Alimentos pró-inflamatórios aumentam risco de doenças periodontais, conclui estudo
Pesquisadores brasileiros avaliaram cem pacientes e descobriram que a predisposição à doença gengival é maior entre homens que se alimentam mal, independentemente da higienização
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicado no Journal of Periodontology, mostra que o açúcar não é o único ingrediente vilão da saúde bucal. Os pesquisadores constataram que manter uma dieta rica em alimentos pró-inflamatórios – entre eles os ultraprocessados, que são cheios de gordura saturada, gordura trans, calorias e colesterol – eleva o risco de inflamação gengival.
Se não for tratada adequadamente, essa condição pode progredir para um quadro severo, a periodontite, e até mesmo a perda dos dentes. A pesquisa demonstra ainda que o risco é maior para homens que mantêm um alto consumo desses produtos.
De acordo com o periodontista Renato Corrêa Viana Casarin, professor da Faculdade de Odontologia da Unicamp e orientador do trabalho, um dos fatores que podem modular a resposta imunológica do organismo é a dieta. Foi por isso que surgiu a ideia de avaliar se elementos da alimentação poderiam ser protetores ou prejudiciais à saúde bucal.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores avaliaram aspectos como quantidade de placa bacteriana presente na boca, sangramento gengival, fluidos e marcadores inflamatórios de 100 pacientes e determinaram o perfil inflamatório da dieta de cada um deles. Todos eram atendidos no ambulatório da Faculdade de Odontologia da Unicamp, em Piracicaba, no interior de São Paulo.
Na primeira etapa, foi feita uma parceria com um grupo de nutricionistas da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e da Universidade de Istambul, na Turquia. Os voluntários preencheram um recordatório alimentar (espécie de diário detalhado de todos os alimentos e bebidas ingeridos durante o dia, que leva em consideração até a quantidade e o tipo de temperos usados) e os pesquisadores calcularam o Índice Inflamatório da Dieta (IID) de cada pessoa.
Segundo a nutricionista Helena Sampaio, professora da UECE e uma das responsáveis pelo estudo, o IDD inclui 44 alimentos e nutrientes categorizados. Ele considera alimentos pró-inflamatórios aqueles que são ricos em gordura saturada, gordura total, gordura trans, calorias e colesterol.
Os principais anti-inflamatórios são ricos em cúrcuma, fibras, flavonas, isoflavonas e betacaroteno. “Quando falamos em alimentos ricos em flavonas e isoflavonas, em geral pensamos somente em soja. Mas outros de origem vegetal também têm esses nutrientes, e vale ressaltar que uma dieta rica em alimentos vegetais se torna anti-inflamatória”, frisa Sampaio.
O IDD leva em consideração as proporções consumidas durante o dia. “Não adianta nada comer salmão com salada no almoço e consumir muito álcool e alimentos ultraprocessados no resto do dia. O resultado, mesmo comendo salmão, talvez não seja uma dieta anti-inflamatória. Nós somos o que ingerimos no conjunto do nosso dia e tudo pode influenciar a resposta imunológica”, diz Casarin.
Após estabelecer o índice inflamatório da dieta de cada paciente, os pesquisadores cruzaram os dados com a saúde gengival. Foi aí que observaram que aqueles indivíduos que tinham uma dieta pró-inflamatória – em especial os homens – foram mais associados aos casos de sangramento da gengiva. E essa relação existia independentemente da quantidade de biofilme (placa bacteriana) na boca dos pacientes.
“Dentro da análise estatística levamos em consideração a quantidade de biofilme, porque esse poderia ser um viés importante. Mas os resultados mostraram que a dieta isoladamente teve efeito significativo na inflamação, independentemente da quantidade de placa. Nos homens essa associação foi ainda mais forte, com risco aumentado em 27 vezes de ter gengivite”, relata Casarin. Na população toda do estudo, a dieta sozinha aumentava em 3,94 vezes o risco de desenvolver o problema.
Essa não é a primeira vez que uma pesquisa associa o sexo masculino aos problemas gengivais. Outro estudo brasileiro, realizado em parceria com pesquisadores dos Estados Unidos e da Alemanha, avaliou a influência do gênero no tratamento periodontal em mais de mil pacientes e concluiu que os homens apresentam maior severidade nas doenças gengivais e pior resposta aos tratamentos.
“O risco aumentado de gengivite em homens é um ponto bastante relevante no estudo da Unicamp. No nosso trabalho, analisamos dados de homens e mulheres com periodontite que haviam recebido tratamento e vimos que as mulheres apresentaram uma resposta um pouco melhor do que eles após um ano”, conta a cirurgiã-dentista Nidia Castro dos Santos, professora do curso de Odontologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein e uma das líderes do estudo, publicado em maio no Journal of Periodontal Research. “Entretanto, o papel do gênero nas doenças gengivais ainda precisa ser totalmente desvendado, e o estudo da Unicamp contribui para a compreensão desse tópico.”
Mais bactérias
Na segunda etapa da pesquisa da Unicamp, os cientistas coletaram fluidos gengivais dos pacientes e analisaram em laboratório quais bactérias e componentes inflamatórios estavam presentes. Mais uma vez, encontraram diferenças entre aqueles que tinham dieta pró-inflamatória em relação a quem se alimentava melhor.
“Percebemos que aqueles com alimentação pró-inflamatória tinham mais marcadores de inflamação e isso se refletia na saúde dos tecidos gengivais, além de uma quantidade maior de espécies de bactérias relacionadas à infecção gengival”, destaca Casarin. Vale lembrar que a boca possui cerca de 700 espécies bacterianas que vivem em harmonia – e os problemas acontecem quando ocorre um desequilíbrio entre elas.
O que é periodontite?
O problema começa com a gengivite, que costuma se manifestar por meio de sangramento ao usar escova de dentes ou fio dental, sinalizando o início de uma inflamação gengival (que ocorre em decorrência do acúmulo de bactérias, formando um biofilme por cima do dente). Em geral, essa inflamação começa de forma leve e pode ser rapidamente resolvida com higienização adequada.
Mas, se esse processo não for tratado adequadamente, ele progride e se aprofunda para os tecidos gengivais. É a partir desse momento que começa a destruição dos ossos que dão suporte aos dentes, caracterizando a periodontite.
“A evolução da gengivite não tratada é a periodontite, que é uma doença inflamatória crônica, que causa mau hálito, amolecimento dos dentes e perda dentária. É uma condição importante e que está diretamente relacionada aos hábitos do indivíduo”, explica Casarin.
Para evitar a periodontite, é fundamental controlar bem a higiene bucal, realizando os cuidados diários de forma correta e visitando o dentista regularmente. Também é importante manter um estilo de vida saudável, não fumar e cuidar do diabetes, pois se a doença não for tratada, ela aumenta o risco de periodontite.
Para a professora Nidia Castro, do Einstein, os resultados desse trabalho reforçam o conceito de que saúde bucal e saúde geral não se separam. “A inflamação decorrente da dieta pró-inflamatória afeta o corpo todo: coração, fígado, intestino, vasos e gengiva. Assim, é muito importante que o dentista seja capaz de atuar em equipes multidisciplinares, conversando com médicos e nutricionistas, para elaborar estratégias de tratamento que promovam saúde e qualidade de vida para o paciente”, completa.