Delegada deve responsabilizar mãe e outros familiares por omissão em caso de estupro
Violência sexual praticada pelo pai contra a filha de 16 anos teria sido contada pela jovem a parentes, que, no entanto, não tomaram providências
A mãe da adolescente que denunciou ter sido vítima de violência sexual durante os dez anos em que esteve morando debaixo do mesmo teto que o pai prestou depoimento nesta terça-feira (21). Em seu relato à delegada Ione Barbosa, a mulher, 41 anos, diz ter desconfiado dos abusos e, inclusive, teria relatado o fato ao Conselho Tutelar. Os estupros teriam sido contados pela garota a alguns familiares paternos, no entanto, nenhum deles teria acreditado nos fatos. Esta atitude, de acordo com Ione, contribuiu para que o ciclo de violência sexual continuasse. Diante disso, tanto a mãe quanto outros integrantes da família, poderão responder pelo crime de estupro por omissão, uma vez que, pelo fato de não denunciarem e nem procurarem ajuda, eram coniventes com o crime. Ainda nesta semana, a irmã gêmea da menina e o irmão mais velho 17, irão ser ouvidos. A Polícia Civil investiga também a possibilidade de ambos terem sido abusados pelo homem, de 40 anos.
O último estupro ocorreu na manhã de domingo (19), mesmo dia em que o homem foi preso em flagrante pela Polícia Militar na casa onde morava com os três filhos, na região Nordeste. Um inquérito foi instaurado pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e, no prazo de dez dias, contados a partir de segunda, deverá ser remetido à Justiça com pedido de transformação da prisão em preventiva, para que o suspeito fique detido até o final do processo. Desde domingo, ele está no Ceresp. O homem deverá ser indiciado por ameaça e estupro de vulnerável, em continuidade delitiva, uma vez que, desde os 6 anos, a adolescente estaria sendo violentada.
Relatos conflitantes
Na manhã desta terça, a mãe da vítima disse na delegacia que havia saído de casa após uma desavença familiar e que os filhos já estavam grandes, mas que mantinha contato com eles. Entretanto, a garota afirma que a mulher abandonou o lar quando ela tinha apenas 10 meses de vida e que não mantinha qualquer tipo de contato. No ano passado, a adolescente relatou ter ido morar com a mãe em Muriaé, após o falecimento da avó. A menina passou uma temporada com a idosa que estava em tratamento médico no Rio de Janeiro. Mas com a morte da avó, no ano passado, ela voltou a ter contato com a mãe. Juntas, elas teriam ficado apenas duas semanas. “Em janeiro de 2017, ela relatou sobre os abusos aos familiares paternos e foi morar com eles no Rio de Janeiro. A mulher alega que, após a morte da avó, a adolescente é que não quis ficar em Muriaé. Já a filha conta que a mãe ligou para o pai ir buscá-la, apesar das suspeitas dos constantes abusos”, relatou Ione, acrescentando que a mãe afirmou que o ex-companheiro “olhava a filha como mulher”.
Conforme o registro policial, os estupros ocorriam no banheiro e também no quarto do homem sempre com as portas trancadas e com o volume máximo da televisão e do rádio, a fim de não levantar suspeitas sobre o crime. “Ela era obrigada a praticar todo tipo de relação com o homem, inclusive sexo oral desde os 6 anos”. Ainda nesta semana, a delegada irá oficiar o Conselho Tutelar para saber, de fato, se a mãe havia denunciado o crime cometido pelo ex-companheiro. Os parentes que residem no Rio de Janeiro também serão intimados e deverão prestar depoimento nos próximos dias. A reportagem fez contato com o Conselho Tutelar Centro-Norte, que acompanha o caso, mas, por telefone, foi informada que nada seria dito a respeito.
