Celular nas escolas: saiba o que muda em Juiz de Fora na volta às aulas
Professores, mães e estudantes contam como estão se adaptando às novas regras
Crianças e adolescentes estão retomando, como de costume, as aulas em fevereiro. Dessa vez, com uma nova regra que pretende mudar seus hábitos: o uso de celulares, tablets, relógios inteligentes e demais aparelhos digitais está proibido dentro das instituições. A partir de agora, a utilização será permitida somente para desenvolvimento de atividades pedagógicas com orientação dos professores.
A Lei 15.100/2025, sancionada no último mês pelo Governo Federal, passa a valer a partir do início do ano letivo nas escolas públicas e privadas do país e busca envolver pais, responsáveis, professores, direção escolar e psicólogos no diálogo com os estudantes sobre o uso de aparelhos eletrônicos e sobre questões de saúde, principalmente, a mental. Apesar da proibição, a lei não estipula nenhuma penalidade para as escolas que não adotarem a medida, ou para os alunos que descumprirem as regras.
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Município aposta no diálogo
Em Juiz de Fora, a Prefeitura (PJF) informou que a Secretaria de Educação enviou recomendação às escolas municipais da cidade para que os alunos sejam orientados a guardar o celular na mochila durante o horário e que o amplo diálogo seja mantido na comunidade escolar.
Em nota, a Administração ainda acrescenta que o Ministério da Educação (MEC) lançou um Guia de Orientações sobre o tema e ofertou cursos de formação na plataforma on-line do órgão. “O MEC trabalhou no mês de janeiro com subsídios para os gestores e professores. Neste mês de fevereiro, o foco será nas famílias e, em março, a prioridade estará no envolvimento dos estudantes, com propostas de campanhas, oficinas pedagógicas e atividades educativas.”
Escolas estaduais
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) enviou às escolas estaduais orientações parecidas: o uso de celulares está proibido em salas de aulas, intervalos e recreios.
Alunos dos primeiros anos do ensino fundamental não podem levar os dispositivos para a escola, enquanto aqueles dos anos finais e do ensino médio só poderão usar para fins pedagógicos com o auxílio dos professores.
De acordo com o secretário de Estado de Educação, Igor de Alvarenga, as recomendações visam “garantir que nossos estudantes tenham um ambiente propício à concentração, convivência e acesso a práticas pedagógicas que realmente impactem sua formação”.
Instituições particulares
Quanto às escolas particulares, Anna Gilda Dianin, vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino na Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe), contou que a orientação, primeiramente, é regulamentar a aplicação de medidas pedagógicas-educativas, e somente após a persistência do aluno em usar o celular na escola deve ser tomada uma medida disciplinar. O sindicato também recomenda que as escolas não disponibilizem espaços para guardar os aparelhos dos alunos, deixando esse controle sob a responsabilidade de crianças e adolescentes.
Na Escola Integra, instituição particular de Juiz de Fora, os estudantes serão proibidos de usar os dispositivos durante as aulas, recreio, intervalo, entrada e saída. Conforme a diretora pedagógica da escola, Bruna Martins de Oliveira, só será permitido o uso para atividades pedagógicas, acessibilidade e inclusão de estudantes com deficiência e questões de saúde.
Professores e familiares também receberam orientações sobre a utilização em ambiente escolar e os alunos ganharam uma cartilha com diretrizes sobre a norma. A instituição de ensino também criou o Projeto Guardião Digital, desenvolvido pelo pesquisador Fernando Lino, com o objetivo de capacitar os jovens a ter melhor relação com o mundo digital.
No Colégio Academia, também em Juiz de Fora, a recomendação para pais e responsáveis é que os alunos não tragam celulares e aparelhos eletrônicos para a escola. Caso seja necessário, devem mantê-los desligados e guardados durante o período escolar, incluindo aulas, intervalos e outras atividades. O colégio também alertou que não se responsabilizará por guardar qualquer dispositivo levado pelos alunos ou por possíveis perdas ou danos.
