Escorpiões: Juiz de Fora tem quase 500 acidentes desde 2020
Bairros da região Leste concentram mais casos. Hospital de Pronto Socorro é referência em atendimento e possui soro antiescorpiônico
Juiz de Fora registrou 495 acidentes com escorpiões entre 2020 e 2025, média de 82 casos por ano, segundo a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Os números chamam atenção e colocam em evidência o risco de acidentes no município, especialmente em bairros da região Leste. No Brasil, há 182 espécies identificadas, distribuídas em diferentes biomas. Na Zona da Mata, três delas são encontradas: Tityus serrulatus (escorpião-amarelo), Tityus bahiensis (escorpião-marrom) e Tityus stigmurus, sendo as duas primeiras as mais comuns na região.
Entre os registros em Juiz de Fora, o Bairro Linhares concentrou 48 ocorrências. Em seguida aparecem Santa Rita, com 45 casos; Retiro, com 26; Santa Cruz, com 24; Cidade do Sol e JK, ambos com 17; Parque das Águas, com 15; e Bonfim, com 12.
O biólogo Breno Moreira Mottan, doutor em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais e diretor do Jardim Botânico da UFJF, explica que, em Juiz de Fora, as espécies mais perigosas são o escorpião-amarelo e o escorpião-marrom.

O risco dessas espécies está associado ao veneno neurotóxico, capaz de provocar complicações graves, especialmente em crianças e idosos. Outro fator é a rápida expansão do escorpião-amarelo, que se reproduz por partenogênese, sem necessidade de parceiro. “O Tityus serrulatus e o Tityus bahiensis apresentam maior atividade reprodutiva e deslocamento nos meses quentes e chuvosos, quando há mais presas e abrigo. Nesse período, é comum o aumento dos acidentes com humanos”, explica.
O que fazer em caso de picada de escorpião

A picada pode provocar desde dor local intensa até sintomas sistêmicos graves, como sudorese, vômitos, taquicardia, hipertensão ou choque. Por ser neurotóxico, o veneno interfere na transmissão neuromuscular e, em casos graves, pode levar à insuficiência respiratória e morte. “Crianças, idosos e indivíduos com comorbidades cardiovasculares ou respiratórias constituem os grupos mais vulneráveis. Nesses casos, a evolução clínica é mais rápida e exige atendimento médico imediato com possibilidade de uso de soro antiescorpiônico”, explica Breno.
De acordo com a Cartilha de Dicas Preventivas em relação a animais peçonhentos do Corpo de Bombeiros, a recomendação é procurar atendimento médico imediato e relatar as características do animal ao profissional de saúde. O documento também alerta para que não se faça torniquete, cortes ou aplicação de substâncias no local da picada, já que os cuidados devem ser conduzidos por profissionais de saúde.
Em Juiz de Fora, o Hospital de Pronto Socorro Dr. Mozart Teixeira (HPS) é referência regional e o único a disponibilizar o soro antiescorpiônico. Segundo a Prefeitura, não há risco de desabastecimento. O atendimento deve ser buscado o mais rápido possível, preferencialmente na primeira hora após a picada, para reduzir complicações.
Atuação do Corpo de Bombeiros
Mesmo com o número elevado de registros, o Corpo de Bombeiros é pouco acionado em ocorrências com vítimas de ataque de escorpiões. “É muito raro acontecer de alguém ligar para o Corpo de Bombeiros para poder fazer a captura desse tipo de animal. O número de ocorrências nos últimos cinco anos fica próximo de dez, isso incluindo outros animais como aranhas e abelhas”, afirma o tenente João Victor, do 4º Batalhão do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).
O tenente reforça que a corporação deve ser chamada sempre que houver risco à população ou quando o animal estiver dentro de uma residência. Ele recomenda que nunca se tente capturar ou matar o escorpião. “Se a pessoa estiver em segurança e tiver tranquilidade, pode colocar um balde por cima do escorpião até a chegada do Corpo de Bombeiros. Isso evita que ele fuja e se esconda em locais de difícil acesso, como atrás de móveis e cortinas. Mas, se não houver segurança para agir, o ideal é apenas acompanhar o animal visualmente até que a equipe chegue”, orienta.
Prevenção e sazonalidade

A prevenção é a principal forma de enfrentamento aos escorpiões, reduzindo o risco de acidentes e a necessidade de capturas. Embora esses animais sejam encontrados durante todo o ano em áreas urbanas, eles ficam mais ativos entre outubro e março, meses mais quentes e chuvosos e em que há maior disponibilidade de presas e abrigos, o que aumenta a ocorrência de acidentes.
Segundo o biólogo Breno Moreira Mottan, os escorpiões costumam se esconder em locais escuros, úmidos e de difícil acesso, como frestas em muros, entulhos, madeiras empilhadas e redes de esgoto. Esses espaços oferecem proteção contra predadores e variações climáticas, favorecendo a sobrevivência da espécie. Nas áreas urbanas, o acúmulo de resíduos sólidos e a precariedade do saneamento criam condições ideais para a instalação desses animais, com oferta constante de alimento, principalmente baratas, o que mantém populações elevadas.
A Cartilha de Dicas Preventivas do Corpo de Bombeiros orienta que pessoas em áreas de risco, como florestas, trilhas, locais com acúmulo de lixo, além de trabalhadores de limpeza e jardinagem, utilizem equipamentos de proteção individual (EPI). Entre as medidas recomendadas estão:

- Examinar calçados, roupas pessoais, de cama e banho, antes de usá-los;
- Evitar pendurar roupas fora de armários e afastar as camas das paredes;
- Não deixar que lençóis ou cobertores sobre camas e berços encostem no chão;
- Vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos, forros e rodapés;
- Usar calçados, preferencialmente de cano alto, nas atividades rurais e de jardinagem;
- Usar luvas grossas ao manipular folhas secas, lixo, lenha e entulho;
- Não acumular entulho e materiais de construção;
- Sempre realizar a manutenção e limpeza de ambientes como quintais e jardins;
- Evitar colocar as mãos em buracos sob pedras e em troncos podres.
Controle de escorpiões
O controle de escorpiões apresenta desafios e limitações, segundo o professor Breno Moreira Mottan. O método químico é considerado pouco eficaz, já que os inseticidas convencionais têm baixa penetração nos abrigos e podem dispersar os animais, aumentando o risco de acidentes. Em alguns casos, são utilizadas pulverizações com outras substâncias, mas o procedimento exige manejo técnico rigoroso para evitar impactos ambientais.
Como alternativa, pesquisas recentes têm avaliado o controle biológico, que busca estimular predadores naturais como aves, anfíbios, pequenos mamíferos, aranhas e até mesmo fungos e parasitas específicos. Nesse contexto, a presença de galinhas pode auxiliar, já que consomem artrópodes do solo, incluindo escorpiões, embora o efeito seja apenas complementar. Outros animais, como sapos, lagartos, ouriços-cacheiros, seriemas e corujas, também desempenham esse papel.
Breno ressalta, no entanto, que a eficácia dessas medidas depende da preservação do equilíbrio ecológico, por meio da conservação de áreas verdes, e não da simples introdução de espécies em ambientes urbanos, o que pode gerar consequências indesejadas.
