‘Nunca abri mão de ser o que sou’, diz Djavan em entrevista
Djavan faz show em Juiz de Fora nesta sexta, 7, cantando novo disco, “Vesúvio”, no qual discute, com seu poema singular, política e vida
Todo caos, todo grito e todo escuro guardam consigo belezas. “O que dá pra fazer quando se perde o rumo?”, pergunta Djavan em “Vesúvio”, faixa que abre e dá nome ao disco recém-lançado, que ele traz a Juiz de Fora nesta sexta, 7, às 21h30, no Cine-Theatro Central. Ele mesmo responde, e para isso descreve o entardecer: “O sol cai no mar/ no mar, cai no mar/ e a onda é de ouro/ de ouro, de ouro”. Artista das belas imagens, Djavan constrói no novo trabalho outro horizonte. Constata que “a hora é imprópria pra sorrir” e aponta para “a vida soberana” em “Cedo ou tarde”. Defende a poesia, a música e a reconstrução. Canta, em “Dores gris”, que “o meu lugar / é aonde eu ainda não fui”. Com o DNA do cantor e compositor, o novo álbum atualiza o artista que em janeiro deste ano completou 70 anos, cerca de cinco décadas deles dedicadas à música.
Da extensa carreira, Djavan traz para o show de “Vesúvio” alguns de seus grandes sucessos, como “Eu te devoro”, “Flor de lis”, “Se…” e “Samurai”. Também canta, pela primeira vez, uma composição de 1993, que entrou no lendário álbum “O sorriso do gato de Alice”, de Gal Costa: “Nuvem negra”, dos versos “não adianta me ver sorrir, espelho meu / meu riso é seu/ e eu estou ilhada”. Porque nunca gravou essa canção? “Essa é uma pergunta que sempre me fiz”, responde o músico. “Fiz essa música, originalmente, para a Gal. Tem uma gravação que rola na internet com Chico (Buarque), Gal e eu, cantando só ao meu violão. É a única gravação que existe com minha participação. Achei que deveria cantar agora, no show, até porque muita gente vinha pedindo.”
Alagoano por registro e carioca por escolha, Djavan cultiva suas orquídeas em Petrópolis e faz de Juiz de Fora parada em sua rota. “De vez em quando vou aí passear, visitar a família”, diz ele, referindo-se aos parentes da esposa Rafaella Brunini, com quem teve os filhos Sofia e Inácio (ele também é pai de Flávia, João e Max). Dizendo-se otimista em relação ao Brasil, Djavan comenta o cenário político, fala sobre o surgimento de algumas canções e define, em entrevista à Tribuna, o verbo djavanear, criado pelo parceiro Caetano Veloso. “Nunca segui tendências”, garante. “Sou assim e vou continuar buscando isso a vida inteira.”
Tribuna – Qual o lugar de “Vesúvio” na sua trajetória?
Djavan – É um disco que busca a diversidade musical como sempre busquei e um disco novo para mim, que traz algumas novidades sonoras, com um texto que considero fruto de uma vivência contemporânea. Está nesse contexto tudo o que a gente vivenciou nos últimos dois anos, do ponto de vista da natureza, do amor, da relação humana, da política. É um disco de que gosto muito.
Algumas críticas apontam que o álbum vai além do pop, definido na apresentação do disco, com referências no soul e no jazz. Que pop é esse que dialoga com tantas outras formas?
Essa questão do pop nesse disco foi encarada por alguns jornalistas de maneira não muito a rigor pelo que falei. Eu disse que havia colocado um acento mais pop em algumas canções, sobretudo as políticas, porque queria que elas tivessem uma absorção mais fluída para as pessoas. O pop sempre foi um gênero que esteve e está na minha diversidade. A diversidade que me formou e me formatou traz também o pop além de todos os outros gêneros. O disco tem uma diversidade marcante e esse acento pop em duas ou três canções, não mais que isso.
Você é frequentemente apontado como um representante característico da MPB. Considera-se em artista popular?
O que a gente vê muito é que minha música sempre esteve ao alcance de vários grupos, tanto de músicos, como de pessoas que trabalham na noite e artistas de um modo geral. Ela sempre teve uma execução muito forte e cada dia mais adquire seguidores. Tem uma hashtag no Instagram, #djavan, que toda hora revela pessoas tocando minhas músicas, cantando, gravando, apresentando. São muitas as homenagens que recebo, pessoas que fazem shows usando só as minhas músicas. Tenho, graças a Deus, uma obra muito conhecida, que faz com que ela se renove a cada dia, e isso, para mim, é uma alegria.
O show “Vesúvio” começa com a canção “Viver é dever”, que, por sua vez, inicia com os versos “Tudo vai mal/ muito sal/ nada vai bem/ pra ninguém” e termina com “o melhor é viver”. Essa é uma reflexão política?
