Enoturismo – Descobrindo vinhos e vinícolas na África do Sul (Parte III – Paarl e Franschhoek)
Hoje, na terceira e última matéria sobre minha viagem a África do Sul, vou falar sobre Paarl. Esse distrito está incluído na grande Coastal Region (a principal região vitivinícola sul-africana) e fica a 61km da Cidade do Cabo. Como não tem saída para o mar e fica um pouco distante do oceano, o local possui um clima um pouco mais quente do que a famosa Stellenbosch (relembre aqui), mas também, é muito conceituada quando o assunto é vinho de qualidade. Durante muito tempo, Paarl ficou conhecida por seus vinhos fortificados, estilo Porto, mas, atualmente a produção da área é muito diversificada.
Avondale
Em Paarl, visitei duas vinícolas: a Avondale e a Fairview and Spice Route. Na Avondale, fui recebida pelo atencioso proprietário Johnatan Grieve. A vinícola tem 70 hectares de terras e cultiva Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot, Cabernet Franc, Semillon, Chenin Blanc, Shiraz, Mourvedre, Grenache, Viognier, Rousanne e Chardonnay.
Seu grande diferencial é sua enorme preocupação com o meio ambiente. A Avondale é reconhecida na África do Sul por ser pioneira em iniciativas sustentáveis e, também, é referência mundial. Lá todos os vinhedos são orgânicos e chancelados pela Control Union – uma das principais autoridades de certificação da Europa. Além disso, práticas biodinâmicas – que levam em consideração a superconjunção dos astros, a energia cósmica e um calendário lunar com dias específicos para cada ação no vinhedo são levadas a sério e empregadas no manejo agrícola do lugar.
Além da sustentabilidade no campo, a Avondale também adota na adega técnicas especiais para produzir vinhos da forma mais natural possível, como, por exemplo, o uso exclusivo de levedura selvagem durante a fermentação e a utilização de quantidade mínima de enxofre. “Não temos necessidade de regular ou ajustar nossos vinhos de forma artificial em função de nosso terroir e, por isso, não utilizamos enzimas, agentes catalisadores ou amaciadores na produção de nossos vinhos”, explica Grieve.
A adega da vinícola impressiona bastante. Possui equipamentos de última geração e uma instalação de fluxo por gravidade surpreendente, que garante que as uvas sejam movidas com o mínimo de intervenção. A ideia, segundo Grieve, é produzir vinhos de forma lenta para que desenvolvam todo seu potencial.
Qvevri
No início de 2018, a Avondale tornou-se também a primeira vinícola da África do Sul a produzir vinhos com Qvevri – ânforas de barro, em forma de ovo, provenientes da Geórgia – país considerado berço da viticultura, com uma tradição de vinificação que remonta há mais de 7000 anos.
Passear por entre os Qvevris da Avondale, inclusive sobre os enterrados, é ter a chance de perceber de perto a preocupação da vinícola de unir o tradicional ao moderno. Amei!!!
Degustação
Na Avondale, tive a oportunidade de degustar oito vinhos – espumante, brancos, rosés e tintos. De maneira geral, são produtos extremamente elegantes e que encantam principalmente no nariz pelo impressionante ataque aromático. Sem mesmo degustá-los, apenas sentindo seus aromas, é muito fácil perceber de que se tratam de vinhos diferenciados. Alguns dos vinhos da Avondale são trazidos para o Brasil pela Vinhos do Mundo, mas, infelizmente, hoje chegam por aqui apenas os vinhos mais simples. Portanto, minha dica é: aproveite a ida a África do Sul para visitar a Avondale e degustar seus melhores vinhos. Você não vai se arrepender. ?
Chenin Blanc 2016 Anima
Gostaria de falar de todos esses da foto. De verdade. Mas, nesse post, vou me restringir ao Chenin Blanc 2016 Anima. A Chenin Blanc é uma uva nativa do Vale do Loire, na França, é bastante versátil e se adaptou muito bem na África do Sul. No entanto, nem todos os vinhos produzidos com essa uva por lá são tão memoráveis como esse Chenin Blanc Anima. A cor do vinho já atrai com seu amarelo-dourado intenso, não resultado do tempo, mas da fermentação dos cachos inteiros das uvas em ânforas (20%) e da maturação em barricas de carvalho francês de 500 litros.
