Alunos questionam critérios de verificação de fraudes nas cotas
Questionamentos têm relação com comissão de sindicância formada pela instituição e com falta de divulgação de parâmetros básicos para ingresso por meio da política afirmativa
Alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e movimentos sociais que atuam dentro da instituição questionam os critérios utilizados na verificação de possíveis fraudes no sistema de cotas da universidade. No início deste ano, a UFJF recebeu 92 denúncias sobre alunos que teriam ingressado por meio das cotas, sem que realmente pertencessem ao público contemplado pela política afirmativa. Desde então, uma comissão de sindicância foi instaurada para apurar os casos. No total, 17 queixas foram consideradas procedentes e estão sendo apuradas.
No entanto, apesar de ter anunciado os critérios utilizados na verificação das denúncias, baseados em teorias sociológicas e antropológicas, como o fenótipo (características físicas), ascendência direta e narrativas sobre suas vivências, a universidade ainda é questionada sobre as ferramentas utilizadas, inclusive, por alunos cujos ingressos estão passando pela verificação.
“É muito interessante que a UFJF leve essas denúncias adiante. É dever da instituição apurar essas queixas, mas entendo que a falta de regulamentação das cotas é uma complicação. No caso específico da Federal, o que era utilizado até então era a autodeclaração, na qual o candidato afirma que se enquadra naquela cota. Por isso, os critérios deveriam ser incluídos nos editais de seleção, para que os candidatos se inscrevessem já conscientes sobre os parâmetros”, defende o advogado Caio Tirapani, que representa dois casos dos 17 suspeitos de fraude. Ele questiona, por exemplo, quais seriam as características fenotípicas levadas em consideração na avaliação de estudantes pardos.
Para o advogado, é preciso que os editais de ingresso na universidade enumerem quais critérios devem ser levados em conta para que os alunos ingressem por meio da política afirmativa. “Somos completamente a favor das cotas e, quanto mais debatermos esse tema, mais estaremos próximos de critérios que ajudem na diminuição prática da discriminação e na garantia de acesso à universidade pública pelos setores da população que são o alvo desse sistema, desde que esses parâmetros sejam bem descritos no edital, para que todos os candidatos conheçam as regras que regulamentam esse processo seletivo.”
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Outros questionamentos
A falta de representatividade de estudantes e movimentos sociais – já que a comissão de sindicância é composta por três docentes e dois técnicos-administrativos em educação (TAEs) – também é questionada. A presidência da comissão foi dada ao diretor de Ações Afirmativas, Julvan Moreira, que é pesquisador da temática étnico-racial, mas, atualmente, não há discentes que participam da comissão.
Outro ponto é que, embora tenha sinalizado que a matrícula dos estudantes em 2019 já contaria com uma banca de verificação, com critérios que ainda serão definidos e publicizados, a UFJF ainda não teria confirmado a formação de uma comissão permanente, conforme a diretora executiva de Combate às Opressões do Diretório Central de Estudantes (DCE), Ana Emília Carvalho. “Acreditamos que nosso papel, agora, é o de pressionar a universidade a montar esse grupo o mais rápido possível. Mas o problema é que temos uma dificuldade muito grande em conseguir uma agenda com a Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) e para acompanhar os processos de sindicância já abertos.”
De acordo com ela, os critérios foram comentados, mas não detalhados, o que poderia ser feito caso a comissão permanente já estivesse definida. “O DCE não sabe como todo esse trâmite está sendo discutido. Não tivemos a possibilidade de colocar um membro como representante da comunidade estudantil, nem dos movimentos sociais, isso é muito sério. Estamos procurando os responsáveis da Administração Superior responsáveis pela composição da comissão para reivindicar esse espaço.”
Ainda conforme Ana Emília, seria necessário estender o diálogo aos alunos ingressantes. “Esperamos que, de alguma forma, a grande visibilidade que essas denúncias tomaram ajude a diminuir o número de fraudes. Mas isso é uma esperança. Mais alunos estão atentos e perderam o medo de fazer a denúncia, porém, precisamos avançar. Por isso, pensamos que é preciso explicar a esses novos universitários o que significa a política de cotas.”
UFJF afirma que casos continuam em investigação
Quando anunciou o número de casos em apuração – 92 queixas no total -, a UFJF explicou que a comissão de sindicância foi formada por meio da Portaria 307. Ao final dessa etapa, foi divulgado que 12 dos alunos denunciados ainda estavam em filas de espera para ingresso no segundo semestre, oito não chegaram a confirmar a matrícula e três cancelaram o registro assim que foram notificados pela comissão formada para verificar o quadro.
Os outros 68 alunos foram ouvidos pela universidade, junto com suas testemunhas. Deste grupo, 51 foram reconhecidos como pardos, ocupando, de maneira legítima, as vagas destinadas ao sistema de cotas, e 17 denúncias foram consideradas procedentes. Essas pessoas foram submetidas a Processos Administrativo Disciplinares (PAD).
A Tribuna entrou em contato com a UFJF para levar os questionamentos apontados. Em nota, a instituição respondeu apenas que os 17 casos considerados procedentes permanecem sob investigação. “Para resguardar o amplo direito de defesa dos estudantes investigados, a UFJF só irá se pronunciar sobre o assunto após a conclusão dos processos administrativos”, diz a nota enviada à Tribuna.