Órfãos da irreverência

Há duas décadas era um sábado e, por muito pouco, uma aeronave Learjet LSD não pousou no Aeroporto de Guarulhos. A poucos minutos do pouso, o avião caiu na Serra da Cantareira, em São Paulo, e com ele levou cinco rapazes dos quais crianças, adultos e idosos não se cansavam de falar. No domingo do dia seguinte, que poderia ter sido mais um dos muitos domingos em que os Mamonas Assassinas eram onipresentes na TV, os garotos não saíram das telinhas, mas acompanhados de uma tristeza exposta na comoção nacional. Como um cometa, eles surgiram, tornaram-se amplamente conhecidos, e desapareceram. Mas não restaram em esquecimentos. Suas letras bem-humoradas (e escrachadas!), com um toque de sacanagem e pitadas de ironia, são lembradas até hoje. Em Juiz de Fora, um projeto de lei batizou quatro ruas com os nomes dos integrantes que se apresentaram na cidade, num histórico show realizado no campo do Tupynambás em 1995, repleto de chuva e de lama.
Dias depois da tragédia, o então vereador juiz-forano Paulo Rogério dos Santos, falecido em 2008, protocolou na Câmara Municipal um ofício que daria origem, mais tarde, à Lei Nº 8.878, sancionada em 18 de junho do mesmo 1996, estabelecendo que vias do município ganhariam o nome de quatro dos cinco Mamonas. Na justificativa, o parlamentar destacou que tratava-se de uma “homenagem singela do Poder Legislativo Municipal de Juiz de Fora ao grupo Mamonas Assassinas, que em pouco espaço de tempo empolgou parcela expressiva das crianças e da juventude brasileira”. O que não se sabe, até hoje, são os motivos que levaram um dos integrantes, o baterista Sérgio Reolli, a ficar de fora da homenagem.
No Bairro Nossa Senhora de Fátima, na Cidade Alta, estão localizadas as quatro vias que homenageiam o vocalista Alecsander Alves, o Dinho, o tecladista Júlio Rasec, o baixista Samuel Reoli e o guitarrista Bento Hinoto. Próximos à UFJF, os endereços são familiares para alguns e completamente desconhecidos por outros. Vinte anos, nesse caso, é tempo o bastante para que uma nova geração não saiba dos Mamonas. Mas, também, é um prazo muito curto para que saia das lembranças de quem viu o quinteto com suas fantasias e gestos irreverentes.
O vigia Antônio Ricardo Macedo Lima, 48 anos, conta que lembra com detalhes do dia da tragédia. “Acompanhei todo o resgate do acidente pela TV. Fiquei muito triste. Tenho o CD deles e até hoje escuto”, diz ele, que apresentou as músicas para a filha de atuais 21 anos. “Ela adora. Acho que se eles estivessem vivos, continuariam a fazer sucesso”, comenta o morador da rua em homenagem ao japonês do grupo. A autônoma Thalyta Peres, 28, moradora da mesma via, ainda lamenta as prematuras perdas. “Eu era muito apaixonada pelo Dinho. Até hoje assisto coisas do Mamonas pela internet, sou muito fã.”
Há pouco menos de três meses de o grupo embarcar em Brasília e não mais desembarcar, interrompendo uma carreira promissora, que incluiria, na agenda, uma turnê por Portugal, os músicos se apresentaram em Juiz de Fora. Eles estavam no auge, onde sempre estiveram desde que ganharam fama. Foram apenas seis meses de carreira, mas mais de 1,8 milhão de discos vendidos, o que fez deles um dos maiores fenômenos da música pop nacional.
‘Woodkstock tupiniquim em JF’

Juiz de Fora, dia 13 de dezembro de 1995. Muitos aguardavam ansiosos pela data, quando aconteceu uma das edições do projeto “Front in Concert”, no campo do Tupynambás. Naquela noite, quase madrugada, crianças, adolescentes e adultos deliraram com a performance carismática do grupo Mamonas Assassinas. Além dos sucessos do único disco, eles dividiram espaço com a chuva que fez do campo um lamaçal. Sabrina Thuler Ferreira, administradora de empresas, tinha 15 anos na época e o show marcou sobremaneira sua adolescência.
“Tinha comprado uma roupa novinha para ir e ela ficou cheia de lama. Nenhum taxista queria levar ninguém em casa por causa da sujeira. Eu e minha amiga voltamos a pé para casa, na maior alegria”, relembra ela. “Quando cheguei em casa tomei uma bronca enorme da minha mãe. Para entrar em casa tive que tomar um banho de mangueira. A minha roupa, que era novinha, foi direto para o lixo”, conta. “Hoje sinto-me feliz por ter participado e por ter vivido nesta época.”
Para o músico e editor da Tribuna Wendell Guiducci, o show é, também, uma feliz recordação. “Tínhamos muita ansiedade para ver os Mamonas ao vivo”, conta ele, que também tocava as composições do grupo. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade e, nas festas, lembro de tocar muito Mamonas, pois eram músicas bem simples”, comenta. Para ele, o país não chegou nem perto de outro fenômeno musical comparado aos Mamonas. “Eles foram tão competentes em fazer uma música bem-humorada e causar empatia que, mesmo hoje, com essa patrulha ideológica, com as pessoas implicando e emitindo opinião sobre tudo, eles seriam bem aceitos. O que eles faziam era espontâneo, não tinha maldade”, analisa o vocalista do Martiataka.
Leonardo Costa, fotógrafo da Tribuna, recorda-se de uma plateia repleta de crianças, que se encantavam com aquele som que era, sobretudo, roqueiro. “Mais do que a irreverência, o que mais me chamava atenção neles era o rock, aquele som pesado. Fui ao show para ver o Bento Hinoto na guitarra”, diz. Já o fotógrafo Aelson Amaral foi a trabalho, contratado pela produção do show para registrar os Mamonas na cidade. “A interação deles com o público, na minha opinião, era o grande trunfo”, relembra. Em tempos em que a fotografia ainda não era tão popular, os cliques de Aelson tornaram-se históricos. “Gastei de três a quatro filmes fotográficos, mais ou menos umas 120 fotos. Hoje, o mínimo de fotos que se tira de um show são 500”, ri.
Logo quando o show começou, recorda-se Aelson, uma chuva fina caía sobre a cidade e aos poucos foi aumentando. “O campo ficou encharcado, e a grama ficou cheia de buracos. As pessoas se jogavam na lama, e os Mamonas, vendo aquilo tudo, começaram a incentivar. Era praticamente um Woodkstock tupiniquim em Juiz de Fora.”