Esse vinho possui uma complexidade excepcional no nariz e apresenta notas intensas de mel, misturadas com toques de pedra de isqueiro, toques de melão, pêra e pêssego. Na boca, tem uma envolvente maciez ácida com muito volume sem ser enjoativo. Uma persistência incrível com muito mel no fim de boca. Em síntese é um vinho mineral, persistente, elegante e fino. Preço: 260 rands, em média R$90,00.
Fairview and Spice Route
Da Avondale parti para a Fairview and Spice Route – uma fazenda que abriga uma coleção de microempresas que compartilham um objetivo em comum: criar produtos artesanais e sustentáveis com foco em vinhos finos, especiarias e queijos, principalmente de cabra. A Fairview é uma das vinícolas mais visitadas na região não só pelos inúmeros vinhos que produz, mas também pela icônica torre de cabras que foi construída em 1981 e que virou ponto turístico.
Degustação
Na Fairview, não pude visitar as instalações da adega, por conta do tempo escasso, mas tive a oportunidade de apreciar com exclusividade nove vinhos da vinícola, em uma sala de degustação super aconchegante, guiada pela enóloga do local, Annette Van Zyl.
Um dos vinhos que mais gostei foi o inusitado Bloemcool 2015 feito à base de Tempranilo (350 rands ou R$100), que pude apreciar harmonizando com os variados queijos de cabra produzidos e vendidos no local.Com menos de 3mil garrafas produzidas, o vinho é uma raridade e difícil de ser encontrado fora da região. Tem uma bela cor rubi brilhantes e no nariz exibe notas intensas de frutas silvestres, embutidos e leves toques de baunilha. Na boca tem um tanino macio, um bom corpo e uma persistência razoável. Sem dúvidas, um delicioso sul-africano com alma espanhola!
Franschhoek
Franschhoek é um ward do distrito de Paarl. Isto significa que é um terroir super valorizado da região. Seu nome (fala-se “franchoequi”) significa “esquina francesa” e está ligado diretamente à chegada no local, séc.XVII, de refugiados das guerras religiosas na França. É um local muito bonito e bem interessante, famoso por ser considerado a capital da alimentação e do vinho da África do Sul. Por lá, existem inúmeras vinícolas encantadoras, a maioria delas tem nome e estilo francês, como a Mont Rochelle, uma das duas vinícolas que visitei por lá.
Mont Rochelle
Além de cultivar uvas e produzir vinhos, a Mont Rochelle integra o seleto grupo mundial de hotéis de luxo da Virgin Limited Edition. São 26 quartos extremamente requintados situados entre os belos vinhedos e montanhas de Franschhoek, localizados a menos de uma hora de carro da Cidade do Cabo
Visitando a adega
Quem me recebeu na Mont Rochelle foi o simpático enólogo Dustin Osborne. Ele me apresentou, um a um, todos os vinhos que estavam sendo produzidos por ele na aconchegante adega do local. Tive a oportunidade de degustar vinhos incríveis diretamente dos tanques e barris. Experiência única!!!
Sobre as vinhas
Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot, Shiraz e Cabernet Sauvignon são as principais uvas produzidas na Mont Rochelle em vinhedos situados entre 250 me 400m acima do nível do mar.
Degustação
Depois de degustar os vinhos em elaboração na adega, chegou o momento de apreciá-los prontos na sala de degustação. Experimentei cinco e pude conhecer um pouco mais da história de cada um deles com o Dustin.
Miko Red 2010
Dentre os degustados, confesso que o Miko Red 2010 foi – um blend de Syrah e Cabernet Sauvignon – foi o que mais me encantou e entrou diretamente para minha lista dos melhores tintos que degustei na África do Sul. É um vinho extremamente complexo que seduz logo na cor – um rubi brilhante com notas violáceas que revelam que ainda tem um bom tempo de vida. No nariz apresenta notas de frutas negras, especiarias, pimenta e charuto mescladas com frutas negras frescas. Na boca é potente e envolvente, mas extremamente elegante. Tem taninos presentes, mas macios, e uma longa persistência. Um verdadeiro achado produzido em pequena escala. Custa cerca de 500 rands ou R$160,00. Os Miko Reds são produzidos apenas em safras excepcionais e têm intervenção mínima na adega a fim de garantirem expressão final do terroir de Mont Rochelle.
