Aposentado espera quase dois anos para receber benefício
Apesar de ter o direito reconhecido em 2019, INSS ainda não efetuou o pagamento e Wagton segue na ativa arrecadando para a Previdência
Organizados sobre a mesa estão os documentos da vida profissional de Wagton Macedo, 60 anos. O trabalho começou cedo, ainda na infância, engraxando sapatos. O primeiro emprego com carteira assinada veio aos 18 e, desde então, ele guarda todos os comprovantes originais. Os cuidados com a conservação dos registros foram motivados pela experiência do pai que, no passado, enfrentou muita burocracia para conseguir se aposentar. Mas apesar da cautela, Wagton também vive dificuldades para exercer o mesmo direito. Já aposentado, aguarda há quase dois anos para receber o benefício.
O pedido de requerimento da aposentadoria por tempo de contribuição foi feito em novembro de 2017. Em janeiro do ano seguinte, ele recebeu uma carta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) informando que o período trabalhado não seria suficiente para se aposentar. “Entrei com recurso, pois sabia que estava tudo certo com os documentos e que se tratava de uma falha na análise.”
A decisão foi favorável a Wagton, mas o INSS a contestou. “Novamente, entrei com recurso e reapresentei os mesmos documentos. As decisões sempre foram unânimes a favor da concessão do benefício.” O reconhecimento definitivo do direito à aposentadoria aconteceu no dia 5 de setembro de 2019, quando o Conselho de Recursos da Previdência Social determinou que Wagton preenchia as exigências para se aposentar.
“Ainda assim, o INSS levou a decisão para a Seção de Reconhecimento de Direitos”, relata. Mais uma vez, o veredito foi favorável ao trabalhador. “No dia 3 de outubro de 2019 foi informado que não cabia mais recurso por parte do INSS, que deveria dar prosseguimento à concessão do benefício.”
De lá para cá se passaram quase dois anos, mas Wagton ainda não recebeu o dinheiro. “A informação é para acompanhar o processo pela internet. Não tem mais nenhuma orientação, além de aguardar.”
Sem acesso ao benefício, ele segue trabalhando e arrecadando para a Previdência. “Agora são 38 anos de contribuição”, destaca. Mesmo integrando o grupo de risco da Covid-19, ele conta que não parou nenhum dia. “Não tenho previsão de receber a aposentadoria, então, preciso trabalhar.”
“Esperança é o que me move”
Durante o período de espera, Wagton recorreu a outras tentativas para ter acesso ao benefício. “Busquei orientação de diferentes advogados, que confirmaram que a documentação está correta. Um deles me disse que é inexplicável a situação, pois já viu casos em que há demora para o reconhecimento, mas não para o pagamento depois do direito reconhecido.” A princípio, ele descartou a alternativa de judicializar o caso. “Cheguei a pesquisar, mas os valores são altos e não há garantia de que o pagamento será imediato.”
Em abril deste ano, Wagton entrou em contato com a Ouvidoria do INSS. “O retorno veio no dia seguinte ao meu contato, o que me surpreendeu. Mas foi uma resposta padrão.” A informação recebida foi que “o processo se encontra numa fila criada para dar transparência e agilidade nas análises processuais”.
Ele também acionou o Conselho de Recursos da Previdência Social, que integra o Ministério da Economia, denunciando o descumprimento da decisão por parte do INSS. “A resposta também foi padrão”, diz mostrando o documento impresso. O texto diz apenas “enviado ao órgão competente”, sem detalhar o destinatário da denúncia.
Na semana passada, Wagton buscou a Defensoria Pública da União. “Estou esgotando todas as possibilidades. É muito desgastante e humilhante passar por tudo isso”, emociona-se. “Eu tenho o cuidado de guardar toda a documentação. É tudo original, sem rasura. Trabalhei a vida inteira honestamente. É muito frustrante passar por isso.”
Apesar de todo entrave, ele acredita que o direito será reconhecido na prática. “A esperança é o que me move. É isso que me dá forças para seguir, para continuar trabalhando porque essa sensação de injustiça abala muito a gente.”
INSS diz que concessão encontra-se em “fase de cumprimento”
Procurada pela Tribuna, a assessoria de imprensa do INSS informou que o processo de concessão do benefício de Wagton “encontra-se em fase de cumprimento”. Em nota, afirmou que “o segurado deve acompanhar o andamento do seu processo pelos canais remotos: Central 135 e MEU INSS – aplicativo de celular e portal na internet (www.gov.br/meuinss)”.
A assessoria não respondeu o que motiva a morosidade para o pagamento do benefício e não informou se esse tipo de situação tem sido recorrente. A reportagem também solicitou orientações para quem pretende dar entrada no requerimento da aposentadoria, mas não foi respondida.
A Tribuna também entrou em contato com a assessoria do Ministério da Economia. O retorno recebido foi de que a demanda seria encaminhada, mas, até o fechamento desta edição, não foi dada resposta.
Dificuldade de acesso aos benefícios leva casos à Justiça
O acesso aos benefícios do INSS tornou-se mais difícil. Só no ano passado, mais de 4,6 milhões de solicitações foram negadas no Brasil. O número corresponde a quase metade (47,8%) do total de 9,3 milhões de solicitações feitas no período. Os dados são do Boletim Estatístico da Previdência Social. Com isso, muitos casos têm sido levados à Justiça.
Embora não sejam disponibilizados números locais, a situação também é observada em Juiz de Fora, conforme explica a advogada previdenciária e membro da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), Suelen Cassab. “Existe uma diretriz para a não concessão de benefícios e uma bagunça generalizada do sistema. A situação piorou muito, e o acesso está muito mais difícil. Por isso, aumentou a procura pela judicialização.”
No caso específico das aposentadorias, ela relata que apenas as solicitações por idade têm fluído melhor, mesmo assim, com prazo acima do normal. “A resposta da análise deveria ser dada em até 90 dias, mas há casos em que a espera chega a seis meses.”
Com relação aos outros tipos de aposentadoria, a especialista destaca diferentes problemas. “Na por contribuição, por exemplo, é necessário lançar as informações no sistema, que tem apresentado falhas recorrentes. Há casos em que o segurado não recebe o benefício por conta da desorganização nesses lançamentos.”
De acordo com a especialista, também há uma resistência do INSS em conceder o benefício. “Existe uma orientação de questionar os pedidos que não são referentes à aposentadoria por idade e de, sempre que possível, não aposentar o trabalhador.”
Neste sentido, as aposentadorias por invalidez têm sido um grande gargalo. “Os casos de doenças psicológicas são os mais negados. Há pessoas com depressão severa, que fazem tratamento de mais de dez anos com medicação controlada, que precisam de acompanhante para comparecer à perícia e têm o benefício negado.”
Ela relembra o caso de uma cliente que faleceu este ano, enquanto aguardava a análise da aposentadoria por invalidez. “Ela fez o pedido em 2019 e não teve o problema de saúde, do qual veio a falecer, reconhecido como uma incapacidade de laborar.”
Último recurso
Diante do aumento das negativas e da morosidade das análises, mais pessoas têm acionado à Justiça. “Não há garantias de que a resposta será rápida, mas a judicialização provoca o INSS a concluir o processo administrativo. Quando as pendências são ocasionadas por isso, pode ser que o caso se resolva nessa etapa.”
No entanto, ela explica que a judicialização não deve ser o primeiro caminho. “O ideal é organizar toda a documentação. No caso de laudos de saúde, é preciso que sejam claros e contenham todas as informações necessárias. Se for necessário, é preciso buscar a orientação de um profissional sério e atualizado sobre o assunto. A Justiça é o último recurso.”