Tempo pandêmico
Dia desses ouvi uma reflexão que dizia: ‘Um fio de cabelo na cabeça é pouco. Um fio de cabelo em um prato de sopa é demais.’ De alguma forma, essa provocação me fez pensar no tempo, especialmente, porque me dei conta de que o anúncio da pandemia completa um ano na próxima semana. Os veículos de imprensa destacaram a marca de 1.910 óbitos registrados no país em 24 horas e, depois disso, todo o resto ficou um pouco menos importante.
Nunca fui o melhor aluno em matemática, porém rapidamente fiz algumas contas de cabeça: 80 pessoas perdendo a vida por hora, mais ou menos uma por minuto. Uma tragédia que se repete dia após dia, há um ano. O espaço do tempo de um dia parece muito ou pouco tempo, dependendo de que aspecto a gente avalia, mas esses números me causaram uma sensação pesada de urgência.
Ao passo que já esperamos muito tempo por alguma notícia boa, vivemos um luto que não tem previsão de término e, partindo desse ponto de vista, o tempo é implacável. Assim como acontece com quem aguarda por tratamentos eletivos, que são situações que demandam cuidado, embora não sejam avaliados como urgências. Para essas pessoas, o tempo está passando rápido demais. A incerteza sobre quando o retorno deste tipo de atividade vai acontecer provoca uma angústia cada vez maior.
Essa relação com tempo e as vivências, dentro de um período tão peculiar e adverso, se estende para outros inúmeros campos e os exemplos são muitos. No entanto, o que é importante ter em vista é que, para que possamos dizer que a pandemia vai chegar ao fim, precisamos nos dispor a esperar mais. E não é fácil dizer, ou admitir isso.
Nossos corpos e mentes estão fatigados de tanto receber notícias ruins, de não ter perspectivas concretas, de alimentar esperanças ancoradas apenas no nosso desejo de ver a situação resolvida.
Novamente destaco como a passagem do tempo pode se expressar de formas múltiplas. Antes, para que uma vacina pudesse ser disponibilizada para a população, os estudos levavam muitos anos. No caso da pandemia de Covid-19, temos imunizantes elaborados e aprovados em tempo recorde. Em menos de um ano. Um feito inédito, histórico, que ainda está muito longe da realidade da maioria dos cidadãos. A vacina chega, mas vem em uma velocidade muito diferente do que era esperado e preciso, inversamente proporcional à urgência que sentimos. Afinal, no momento em que escrevo essas linhas, são quase 260 mil vítimas fatais no Brasil, no mesmo período. Um preço alto demais, dolorido demais.
Pedir paciência, no meio desse contexto, é muito difícil porque temos pressa de sair desse caos. Não temos mais tempo a perder. Muitos não podem mais esperar, ou nunca puderam. No entanto, não tem outro caminho possível. Precisamos investir mais tempo no cuidado, enquanto as soluções não são tomadas. Cuidado conosco e com todos a nossa volta. Fazer o que estiver ao nosso alcance para cobrar que a vacina chegue para todos. Não sair de casa sem necessidade, usar a máscara corretamente, não entrar em aglomerações. A cartilha, todos sabemos de cor e salteado.
Não aguentamos mais aguentar, porém, podemos aprender com o paralelo da mitologia. O deus do tempo é considerado impiedoso e cruel, costuma nos cobrar pelo que fazemos e não perdoar imperícias. Mas se até ele foi superado, nós também somos capazes de ultrapassar esse quadro dantesco. É hora de respirar fundo, redobrar os cuidados até que estejamos, enfim, seguros e imunizados.