É biscoito ou é bolacha?
De tudo o que é sagrado para quem teve o privilégio de nascer no grande estado de Minas Gerais, o que acontece nos arredores da cozinha carrega um significado profundo. Desperta sensações que nos aquecem o peito e fazem um afago na nossa memória afetiva. Nisso, mineiros de todos os cantos estão de acordo- e também sobre o domínio das melhores receitas de pão de queijo do país. Que os outros estados nos perdoem, mas fora do perímetro de Minas, o pão de queijo não é o mesmo-. Mas há muitas diferenças que acentuam o fato de que não há um mineiro único.
Acontece que Minas Gerais faz divisa com São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Bahia, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul e como mineiro é uma espécie acolhedora e agregadora, por natureza, o sotaque mineiro nesse contato foi assumindo outros muitos tons. A bolacha que se come no Sul de Minas é o mesmo biscoito que se come na Zona da Mata, mas o jeito de dizer não indica que um seja menos mineiro que o outro. Só diz que um está mais próximo de São Paulo e outro do Rio. Essa multiplicidade de sotaques possíveis dentro de um mesmo território, como qualquer boa prosa, vai gerar reflexos lá na cozinha.
Foi exatamente o que aconteceu aqui na redação, há algumas semanas atrás. Durante o café a dúvida sobre como se nomeia a receita que leva entre outros ingredientes, o fubá, a farinha e a erva doce, aqui em Juiz de Fora chamada de broa e lá no Sul de Minas conhecida como bolo de fubá, foi o suficiente para suscitar uma pequena ‘guerrilha’. Entrincheirados cada um na mineiridade que exerce, não abríamos mão do modo como aprendemos a nomear o quitute. Os argumentos vinham do tipo de receita, da forma em que o alimento é apresentado e até agora, não houve consenso. A discussão foi acalorada, divertida e chegou até a deixar alguns de nós um pouco feridos em suas regionalidades. Nada grave, estabelecemos o acordo de cada um nomeia como achar que deve. Mas vira e mexe reacendemos o debate, que vai continuar sem uma resposta definitiva, obviamente.
A dúvida foi gerada, porque há três receitas encontradas facilmente, que poderiam ser enquadradas como broas por aqui. Uma possui uma consistência mais rígida e tem a forma de um disco, vendida por unidade. Aqui chamamos de broinha, tanto a receita de fubá, quanto a de canjica. Lá no Sul do estado, o nome broa é atribuído a essa receita. Nas padarias pelas quais passei, outro nome é usado: broa cavaca. Já a receita que geralmente é maior e se parece com um bolo, seja feita em uma forma com um cone no meio, ou no tabuleiro convencional, que é a nossa broa, para o pessoal do Sul é o famoso bolo de fubá.
Independente de qualquer ponto de vista, o certo é que a hora do café segue representando um momento de comunhão, de partilha. A broa, ou o bolo ficam no centro da mesa e nós nos colocamos em volta, dando conta de qualquer iguaria e também de qualquer assunto, ou nos dias mais modestos, compartilhando o café, que é um dos únicos artigos que apesar de não ser consenso pelo gosto, não causa divergência pelo nome e ainda representa um convite irresistível: tem café?