Relatos de quem faz a dose contra a Covid-19 chegar aos braços dos juiz-foranos
Vacinadores têm rotina desgastante, mas manifestações de carinho e agradecimento, além de satisfação pelo trabalho, dão ânimo novo aos profissionais
Pode não parecer, mas já se vão quase oito meses do início da campanha de vacinação contra a Covid-19 em Juiz de Fora – e mais de 640 mil doses de imunizantes aplicadas na cidade até a última sexta-feira (17). De janeiro pra cá, apesar das mais diferentes condições, centenas de profissionais se desdobram para garantir, diariamente, que a vacina chegue até o braço de milhares de juiz-foranos. O trabalho não é novo para os trabalhadores da saúde que atuam na ponta, afinal, há décadas o Plano Nacional de Imunizações (PNI), que garante a aplicação de vacinas de rotina no país, inspira respeito internacional entre especialistas em saúde pública. As circunstâncias, entretanto, são totalmente novas. Na mais urgente e desafiadora campanha de vacinação do país, a rotina dos profissionais de saúde que aplicam os imunizantes contra a doença tem sido exaustiva, seja pelo volume de trabalho, pela repetição diária de ações e agilidade necessária ao processo. Por outro lado, talvez a relevância da imunização e do ofício desta categoria nunca esteve tão evidenciada no Brasil quanto nestes últimos meses.
Ao largo de toda a cadeia de trabalhadores essenciais para a logística da campanha de imunização, são os vacinadores os efetivos responsáveis para que a vacina chegue ao nosso braço. Entre a aspiração e aplicação de cada dose, muitos relatos foram ouvidos por eles. Histórias de dor, saudade, emoção, esperança, revolta e atos de protestos são algumas das que eles puderam ouvir ao longo de meses de trabalho. Neste 19 de setembro, data que marca o aniversário do Sistema Único de Saúde (SUS), a Tribuna traz a reportagem “Quem Vacina”, com depoimentos de pessoas que há anos, ou até mesmo décadas, trabalham pela saúde pública do país e cujo ofício, em 2021, foi vital para a população juiz-forana. O dia corresponde à promulgação da Lei 8.080/1990, que regulamentou, em todo o território nacional, as ações e os serviços de saúde. Entretanto, ainda em 1988, a Constituição Federal estabeleceu como dever do Estado a garantia de saúde a toda a população brasileira, consolidando a criação do SUS.
‘Esperança como combustível’
Coordenadora do Setor de Imunização da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Marcilene Costa Chaves acompanha a campanha de vacinação contra a Covid-19 desde o primeiro dia. Foi ela a responsável pela aplicação das primeiras doses no município, em 20 de janeiro, e segue, desde então, vivenciando o dia a dia da imunização nos postos da cidade, assim como os cerca de 400 trabalhadores que atuam diretamente neste processo. Na avaliação dela, por meio da aplicação das doses, os profissionais vacinadores levam esperanças para as pessoas e, por isso, vivenciam tantos momentos emocionates e recebem agradecimentos da maioria dos vacinados. “Isso é que nos move, o que nos alimenta, saber que o que muda a história do mundo é a vacinação, levada pelo profissional de saúde da ponta”, relata.
Conforme ela, apesar de a vacina ser algo inserido na atenção primária e de os profissionais “tirarem de letra” esse processo, a atual campanha é sem precedentes, ocorrendo praticamente todos os dias há meses. Essa rotina, segundo Marcilene, gera desgaste na categoria, que tem dado “o seu máximo” para fazer avançar a vacinação no município.
A enfermeira Abigail Martins de Mattos, 50, também reconhece a esperança como o sentimento que a motiva a trabalhar na campanha de vacinação. Já aposentada, ela optou por voltar a atuar na área da saúde na pandemia. Quando conversou com a Tribuna, Abigail coordenava a equipe de imunização que atuava no Círculo Militar. “A gente distribui gotinhas de esperança. Muitos chegam emocionados na fila. Escutamos relatos de pessoas que perderam entes que não tiveram a oportunidade de se vacinar. Nesse momento, a gente percebe que está distribuindo um pouco de esperança para as pessoas e também para nós, porque cada dia é uma história diferente.”
A exemplo de Abigail, a técnica de enfermagem aposentada Ângela Maria Fernandes Almeida, 61, também abriu mão da possibilidade de ficar em casa para contribuir com o avanço da vacinação na cidade. “Eu me coloquei à disposição do serviço público nessa campanha, porque estava querendo empregar meu tempo em algo útil”, revela. Além disso, Ângela perdeu os pais, vítimas da Covid-19, no início de 2021, fato que, segundo ela, também a motivou a querer trabalhar em prol da saúde pública. “O que me motiva é o sentimento de empatia e amor ao próximo, ver as pessoas não perderem mais seus entes queridos e familiares. Eu entendo perfeitamente quando alguém chega emocionado e me relata que perdeu alguém da família com a doença, a emoção que sente a pessoa ao receber essa dose. A emoção de aplicar é muito grande, as pessoas chegam emocionadas, choram, querem fazer fotos, sentem gratificados.”
Dose de emoção
Há 25 anos trabalhando na área da saúde, o técnico de enfermagem Júlio César Apolinário Cruz, 53, não esconde a emoção ao falar do privilégio que sente em trabalhar na imunização contra a Covid-19. “Me sinto privilegiado”, revela. Além de aplicar doses aos sábado no Pam-Marechal, Júlio também ajudou na organização das filas e orientação dos usuários no Círculo Militar. “Ver essa fila reduzindo é o que me deixa emocionado. Estamos cansados, mas o cansaço faz parte do trabalho. Enquanto não estiverem todos imunizados não vamos descansar. A gente está aqui de coração mesmo, disponibilidade total para ver a população de Juiz de Fora toda vacinada.” Apesar das décadas de trabalho, Júlio confessa que ainda se comove com gestos de carinho e reconhecimento das pessoas. Embora haja pessoas irritadiças e até desrespeitosas, a maioria é carinhosa e agradecida, algumas até ofertam agrados materiais para a equipe.
