uma vontade e uma curiosidade pelo o que se conhece como land art, ou seja, ‘arte da paisagem’ ou ‘arte na terra’, que emerge como conceito nos anos 1960 e é uma relação entre a escultura e o espaço ao seu redor.”
Residência artística
Transportar a experiência da prática da ioga para o bem-estar físico e mental dos moradores de Sarandira sempre foi a preocupação dos artistas visuais, acrescenta Washington. “A gente acredita que, em uma relação em que exista uma floresta e uma paisagem, em que as pessoas estão minimamente engajadas coletivamente, a escultura encontra um lugar interessante para estabelecer esse tipo de relação.” E Sarandira dá a possibilidade de que esta relação seja distante de elementos urbanos, por exemplo, conforme acredita Matheus. “A escultura não faria sentido no Centro de Juiz de Fora, como o Parque Halfeld. Essa escultura está sendo um ponto de incidência de várias outras ações que realizamos durante a residência em Sarandira.”
Ambos ficaram no distrito entre 19 de julho e o último domingo (1º) para a “Residência artística Sarandira”, promovida pela Associação Carabina Cultural. O Umbigo de Sarandira foi contemplado pelo edital lançado pela Carabina, “Residência artística de esculturas públicas e arte na terra”, dentre 81 projetos inscritos. Além de Washington e Matheus, apenas os artistas Manu Neves e Ana Alves, residentes do Rio de Janeiro, foram selecionados. “A produtora da Carabina, Suzana Markus, tem o interesse em revitalizar o Casarão de Sarandira e criar outros espaços culturais para chamar a atenção para o distrito, para as necessidades desse lugar, que, inclusive, são muito básicas e deixadas de lado.”
Matheus ainda relembra o papel e a importância de Sarandira no início da formação de Juiz de Fora. “Para a gente ousar chamar essa escultura de umbigo, que de alguma maneira concentra as raízes de Sarandira e de um entorno, acho que vem também de uma vontade de colocar sob os holofotes questões que são caras não apenas a Sarandira e Juiz de Fora, mas também a uma realidade que está em perspectiva com o panorama político-nacional, em que estamos passando por um momento de queima de estátuas, de revisão de imagens e nomes de ruas que homenageiam a violência de determinados grupos sobre outros.”