Cachorro-quente
Outro dia desci a antiga Avenida Independência e atravessei da antiga esquina da Planet para a ainda esquina do cachorro-quente da esquina. Bateu um conforto em saber que algumas poucas instituições permanecem funcionando nesse país em franca expansão do sucateamento. Os dogões de esquina resistem – embora nem sempre nas esquinas.
Tento me lembrar de quanto custava um cachorrão completo quando cheguei a Juiz de Fora 17 anos atrás, eu mesma tendo acabado de sair dos 17. Não consigo. Mas lembro do controle motor necessário para fazer o mínimo de lambança possível equilibrando num saquinho vagabundo a salsicha (ou no plural, em dias de ousadia), os molhos, o milho e o montinho de batata-palha, que fatalmente ia pro fundo do saco pra se comer com as mãos depois, lambrecada do que vazava de molho.
Se me recordo das dores de cabeça em função de tomar a então a cerveja dos amigos por R$ 1,30 ou um vale-transporte na longínqua cantina da faculdade, aposto que a iguaria das esquinas custava uns dois reais. Hoje mal se compra um pão francês. Mas na época era o suficiente para valer a ida até a esquina, contar as moedas, rachar um guaraná caçula com a minha amiga Fefê e subir a Independência declarando a nossa própria, planejando a vida e rindo que a estátua do menino com pipa ficava mais sem ela do que com. A cada passo, uma ajeitada no caderno debaixo do braço e aquela averiguada na salsicha pra ela não cair.
Talvez ainda hoje eu passe pelas esquinas onde me lambuzei com cachorros-quentes procurando por seus carrinhos. A decepção é imediata quando não estão mais por lá. Até gosto bastante da iguaria, mas não mais que a média das pessoas. Mas essa fome não passo, tendo recorrido ao delivery canino, de versões gourmet aos mais raiz e gigantes. Talvez a tristeza que me dá seja uma nostalgia besta de outros tempos, em que era possível não saber, luxo que era possível se dar naquele tempo sem que o mundo acabasse.
Agora, posso me fartar de cachorros-quentes, mas toda vez que me afasto das notícias, por breve que seja, quando retorno, mais um pouquinho de mundo se foi. É como dizem sobre salsichas e jornais – melhor não saber como são feitos. Mas sou fadada ao fracasso sendo jornalista e já tendo comido cachorro-quente demais nessa vida. O que há de sobrar de mundo?