Lembrete do anticoncepcional
Os crimes que teriam sido cometidos pelo homem durante dez anos foram interrompidos no domingo após duas amigas da filha, ambas de 16 anos, procurarem ajuda. A PM chegou até o suspeito horas depois de ele ter estuprado a filha e só chegou ao conhecimentos dos militares após a manicure de uma policial comentar sobre o ocorrido. A vítima ainda disse ter medo do homem, e o último episódio violento havia ocorrido no quarto do pai, logo após ela sair do banho. Na ocasião, ele a esperou na cama e a segurou pelo braço dizendo: “está na hora de fazer”, consumando o ato sexual. “A filha da manicure contou a ela o que a amiga vivenciava com o pai. Ao saber que a mulher era militar, ela confidenciou os fatos e repassou ao marido, também policial. Nós fomos à casa desta amiga da vítima, e lá ela contou com riqueza de detalhes como aconteciam os estupros. Disse também que a menina tinha medo, pois a família teria virado as costas pra ela e, portanto, estava sem alternativa. Naquele momento, nos vimos impotentes por não existir materialidade para a prisão do autor”, afirmou o subtenente.
Como o pai mantinha constante monitoramento do celular da filha, ela não conseguia pedir ajuda e conversar com as pessoas sobre o que sofria, principalmente devido às ameaças de morte. Porém, ela e as amigas criaram um código para conversar sem que o suspeito desconfiasse das confissões.Todas as vezes que a vítima era estuprada, mandava uma mensagem escrito “oi…”. Uma hora mais tarde, a menina enviou mensagem com o código a outra amiga, que decidiu procurar a polícia. “Ela mandou um print com o escrito e, então, fomos até o trabalho da mãe desta garota, melhor amiga da vítima, pedir apoio. Ela já tinha conhecimentos dos fatos e, com a ajuda de um policial à paisana, nos acompanhou até a casa da adolescente.
Chegando lá, a menina chamou a amiga e tentou fazer com que ela contasse sobre os estupros. Diante da confirmação, adentramos no imóvel e realizados a captura do homem. Ele estava deitado, assistindo a um filme. Inicialmente negou cometer abusos sexuais contra a filha. Porém, após ser informado que a menina seria levada a uma unidade de saúde para comprovar a conjunção carnal, ele confessou. O filho mais velho estava em casa no momento da prisão. Ele teria ficado assustado, mas foi amparado por policiais militares. Já a irmã gêmea da vítima estava na casa da atual namorada do homem. “O pai ainda me entregou a cartela de anticoncepcional, dizendo que controlava a medicação da filha e a obrigava a tomar diariamente”. A partir dos 11 anos, começaram as relações sexuais, sempre sem preservativo, conforme apontou a apuração. De acordo com o subtenente Marcos Oliveira, tudo o que a garota fazia no celular era monitorado pelo pai através do aparelho dele. “Ele tomava conta de tudo e havia hackeado o telefone dela. Por isso, ela e as amigas criaram o código.” O telefone foi apreendido e, no domingo e na segunda-feira, sempre às 20h, um lembrete apitou no telefone do homem com a seguinte mensagem “remédio” acompanhada do nome da filha. O aparelho será periciado, assim como outros objetos apreendidos na casa dele.
Frieza chama atenção da PM
Em 23 anos como policial, o subtenente Marcos Oliveira relata que essa foi a ocorrência que mais chamou sua atenção pela frieza com a qual um pai relata os estupros cometidos contra a própria filha. Em seu relato, ele disse que a menina nunca havia reclamado dos abusos e que dava dinheiro a ela em troca dos favores sexuais. Os valores, segundo a PM, seriam provenientes da pensão deixada pela avó dos adolescentes, que seria em torno de R$ 3 mil. A quantia era administrada por ele, uma vez que os filhos têm menos de 18 anos. “Ele não informou que valor dava a ela, apenas disse que a quantia seria como um bônus por cada relação sexual”, pontuou o militar. Ainda segundo ele, chamou atenção o fato de a jovem ser a única dos filhos que podia tomar banho no quarto do pai, assim como aconteceu no último domingo, quando ela foi abusada após sair do banho. “Após a prisão dele, a menina me deu um abraço e emocionada disse muito obrigada. Isso para mim não tem preço”, contou.
A garota ficará sob a responsabilidade da família da amiga, responsável pela denúncia e quem auxiliou o trabalho da PM, pelos próximos 60 dias.