Todas as Déias precisam de férias
A passagem do tempo estourou como uma bomba quando o feriado de Nossa Senhora Aparecida surgiu destacado na folhinha do calendário. Na verdade, foram outros os santos que se responsabilizaram pelo anúncio da gravidade da coisa toda: São Cosme e São Damião. O dia dedicado aos gêmeos é sempre um aviso de que setembro está no final, e o último trimestre do ano esmurra a porta da frente.
São Cosme e São Damião me fizeram lembrar não só do tempo, mas também de Déia. Ela trabalhou por muitos anos com muita dedicação, até que, enfim, veio a aposentadoria que tanto esperava. Ansiava por aquele momento glorioso, em que finalmente poderia recalcular todas as suas prioridades e se dedicar aos prazeres pequenos e deliciosos da vida, sem se preocupar com a ditadura das horas de uma rotina de trabalho e de tarefas que tomavam seus dias.
Ela só não fazia ideia de que teria que conviver com o inesperado, que ocupava não só o seu espaço mental, mas também sobrecarregava o trabalho com suas intervenções despropositais que ainda inibiam o uso do seu espaço físico. Não havia o que fazer, sem entrar em detalhes, ela não tinha como fugir da situação. O que não tem remédio, remediado está.
Visivelmente abatido, cansado e com mais coisas para resolver do que tempo hábil para lidar com elas, o corpo avisou que, se ela não tirasse tempo para cuidar dele, começaria a obrigá-la a fazer. Não teve jeito. Déia precisou tirar ‘férias forçadas’.
Ela vai precisar se isolar, mente e corpo precisam se reprogramar. O inesperado passou a ser o esperado em outra freguesia. Déia já não tinha mais tempo para ler as Júlias, Sabrinas, Biancas e os Clássicos Históricos que se empilhavam nas prateleiras do seu sebo favorito, não conseguia curtir os filmes que tanto gostava e as novelas pelas quais tinha tanto apreço. Onde estava aquele tempo, pelo qual ela tanto esperou?
Temos muito pouco tempo para dedicarmos ao que, de fato, gostamos de fazer e fazemos bem. Vez ou outra, essa capacidade acaba se tornando um meio de ganhar a vida e vira outra coisa, a relação muda. O que nós sempre tivemos vontade de fazer vai ficando sempre para depois e outras prioridades nos tomam. Pensar na situação de Déia me faz pensar em como o tempo é valioso e em como precisamos aprender a ouvir nossas necessidades, os sinais que os nossos corpos nos dão e sobre como é difícil equilibrar nossas obrigações, nossas responsabilidades e nossos quereres.
Saber que o nosso tempo nesse mundo é limitado desperta uma urgência de abraçarmos todas as possibilidades que ele tem a nos oferecer. Vivemos acelerados, focados em todas as muitas atividades que acumulamos e, ligados sempre à passagem do tempo, deixamos de curtir as coisas que fazemos. Equilibrar tudo isso é exercício para gente grande. Daqui torço para que Déia volte a vivenciar novos horizontes. O fim deste ano se aproxima e pede a reavaliação e revitalização do nosso tempo e do nosso espaço. Que Déia brilhe, sonhe colorido e que tenha como fazer o uso do tempo e do espaço como sempre desejou.