Mortes violentas recuam
Cento e trinta e uma pessoas perderam a vida de forma violenta em Juiz de Fora no ano de 2015. O número, dez vítimas a menos, é cerca de 7% menor na comparação ao registrado em 2014, quando houve 141 homicídios, conforme levantamento da Tribuna, que leva em conta também os óbitos ocorridos posteriormente aos crimes. Embora a estatística ainda seja elevada, para um município considerado pacato há uma década, este é o primeiro recuo em cinco anos, período em que a cidade viu explodir os assassinatos. O ápice do crescimento aconteceu entre os anos de 2011 e 2012, quando houve aumento das ocorrências, saltando de 52 para 99 casos.
Com suas características de interior cada vez mais apenas na lembrança dos habitantes, a cidade ultrapassou 500 mortes violentas em cinco anos, atingindo a triste média de uma centena de homicídios a cada 360 dias: foram 562 assassinatos desde 2011. Apesar do recuo percebido este ano, para especialistas, ainda é cedo para pensar em uma tendência de queda. Como o índice está estabilizado em um patamar alto, a situação requer preocupação e mais investimentos do Poder Público em ações preventivas, para que a cidade volte às taxas registradas há dez anos, quando eram contabilizadas cerca de 30 mortes anuais.
Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFJF, Paulo Fraga pondera que precisaria de mais dois anos com os números em declínio, a fim de que fosse confirmada tendência de baixa. “Para que possamos falar em diminuição real, é preciso um período maior, com aprofundamento de análise”, avalia o professor.
Para o pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da USP, Leandro Piquet Carneiro, uma queda de 7% é importante para que se comece a refletir o que foi feito de políticas públicas na área de segurança. “São Paulo, por exemplo, virou a curva entre 1999, 2000, 2001, 2002, quando os homicídios começaram a decrescer. Isso demonstra que houve aumento de investigação, mudança de distribuição de policiamento e eficiência no sistema de justiça criminal.”
O pesquisador argumenta que, embora Juiz de Fora apresente queda pequena, a mesma precisa ser monitorada a fim de que suas causas sejam relacionadas a políticas públicas. “O que a polícia, a Justiça e o Ministério Público fizeram de diferente? Se a resposta não conseguir mostrar a diferença, provavelmente este declínio não será observado no próximo ano. Mas se for o contrário, outra queda nos números estará a caminho.”
Apuração de inquéritos
A Polícia Civil divulgou que atingiu 75% de apuração dos inquéritos relativos a homicídios. “A redução é significativa, tendo em vista que (os assassinatos) vinham em um crescente. É o primeiro passo para que haja uma reação em cadeia. Havia homicidas contumazes, que foram presos”, reflete o delegado Luciano Vidal, que esteve à frente da Delegacia Regional entre abril e dezembro. O delegado de Homicídios, Rodrigo Rolli, acredita que a redução se deva ao elevado número de prisões e à celeridade na resolução dos casos. “Esta queda é um grande avanço, estamos dando uma resposta à sociedade.”
Para o assessor de comunicação da 4ª Região da PM, major Marcellus de Castro Machado, dois fatores podem ter contribuído para a queda: o levantamento de dados realizado pelas companhias para traçar ações e a participação da população. “Este trabalho visa a localização das ocorrências de brigas, de ameaças, de lesões corporais, monitorando possíveis vítimas e autores. Assim, empregamos operações de desarmamento, de presença e batida policial, procurando retirar armas das ruas. Temos ainda a Patrulha de Prevenção a Violência Doméstica, que faz abordagens e acompanha o histórico de violência entre casais.” O recuo nos homicídios também foi percebido nos dados oficiais da PM, que registrou 106 assassinatos em 2015 (até dia 28) e 117 no ano passado.
Zona Norte na liderança de casos
O mapeamento realizado pela Tribuna, ao longo do ano, apontou que a Zona Norte continua como a região com maior número de homicídios. Dos 131 registrados em 2015, 40 ocorreram na região, que é a maior da cidade com cerca de 150 mil habitantes divididos em mais de 70 bairros. As zonas Sudeste e Leste vêm em seguida, com 29 e 28 assassinatos respectivamente.
