Abin paralela usou sistemas pagos em euro e em dólar para monitorar Moraes
Operação Última Milha, deflagrada pela Polícia Federal, visa a investigar se Agência Brasileira de Investigação foi utilizada com o objetivo de favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro
A Polícia Federal constatou que o sistema First Mile – que rastreia o deslocamento de um celular a partir de torres de telecomunicações – não foi o único usado pela ‘Abin paralela’ do governo Bolsonaro para monitorar autoridades públicas e opositores. A corporação identificou sistemas “ilegítimos” pagos em dólar e euro para uso em “casos mais sensíveis”, que envolviam a arapongagem de ministros do Supremo Tribunal Federal e políticos.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, a opção por outros sistemas clandestinos se dava em razão de eles facilitarem a ocultação dos rastros da espionagem. As informações constam do relatório da Polícia Federal e do parecer da Procuradoria-Geral da República que levaram à abertura da quarta fase da Operação Última Milha, na manhã desta quinta-feira (11).
A Polícia Federal diz que há diligências em andamento para apurar a “extensão do uso de outras aplicações de monitoramento clandestino”. A corporação quer apurar até se houve a utilização de “malware de intrusão em dispositivos móveis”, alertando que não identificou o uso do Pegasus, um sistema de espionagem cuja aquisição chegou a ser aventada no governo Bolsonaro.
Durante a ofensiva foram presos quatro investigados, entre eles o agente Marcelo Araújo Bormevet e o militar Giancarlo Gomes Rodrigues, que atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Agência Brasileira de Inteligência sob o comando de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal.
O uso dos softwares pagos em dólar e em euro veio à tona em conversa trocada entre Giancarlo e Bormevet. Na ocasião, eles discutiam a produção de um dossiê sobre o ministro Alexandre de Moraes.
Os dois tentavam ligar o magistrado ao delegado Nico Gonçalves – ex-delegado-geral de Polícia Civil de São Paulo – e uma suposta investigação sobre corrupção. O levantamento foi realizado à época em que o Supremo Tribunal Federal confirmou, em junho de 2020, a legalidade do inquérito das fake news.
Ao analisar as mensagens trocadas pelos auxiliares de Ramagem a PF encontrou outras referências a Moraes, com “indicativo de violência e ações relacionadas à tentativa de impeachment” do ministro.
Em um diálogo, um deles escreveu: “Tá ficando foda isso. Esse careca está merecendo algo a mais.” A resposta foi: “Só 7.62” – o número do calibre de uma munição. “Headshot”, finaliza o interlocutor, sugerindo um tiro na cabeça do ministro.
Até a publicação deste texto, o Estadão tentou contato com a defesa do agente da Polícia Federal Marcelo Araújo Bormevet e do militar Giancarlo Gomes Rodrigues, mas sem sucesso. O espaço segue aberto.
PF acha áudio de Ramagem com Bolsonaro com plano para anular o inquérito das ‘rachadinhas’
A Polícia Federal também encontrou um áudio de uma reunião em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno (então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin é subordinada) e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem discutem um plano para anular o inquérito das rachadinhas – investigação que fechou o cerco ao senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do ex-chefe do Executivo.
A gravação remonta a um encontro realizado em agosto de 2020, também com a participação da advogada de Flávio. A conversa citou os auditores da Receita responsáveis pelo relatório de inteligência fiscal que baseou a investigação do caso Queiroz – revelado pelo Estadão.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, Ramagem diz, no áudio, que “seria necessária a instauração de um procedimento administrativo contra os auditores da Receita, com o objetivo de anular a investigação, bem como a retirada de alguns auditores de seus respectivos cargos”.
O áudio tem mais de uma hora de duração. A reunião teria sido gravada pelo próprio Ramagem.
Na representação de 187 páginas pela abertura da quarta fase da Última Milha, a PF diz que Ramagem teria determinado o monitoramento dos três auditores fiscais autores do RIF.
A ação clandestina era “urgente” e foi determinada “seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores”, segundo a PF.
O levantamento ilegal deveria ser “jogado num word somente”, o que, segundo os investigadores, revela o caráter de extra-oficialidade da ação.
A PF encontrou os diálogos em que o agente de Polícia Federal Marcelo Araújo Bormevet e o militar Giancarlo Gomes Rodrigues – integrantes do Centro de Intelige^ncia Nacional (CIN) da Abin e auxiliares de Ramagem – tratam das pesquisas envolvendo ao auditores da Receita.
Segundo a PF, as diligências foram realizadas em novembro de 2020. Os achados foram repassados a Ramagem em dezembro daquele ano.