Eu quis fazer canções trazendo o tema político, o tema vigente mais do que em outras épocas no Brasil, como um testemunho da minha observação do cotidiano. Claro que falo, ali, do meu jeito, com a minha poesia, com a minha maneira de escrever, mas falo das coisas que acho que tinha que falar, para produzir uma reflexão qualquer. Isso tem se dado de uma maneira intensa. As pessoas se reportam a mim e falam, pela internet, o que também acham e o que pensam, se concordam ou não, numa discussão ampla e completamente livre, que todas as pessoas que me conhecem e me acompanham se propõem a ter. Era esse meu objetivo.
E como enxerga o Brasil de hoje?
Continuo sendo uma pessoa otimista. Mesmo falando das mazelas do mundo e do Brasil, eu mantenho meu otimismo com relação ao futuro. Acredito no povo. A minha preocupação nunca deixou de ser, e é exclusivamente, o povo. E o povo brasileiro entendeu que as transformações, as reformas que queremos e precisamos devem ser feitas de baixo para cima. É o povo que tem que produzir essas reformas. É o povo que tem que ir para as ruas dizer o que quer, o que necessita. E isso o povo tem feito cada vez mais. O Brasil não tinha essa tradição, pelo menos marcante até 2013. Dali para cá, o povo aprendeu que é ele que tem que conduzir essas transformações. Isso tem acontecido. E a minha alegria e a minha esperança vêm disso.
Em “Solitude” você canta “guerra vende armas/ mantém cargos / destrói sonhos / tudo de uma vez / sensatez / não tem vez”. Trata-se de uma defesa sua pelo desarmamento?
Esse é um posicionamento natural que sempre tive. Não acho que armas tenham sido inventadas para resolver trazer a paz em nenhum lugar do mundo. Isso é contrassenso. Acho que o que a gente precisa é do contrário: é o desarmamento que vai arrefecer essa ideia tão balística, tão violenta que está assolando o mundo hoje. Deveriam fazer uma campanha (para que as pessoas entendam que) quanto menos armas, melhor. Essa ideia (de armar as pessoas) é um grande equívoco.
“Orquídea” reúne nomes científicos e também um tanto de palavras poucos usuais no cotidiano, como é marca sua. De onde surgiu essa letra?
Quando fiz “Orquídea”, fiz para homenageá-la. Cultivo orquídea, que é uma flor delicadíssima, perfumada, linda, multicolorida. Esse cultivo é um ensinamento para outras coisas também. Quando quis fazer uma canção para as orquídeas, deveu-se, também, ao fato de elas terem todas nomes científicos em latim, cada um com uma música própria. Selecionei alguns, 15 ou 16, porque julguei um desafio interessante fazer uma melodia que conseguisse harmonizar todos esses nomes. Essa era a minha intenção.
E qual é o lugar da palavra na sua criação?
A escrita é uma faceta minha que trato com a mesma desenvoltura com que trato a música. Toco diferente, componho diferente, canto diferente e escrevo diferente, também. Na escrita a gente busca sempre estar trazendo novos contextos, novas formas, novos aprofundamentos, palavras novas. Esse é um desafio constante. A língua é uma coisa viva, diferente da música, que as notas musicais são estáticas. A palavra é um organismo vivo. E mexer com isso é desafiador. Escrever é uma tarefa realmente bastante estimulante. E eu estou sempre tentando ir aonde as palavras podem me levar, de maneira a me satisfazer com relação à sonoridade, à profundidade, à forma, aos contextos, à textura. A escrita tem um poder muito amplo de navegar.
Seria isso djavanear? Já conseguiu definir esse verbo criado por Caetano Veloso?
(Risos) Sempre tive, desde o início, reconhecidamente, uma maneira distinta de fazer as coisas. Já foi contestada algumas vezes e depois passou a ser absorvida de uma forma mais natural. Isso é uma coisa que me impulsiona a sempre dar vazão ao meu pensamento, à minha maneira de ser. Nunca abri mão de ser o que sou, de fazer como gosto, como quero. Nunca segui tendências. Sou assim e vou continuar buscando isso a vida inteira.
Em janeiro você completou 70 anos. Como essa idade ressoa em você?
A idade está muito ligada à saúde. Quando se tem saúde boa, não se sente a passagem do tempo. Ainda não estou sentindo. Por exemplo, faço um show de duas horas ou mais e não paro um só segundo no palco. E saio do palco tranquilo, muito bem, sem cansaço. Acho que a idade, para mim, tem trazido só benefícios. Graças a Deus! A idade não tem me preocupado.
DJAVAN
Nesta sexta, 7, às 21h30, no Cine-Theatro Central (Praça João Pessoa s/n – Centro)