Por que proibir celulares?
As discussões e consequências do uso excessivo do celular têm ganhado destaque na mídia nos últimos anos. Entre os problemas causados aos jovens, incluem-se dificuldades de aprendizado, desmotivação, desatenção, aumento de ansiedade, depressão, isolamento, falta de socialização e sedentarismo.
“A lei é benéfica por trazer ao debate a questão do modo de relação e regulação dos estudantes com as redes sociais, frente aos desafios enfrentados pelos educadores e aos índices de sofrimento mental identificados nas pesquisas científicas que embasaram a consolidação desse projeto”, afirma Fernanda Queiroz, psicóloga e professora do UniAcademia com experiência no atendimento de crianças, adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade social.
Por isso, ela acredita que o problema está no modo de uso do celular e das redes sociais, e que o foco deve ser a construção de novas formas de relação com esses dispositivos e meios digitais, além de uma discussão que envolva responsáveis parentais, educacionais e governamentais.
A psicóloga acredita que a moderação do uso pode contribuir para a melhora do aprendizado, uma vez que o processo de aprendizagem exige investimento da atenção, foco, tempo e interesse. Como explica, os efeitos da medida poderão ser observados gradativamente, a partir disso novas estratégias serão tomadas, visto que há outros problemas que dificultam o ensino e aprendizado.
Professores são a favor da nova lei
“Nós, professores, já lutamos diariamente contra as distrações na sala de aula, o celular é uma delas. Já que não encontramos um meio termo, sou a favor da proibição”, afirma Patrícia Martins, de 31 anos, mãe de dois filhos e professora da rede municipal de Juiz de Fora. De acordo com a professora, o uso excessivo do aparelho tem atrapalhado o rendimento escolar, dispersando a atenção dos alunos, mas quando usado para fortalecer o ensino, pode ser vantajoso.
Maria Lucia da Fonseca, de 42 anos, pedagoga e professora da educação especial na rede de ensino municipal e estadual da cidade, explica que o uso do celular nas escolas já era proibido, a diferença é que agora os educadores contam com uma lei que os respalda. “O uso contínuo do celular em sala de aula traz vários danos ao aprendizado dos alunos, que ficam mais ansiosos, dispersos e não têm nenhum interesse pelo que o professor está ensinando.”
Segundo a pedagoga, que também defende o uso de celulares e tablets para trabalhos pedagógicos sob orientação, os professores são instruídos pelas equipes de gestão das escolas a dialogarem com os alunos, juntamente com as famílias, sobre o uso de aparelhos durante as aulas. A partir de agora, como disse, o trabalho de conscientização sobre o uso inadequado dos aparelhos será maior.
O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Alexandre Cadilhe, acredita que o acesso a textos, vídeos, áudios, apontam para diferentes letramentos que podem colaborar com o aprendizado. “Contudo, quando não há esse comprometimento por parte de estudantes ou uma metodologia de trabalho que favoreça esses letramentos, um dos efeitos é a dispersão para outras práticas digitais que se afastam do compromisso escolar.”
Como explica Cadilhe, as novas regras buscam promover mais envolvimento dos estudantes com as tarefas e a vivência próxima aos colegas de escola. Estudantes, pais, responsáveis, docentes e a direção devem participar da discussão sobre o assunto. “É fundamental um processo de sensibilização dos pais e responsáveis, que garantem o acesso às ferramentas digitais, mas nem sempre cumprem o papel de educar para seu uso adequado nos momentos de lazer. Os responsáveis precisam saber o que os filhos acessam, como acessam, o que fazem com esses conteúdos e com quem interagem. E isso, sem dúvida, dá trabalho”, diz.
Em casa: o que mães e estudantes pensam
“O uso do celular, além de atrapalhar a concentração durante as aulas, rouba um tempo precioso de socialização. Garantir esse tempo longe das telas vai proporcionar uma vivência enriquecedora para as crianças e para os adolescentes”, afirma Pilar Medeiros, de 33 anos, estudante de Nutrição e mãe de Tom Medeiros, de 11 anos, que está indo para o 7º ano do ensino fundamental em uma escola privada.