Para a técnica de enfermagem Eliana Marta Batista Carvalho, 58 anos, sendo 35 deles atuando na área da saúde, a emoção foi ainda maior quando ela vacinou a mãe, as irmãs, o cunhado e os primos contra a Covid-19. “Senti um alívio e tanto ao ver que tinha chegado a hora deles e ver que estão todos vivos.” Ela se diz muito feliz em poder atuar na campanha de combate ao coronavírus. “Agradeço a Deus por cada pessoas que passa pelas minhas mãos. Para mim, é uma emoção muito grande.”
Vínculo com usuários
Além dos profissionais do Setor de Imunização da PJF, conforme a coordenadora Marcilene Costa Chaves, servidores da Atenção Primária têm sido fundamentais no processo desde o início da campanha. Inicialmente, segundo Marcilene, estes grupos se juntaram ao Setor de Epidemiologia para atuação nos hospitais e, posteriormente, continuaram com a vacinação nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
A subsecretária de Atenção Primária da PJF, Joana D’arc da Costa, destaca a importância da ampliação da vacinação contra a Covid-19 para as UBSs do município. “A UBS tem a capacidade de universalizar o acesso (aos serviços de saúde) o mais próximo do usuário. É importante que a vacina seja disponibilizada também nas UBSs para que a pessoa tenha esse acesso o mais próximo da sua residência”, explica citando que essa estratégia contribui para que o cidadão tenha mais facilidade em buscar pela sua dose e para o avanço da imunização na cidade.
Na avaliação dela, apesar de em alguns momentos a população não entender o trabalho destes profissionais de saúde, a dedicação e o desempenho da categoria têm sido “muito grande”. “Nós, profissionais de saúde, quando escolhemos essa área, normalmente temos esse olhar de cuidado para o outro. E quando o profissional traz isso dentro da sua formação, nós viramos noites, fazemos esforços… Vivemos uma campanha sanitária que nunca imaginamos. Somente com muito amor à saúde pública e dedicação ao outro é que nós estamos conseguindo vencer esses dias.”
A enfermeira Priscila Sanches Aquino de Oliveira, 35, coordena a sala de vacinas da UBS Santa Cecília. Antes de iniciar o trabalho na unidade, ela atuou na Secretaria de Saúde e participou da elaboração de protocolos de combate à pandemia, da organização de procedimentos e do fluxo de atendimentos a pacientes. No entanto, é na unidade de saúde que Priscila fortalece diretamente o vínculo com os usuários, principalmente após acompanhar de perto o enfrentamento de alguns contra a Covid-19. Um dos fatos marcantes, para ela, envolveu um idoso de 70 anos que precisou ser internado por conta da doença. Ele conseguiu se recuperar e ser vacinado na UBS.
“Aqui na UBS, maioria das pessoas a gente já conhece, e cada um tem a sua história. Há um vínculo muito importante, uma confiança… Tem profissional aqui que trabalha desde quando a unidade abriu, então, há essa relação próxima com os usuários”, destaca. Para ela, a motivação para o trabalho diário também vem dos efeitos do avanço da vacinação contra a doença. “É algo fantástico trabalhar na vacinação contra a Covid-19. Saber que estamos protegendo as pessoas de adoecerem. Com tantas pessoas que perdemos no município, no Brasil e até no mundo, saber que a vacina tem feito diferença é uma emoção muito grande.”
Além dos servidores municipais, a parceria da Prefeitura com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) proporcionou a ampliação da imunização por meio do Drive-thru no campus aos sábados e viabilizou que parte do processo ocorra no Restaurante Universitário do Centro.
Desde o início
Gilson Mateus Soares, 47, é técnico de enfermagem e supervisor da UBS Santa Cecília. Ele atua na campanha de vacinação contra a Covid-19, aplicando os imunizantes, desde o início, quando a Prefeitura imunizou profissionais de saúde em hospitais. “Quando a vacina chegou para nós, no início do ano, nos prontificamos para atuar nessa equipe de vacinação em hospitais. Ficamos à disposição, conjugando nosso trabalho na UBS e na vacinação (dos profissionais de saúde). Eu sinto muita alegria em participar desse processo e fico muito grato com o avanço da Ciência, da vacina ter chegado até nós”, comemora.
Com otimismo, o trabalho, para ele, se torna mais leve. Na unidade, o processo de imunização é feito de forma cuidadosa. Há profissionais para triagem dos pacientes, conferência de documentos, preenchimento do cadastro manual e digital. Só depois deste processo, o paciente é convocado para receber o imunizante na sala de vacinas. Para que as doses estejam prontas para serem aplicadas, no entanto, é preciso todo o trabalho de uma equipe da Saúde para levar e buscar, todos os dias, as vacinas nas UBSs e nos demais postos de vacinação. Conforme destacam os profissionais entrevistados, para a vacinação ter início às 8h para o usuário, é necessário toda uma logística, conferência e adequação de temperaturas.
“É uma alegria muito grande poder participar. A imunização contempla autonomia para a pessoa, desde que tenha os devidos cuidados. Ajuda a proteger esse mal que está nos cerceando das nossas liberdades. Vacina boa é vacina no braço, e a gente poder ajudar nesse processo é uma maravilha. Essa vacina vem nos ajudar a enfrentar um cenário com mais positividade, mais saúde para todos. E, tomando os devidos cuidados, vamos vencer essa batalha.”
Tópicos: coronavírus / vacina