No que tange à faixa etária das vítimas, a maioria tinha idade entre 25 e 65 anos. Ao todo, foram 64 pessoas assassinadas dentro desta faixa. Em 2014, este número acumulou 65 vítimas. O que chama a atenção em 2015 é o registro de mortes de adolescentes, até 17 anos, que aumentou em comparação ao ano passado. Enquanto oito adolescentes foram assassinados em 2014, o número subiu para 14 agora.
Para o delegado Luciano Vidal, o envolvimento de adolescentes como vítimas e praticantes de crimes é uma realidade em todo o Brasil. “É por isso que tem que haver uma conexão muito grande com a Vara da Infância. Precisamos retirar de circulação esses menores no mínimo prazo possível. Principalmente os (infratores) contumazes, que são cooptados por autores maiores de idade para praticar esses crimes, justamente por conta do regime diferenciado previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente”, destaca Vidal.
Execuções
Ainda dentro da reflexão a respeito das mortes violentas, o professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFJF, Paulo Fraga, reflete sobre a incidência de casos de execução na cidade, que demonstra a íntima relação das vítimas com a criminalidade. “Houve registro de homicídio cuja causa não está ligada a roubos ou motivos banais, mas sim a execução de pessoas em via pública e com diversos tiros. É preciso que estas características sejam levadas em conta no momento em que forem traçadas estratégias de combate e prevenção”, ressalta, acrescentando, inclusive, que as mulheres têm aumentado sua participação no tráfico de drogas. “Todavia, isso ainda não está refletido no número de vítimas fatais da violência na cidade. Talvez devido à maneira como as mulheres colocam-se neste universo, mantendo-se afastadas das disputas.”
Este ano, oito mulheres foram assassinadas. A maioria das mortes foi provocada por razões sem relação com a criminalidade, como o caso de Monalisa Fraga Gualberto, 17 anos, vítima de homicídio, no Bom Jardim, Zona Leste. O crime ocorreu, em setembro, depois de uma briga entre a vítima e uma vizinha, 16, por conta de espaço em um varal de roupas.
Maioria das mortes em decorrência do uso de arma de fogo
As armas de fogo aparecem como o meio que levou à morte 101 das 131 vítimas de homicídio no município. Muitas vezes, elas foram usadas em acertos de contas e disputas territoriais no universo do tráfico de drogas. Recentemente, pistolas de uso restrito às forças de segurança pública foram apreendidas nas mãos de adolescentes. Para o delegado Luciano Vidal, as apreensões de armamentos potentes causa preocupação. “Armas de uso restrito estão sendo utilizadas, já houve apreensão de (pistolas) 9mm, 380 e armas longas. Sobre calibre mais grosso não temos notícia aqui, e isso é bom.”
O policial lembra que o recolhimento de armas não previne só os assassinatos, mas crimes em geral, principalmente roubos. “Juiz de Fora é uma cidade muita estratégica, próxima ao Rio de Janeiro, e polo da Zona da Mata, sendo o quarto município em população de Minas Gerais. Não basta a atuação das polícias Civil e Militar. Tem que haver trabalho da Polícia Federal nas áreas fronteiriças do Brasil, porque as armas entram de todos os lados. As drogas em Juiz de Fora estavam vindo do Paraguai. Arma também não é diferente. Tem que haver também o controle do armamento por parte do Exército. É uma ação conjunta de todos os órgãos, tendo em vista que mais de 90% dos homicídios são praticados com armas de fogo. Ou seja, uma das ações indiretas de se combater homicídio é retirar as armas de fogo de circulação.”
Na visão do delegado, o incremento da equipe da Delegacia Especializada de Homicídios surtiu impacto na diminuição dos assassinatos, aliado ao trabalho de inteligência e de pronta resposta, com o deslocamento de investigadores ao local do crime assim que ele ocorre. Ele acredita que punir os infratores é um dos caminhos para evitar as mortes. “Discordo um pouco que prevenir homicídio é difícil. Podemos minimizar a possibilidade. E, quando acontecer, temos que apurar”, enfatiza Vidal, acrescentando que 79 suspeitos de envolvimento em homicídios e tentativas de assassinato foram presos e 18 adolescentes acautelados mediante trabalhos de investigação da Polícia Civil nos últimos oito meses.