Sem decepção
Os Jogos Olímpicos motivaram reações passionais nos torcedores, especialmente nas redes sociais. No entanto, nem sempre o público consegue alcançar tudo o que acontece dentro e fora das quadras, estádios e ginásios
Os Jogos Olímpicos são sempre uma grande oportunidade de conhecer grandes histórias e testemunhar encontros memoráveis. Para quem não acompanha de perto as rotinas e modalidades de esportes que nem sempre estão tão em evidência, é um pouco mais difícil acessar essas trajetórias. Os ciclos apresentam atletas, esportes e grandes exemplos. Nessas Olimpíadas, especialmente – como o Japão, de maneira fantástica, mostrou na cerimônia de abertura -, ficou muito bem demonstrado como o período da pandemia também afetou de maneira contundente a vida dos atletas.
Campeonatos cancelados em cima da hora, seletivas sem qualquer previsão de realização, condições difíceis de treino, perda de patrocinadores, além de toda a tensão causada pela própria pandemia. Eles viveram cada uma de todas as dificuldades e problemas que toda a população mundial compartilhou, e mais, muitos ainda se recuperam dos efeitos da internação pela Covid-19. Mesmo assim não deixaram de participar. Seja por eles mesmos, pelo sonho, pelo orgulho de representar suas nações, para quebrar recordes ou por qualquer outro motivo que seja.
Cada edição da competição deve ser vista nos detalhes. Mas, nesse caso, é preciso considerar muitos fatores a mais do que o desempenho de cada um dos participantes. Nas redes sociais, as palavras decepção, frustração e fracasso têm sido empregadas recorrentemente para descrever a forma como várias seleções foram eliminadas, ou porque grandes estrelas deixaram os jogos sem alcançar o pódio, como era esperado.
As medalhas premiam o grande momento de um atleta que vemos acontecer. Uma fração de tempo que nem de longe representa todo o suor derramado, as renúncias, os problemas pessoais e profissionais, a dedicação, os ‘perrengues’ pelos quais aquele indivíduo passou para conseguir acessar aquele resultado.
Há atletas brasileiros que treinaram em açudes, porque não havia lugar adequado para fazê-lo; usaram terrenos baldios para conseguir manter a preparação; alguns chegaram a ser entubados por Covid-19 e estão longe do condicionamento que costumam apresentar. Todos torcemos por vitórias, boas partidas, pontos e placares favoráveis. Porém, esquecemos que, por estarem entre os participantes, os atletas já estão entre os melhores do mundo. Isso, ninguém é capaz de tirar deles.
Dos nossos sofás, debaixo das nossas cobertas, damos pitaco em tudo, como se nós fôssemos os especialistas. Isso acontece porque nós não temos a menor ideia de quanto pesa a responsabilidade que eles carregam. Criticamos a escalação dos esportes em grupo, questionamos os movimentos escolhidos em provas de precisão, não lidamos bem com as derrotas. Isso nos leva às cobranças. A internet estreitou os laços entre as torcidas e os jogadores, e isso faz com que os comentários feitos no calor da emoção atinjam os jogadores que já estão expostos a todas as fragilidades mencionadas. Isso não significa, em absoluto, que precisamos deixar de expor nossas opiniões. É hora, no entanto, de começar a comentar de maneira mais responsável, escolher melhor as palavras que usamos.
Falamos tanto sobre saúde mental, sobre a coragem dos participantes que expressaram suas vulnerabilidades, e insistimos em contribuir para o achincalhamento dessas pessoas em praça pública. Reconhecer o feito de estar entre os melhores do mundo, aproveitar a oportunidade para ressaltar a relevância que o esporte tem na vida de tantos, apresentar as diferentes modalidades em competições éticas, em que há respeito aos adversários e, sobretudo, à própria prática esportiva e fazer o mundo parar para conhecer essas histórias e essas realizações é o legado mais interessante que se pode deixar. Ainda mais em um momento tão delicado.
As Olimpíadas de 2021 vão deixar grandes inspirações e saudades imensas. Tomara que também nos traga o companheirismo que os jovens estreantes do skate brilhantemente demonstraram, a capacidade de autocrítica feita pelos jogadores do vôlei de praia e o orgulho das realizações e o reconhecimento dos esforços das pessoas que vieram antes, como perfeitamente destacou Alisson dos Santos ‘Piu’, medalhista de bronze no atletismo, que reforçou sereno que não entrou sozinho na pista, levou com ele o sonho sonhado por muita gente. Particularmente, levo comigo a lição da comemoração de cada uma das nossas vitórias, ainda que seja desistir no momento certo.