Uma viagem ao passado dos X-Men, judias em fuga e a origem da Capitã Phasma
Oi, gente.
Há bons anos que leio praticamente nada dos X-Men, e o principal motivo foi a passagem de Brian Michael Bendis pelo Universo X. Aquela ideia de pegar a formação original ainda adolescente e jogá-la em nosso presente foi uma das piores da década. Fui fazer outras coisas com meu tempo, e desde então lembro de ter lido apenas “Morte do X”, com os X-Men e Inumanos se estranhando (não curti), e a graphic novel “Chega de humanos” (curti menos ainda). Por fim, comecei a desistir de ler a passagem de Charles Soule em “Surpreendentes X-Men” depois de três edições, pois repetia a fórmula da formação desinteressante (não tenho saco para o Bishop e Gambit), personagem tirado de outra linha temporal (o Velho Logan) e a eterna volta de algum vilão (Rei das Sombras).
Estava muito difícil encontrar algo do universo mutante da Marvel para ler, mas então surgiram notícias promissoras. Todo mundo começou a falar da chegada de Jonathan Hickman aos X-Men, e já estou com “Dinastia X” e “Poderes do X” a furar a fila de leituras. Antes, porém, conferimos o primeiro de três volumes de “X-Men: Grand Design”, que chega ao Brasil via Panini, e taí uma boa história da patotinha mutuna para ler – mesmo que seja um “best of remixado” do passado dos pupilos do Professor Xavier. O problema é o preço, que beira os cem contos e que tenta justificar a facada com a inclusão de “X-Men 1” (1963).
“X-Men: Grand Design” tem roteiro e arte de Ed Piskor, da premiada “Hip Hop Genealogia”, e é uma grande homenagem aos quase 60 anos de aventuras, dramas, tragédias e confusões cronológicas dos X-Men nos quadrinhos. Nesse primeiro volume, o artista reconta, condensa e faz retcons dos anos anteriores à formação da equipe, além de suas primeiras aventuras enfrentando vilões como Magneto, o Monolito Vivo, Sentinelas e Mestre Mutante. O primeiro volume se encerra pouco antes da nova formação dos X-Men, aquela com Wolverine, Tempestade, Colossus & Cia.
Dentre os retcons mais interessantes está a inclusão da Força Fênix desde o momento em que Jean Grey descobriu seus poderes, colocando meio universo de olho no planeta Terra. Ed Piskor mostra que conhece a fundo toda a mitologia X, interligando personagens (os Morlocks) e eventos futuros à saga dos mutantes. Outro ponto positivo de “Grand Design” é a arte, com estilo retrô bem próximo dos anos 60 e que faz a série parecer um projeto de Wes Anderson para os quadrinhos.
Os próximos volumes do projeto, já publicados pela Marvel nos Estados Unidos, relembram “A saga da Fênix Negra” e as aventuras espaciais dos X-Men (segundo volume) e os arcos “Massacre de Mutantes” e “Queda dos Mutantes”. Esperamos que mantenham o alto nível da história.
Enquanto isso, eu e A Leitora Mais Crítica da Coluna conseguimos assistir a outra coisa que não “The Office”. A escolhida foi a excelente e emocionante minissérie “Nada ortodoxa” (Netflix), inspirada livremente no livro autobiográfico “Unothordox”, de Deborah Feldman, sem versão para o português.
A protagonista da série é a jovem Esty (Shira Haas), que vive numa comunidade judaica ultraortodoxa em Nova York. Assim como as demais mulheres, deve aceitar o papel relegado a elas: casamento arranjado, procriar e pouca coisa além disso. Infeliz com a vida, o marido e a pressão para engravidar, Esty consegue ajuda e foge para Berlim, na Alemanha, a fim de encontrar a mãe, que havia feito o mesmo quando ela era pequena. Não demora para fazer amizades, descolar um crush e descobrir que o marido e o primo dele – um tipo “judeu gangsta” – foram até a Alemanha atrás dela.
“Nada ortodoxa” mistura flashbacks com a nova vida de Esty, sem jamais cair no dramalhão ou exageros tão comuns à dramaturgia televisiva. Também serve para refletirmos como podem existir realidades e culturas tão diferentes e que podem estar ali na esquina, com mulheres que não podem ter educação formal, escolher o marido, raspar o cabelo logo que casam e usar lenços ou perucas e não podem frequentar os cultos quando menstruadas etc etc etc.
Além disso, é preciso destacar a atuação de Shira Haas. A atriz israelense, de apenas 25 anos, tem um papel difícil e segura as pontas com talento. Há uma cena no último capítulo que é de deixar a galera com os olhos cheios d’água, então vai lá assistir.
E vamos falar um pouco de “Star Wars”, né? Uma das reclamações quanto à última trilogia foi de que muita coisa era jogada nos filmes, e se alguém reclamava havia um sujeito para responder “ah, mas isso é explicado no livro tal”. Sendo assim, tratamos de ler “Legado de sangue”, em que a senadora Leia Organa descobre a existência da Primeira Ordem e cria a Resistência; “A Resistência renasce”, situado entre os episódios VIII e IX; e “Phasma”, escrito por Delilah S. Dawson e que apresenta a origem daquela que talvez seja a personagem mais promissora e de potencial pior aproveitado nessa trilogia.
Todo mundo ficou animado quando a Capitã Phasma foi anunciada com aquele visual badass da armadura cromada, com Gwendoline Christie (a Brienne de “GoT”) no papel; geral pensou “pronto, teremos um novo Boba Fett, desta vez com mais tempo de tela”. Ledo engano: acho que ela não apareceu sequer dez minutos nos dois primeiros filmes, teve umas três falas, não tirou o capacete, não explicaram de onde vinha, o que fazia, como se tornou capitã na Primeira Ordem e outros lances.
Tinha tudo para ser uma vilã clássica, mas serviu apenas para vender bonequinhos, acho.
Pois o livro, situado antes de “O despertar da Força”, serve para dar origem e profundidade à personagem, mostrando seu planeta natal, a sociedade de onde veio, a luta pela sobrevivência que moldou seu (mau) caráter e que ela tem zero escrúpulos quando o assunto é sobreviver e encontrar um futuro melhor – e também a certeza que ela seria uma vilã que adoraríamos odiar.
A história também explica algumas dúvidas quanto ao que não foi visto nos filmes, como chegou à Primeira Ordem, a origem da armadura cromada, o fato dela nunca mostrar o rosto, o costume de chamar os stormtroopers pelos seus “números de série”, o desenvolvimento da personalidade fria e calculista, tem até uma ligação inesperada com os episódios I a III. E também podemos dizer que “Star Wars: Phasma” ajuda a tornar ainda mais incompreensíveis as atitudes do General Hux em “A ascensão Skywalker”.
Por fim, não custa lembrar que nossa playlist “…E obrigado pelos peixes” pode ser ouvida no Spotify e Deezer; são quase 130 horas e duas mil músicas para quem tá a fim de uma curadoria picareta para passar os dias de isolamento.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.