Pilar está satisfeita com a proibição e acredita que o uso excessivo se tornou um problema para a geração do seu filho. Tom tem um celular próprio, com uso controlado e restrito; os pais não permitem que o jovem leve o aparelho para a escola. Onde estuda é fornecido um chromebook, um modelo de laptop menor, para cada aluno com o objetivo de auxiliar em atividades pedagógicas dentro da sala de aula e em casa.
Em diálogo, Fernanda Halfeld, de 37 anos, bancária, permitia que a filha, Júlia Halfeld, de 14 anos, levasse o celular para escola e recomendava que, durante as aulas, o aparelho fosse mantido desligado dentro da mochila ou em uma caixa que ficava na mesa do professor, as mesmas orientações da escola. No entanto, conforme contou a mãe, a adolescente afirmou que “a tentativa de controle não funcionava”, pois, mesmo com as regras, os alunos continuavam a usar o celular durante as aulas
“Como acompanho o debate sobre esse assunto há algum tempo através das redes sociais de pesquisadores, psicólogos, hebiatras e pediatras, sei que nos países e escolas em que já vigora a proibição, os estudantes se beneficiaram tanto no sentido da melhora do aprendizado quanto na socialização”, diz Fernanda.
O celular já vinha sendo utilizado no desenvolvimento de algumas atividades educativas dentro da sala de aula. Como Fernanda usa um aplicativo para controle parental do celular da filha, que regula o tempo de uso e o acesso a aplicativos, muitas vezes a jovem a telefonava pedindo liberação para uso pedagógico.
“Eu também já usei o celular durante a aula”, conta Julia, “não enquanto o professor estava explicando, mas quando já tinha terminado uma atividade”. A estudante disse que a nova regra pode ajudar no foco e no aprendizado, mas defende a permissão para levar o celular e guardá-lo durante a aula, pois, como lembra, alguns colegas que moram longe da escola precisam se comunicar com os pais.
Neste ano, Júlia começa em uma nova escola para cursar o 1º ano do ensino médio e, pensando na adaptação nesse início, quando ainda não fez muitos amigos, criou uma estratégia: durante os intervalos, sem o celular, ela vai ler um livro, escrever ou fazer as tarefas da escola
‘Lei não soluciona todos os problemas’
Lacyvia de Oliveira, 15 anos, estudante do 2° ano do ensino médio de uma escola estadual na Zona Norte da cidade, acredita que “a proibição do uso do celular na escola vá resolver um pouco os problemas de foco, mas não do jeito que o Governo e a escola querem”. De acordo com ela, mesmo sem o celular, os alunos ainda podem procurar outro meio de distração, como desenhar, colorir, conversar, dormir ou jogar jogos durante a aula.
Breno Meireles, estudante de Letras na UFJF e corretor de redação em uma instituição de ensino privada, vê a busca da proteção da saúde mental de crianças e adolescentes como algo importante, mas que esta não é a grande solução para os problemas de educação. “Sabemos bem que o problema da educação brasileira não é ‘uma crise, e sim um projeto’, como nos mostra Darcy Ribeiro. Um projeto em prol de tornar a educação do Brasil de baixa qualidade mesmo”, diz.
O estudante também vê como problema a ausência dos jovens nas discussões que formaram esta lei, que afeta, principalmente, a eles. Como relembra, muitos desses adolescentes foram atravessados pela pandemia e aprenderam a se relacionar de forma virtual. “Ressalta-se tanto o horror da geração ‘cibernética’, mas se esquece do inevitável: não há fuga disso. No fim, me pergunto: após o sinal da saída, o que eles farão com seus celulares? O que irão dizer seus pais e responsáveis sobre isso? Haverá uma educação multidisciplinar, ou o professor terá de lidar com toda a transferência inescapável da sala de aula?”