Holden Manz
A última vinícola que visitei em Franschhoek e também na África do Sul foi a bela e imponente Holden Manz, onde fui recebida pelo proprietário Gerard Holden.
Gerard, logo no início da visita, fez questão de me apresentar os belos vinhedos do local, plantados a 300 metros acima do nível do mar, em uma propriedade de 22 hectares, onde os invernos longos, frios e úmidos permitem que as vinhas descansem bem, enquanto os verões quentes e secos e um outono suave permitem um amadurecimento lento das uvas.
Adega
Depois do passeio entre as videiras, pude conhecer o enólogo-chefe da vinícola, o francês Thierry Haberer, que conta no seu currículo com experiências em diversos locais vitivinícolas de renome, como Bordeaux, Napa Valley, Mendonza, além de parcerias com enólogos famosos, como Michel Rolland. Em conversa com Thierry, ele afirmou que a África do Sul é um local especial para se produzir excelentes vinhos. “Aqui você encontra diferentes terroirs e climas em curtas distâncias e eu gosto de poder trabalhar com a maioria dos varietais e ter a capacidade de alcançar excelentes resultados”.
Thierry me apresentou à moderna adega da Holden Manz, onde tanques e barricas de variados tamanhos permitem fermentações separadas e de pequenos lotes permitindo-o praticar sua “alquimia”. Ele também me proporcionou a oportunidade de ter uma verdadeira aula prática de assemblage, me fazendo experimentar cada um dos lotes que produz em separado para produzir grandes vinhos. Mas, mesmo com o apoio da tecnologia, o enólogo fez questão de marcar o respeito que nutre pelas uvas. “Adoro andar pela vinha e tentar entender como funciona um bloco específico de vinhedo. Todos acreditam que a vinha é onde tudo começa e, é verdade, para mim, a essência está em selecionar e marcar a diferença na vinha! Depois disso, o trabalho na adega se torna muito simples”, reconhece.
Degustação
Claro que a degustação também fez parte desta visita. Adorei! Além dos vinhos retirados das barricas e tanques da Holden Manz, também apreciei vinhos incrivelmente bem elaborados. Dos mais simples aos mais complexos. Tudo seguido de uma verdadeira aula de Enologia ministrada pelo didático Thierry Haberer.
Holden Manz Chenin Blanc 2018
A preocupação na Holden Manz é a mesma para produzir tanto vinhos de entrada como vinhos mais caros. O Holden Manz Chenin Blanc 2018 (150 rands, cerca de R$40,00) é um exemplo disso. Não é o carro-chefe da vinícola, inclusive é um dos mais baratos, mas me chamou a atenção por ser extremamente delicado e fresco – com notas de pêssego, flores, jasmin, cítricos e traços de brioche – um vinho que reflete o verdadeiro espírito dos produtores sul-africanos que buscam unir a exuberância do Novo Mundo com a elegância do Velho Mundo.
Big G Holden Manz
O Big G Holden Manz 2014 foi elaborado para homenagear o dono da vinícola, Gerard Holden. É um “Bordeaux Blend” de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot, que descansa (70%) 24 meses em barricas de carvalho francesas. É um vinho de guarda de cor rubi e com sedutores aromas de alcaçuz, cerejas negras e ameixas e notas de cedro. Vinho encorpado com 15% de álcool, mas bem equilibado. Com tanino firme e um final de boca persistente mostrando frutas pretas e notas de chocalate. Um vinho bem elaborado que mostra o potencial do Novo Mundo.
Apesar de eu ter degustados apenas alguns dos rótulos da Holden Manz, pude apurar que a vinícola é muito bem conceituada, com vinhos de entrada ou mais complexos apreciados por grandes degustadores de vinho. Muitos deles, inclusive, ostentam premiações obtidas em concursos das mais variadas partes do mundo.
Contatos
Para quem tem interesse em visitar Paarl e Frankschoek. Abaixo os links para para agendar visitas nas vinícolas que visitei. Recomendo todas!