A divina comédia humana de Hugo
O ponto de inflexão da trajetória do arqueiro rubro-negro foi a estreia de Rogério Ceni, contra o São Paulo, pela Copa do Brasil
Hugo estreou em setembro passado. Passou-se mais ou menos um quarto de século. Domènec Torrent sucumbiu. Rogério Ceni chegou. O Flamengo foi eliminado da Copa do Brasil e da Libertadores da América. Ceni entrou na corda bamba. Diego Alves saiu, mas voltou. O Flamengo foi campeão brasileiro. Rafinha voltou, mas saiu. O Flamengo foi supercampeão brasileiro, mas atropelado pelo Vasco. Ceni dançava na corda bamba. O Flamengo ganhou de Vélez Sarsfield, Unión La Calera e LDU. E Hugo, sucessor de Dida, é agora reserva de Gabriel Batista. A sua trajetória é uma divina comédia humana.
O ponto de inflexão foi a estreia de Rogério Ceni. O Flamengo enfrentava naquela altura o Brasileiro, a Libertadores, a Copa do Brasil e a melancolia. Hugo já vinha como titular. Havia subjugado sem muitas dificuldades César e Gabriel Batista. A única dúvida, na verdade, era como permanecera tanto tempo como quarto goleiro. O Flamengo fazia as honras da casa para o São Paulo. Era a perna de ida das quartas-de-final da Copa do Brasil. E ninguém tira da cabeça de qualquer rubro-negro que aquele jogo terminou em 1 a 1. Havia um acordo tácito de que a decisão ficaria para o Morumbi. Afinal, o jogo já caminhava para os acréscimos. Mas Hugo não sabia de acordo algum e Brenner não hesitou em quebrá-lo. Hugo tentou driblar apenas Brenner, mas foi desarmado pelo Morumbi inteiro.
Havia um Hugo até aquela noite. Desde então, há outro. Hugo até tentava sair jogando os pés. Com a naturalidade de um alemão dançando cumbia, é verdade. Mas tentava. Agora, em qualquer bola recuada, ele é um réu sob júri popular. Não há mais tempo nem para posicionar o corpo. No percurso da bola dos pés do zagueiro até os seus, a eternidade é efêmera. Hugo apenas a espana. E sempre para a ponta esquerda, onde está Bruno Henrique. Inclusive, nem dos próprios companheiros mais é digno de confiança. A altitude até pode ter influenciado a tragédia que se ensaiava em Quito na última semana, mas foi a saída de Diego Alves que desestabilizou completamente a equipe. A linha defensiva lhe dava as costas nos tiros de meta.
Hugo simplesmente esmoreceu. Não há confiança nem mesmo embaixo das próprias traves. E um goleiro sem confiança é como um escritor sem palavras. Não resta nada. Hugo tem apenas 22 anos, mais outros tantos de Seleção Brasileira. Não lhe faltará tempo para entender como sair com os pés. Tampouco como e quando sair do gol em bolas alçadas. A paciência de Ceni não pode ser tão breve quanto a derrocada de Hugo. O Flamengo tem 125 anos, mas Hugo é apenas o segundo goleiro negro a ser titular em um título brasileiro. Qualquer arqueiro preto quer ser como Barbosa. Só que, assim como Barbosa, todos temem a condenação perpétua por um crime que não cometeram.