Para 81% do eleitorado, fake news podem afetar eleições; especialistas analisam cenário
Para pesquisadores, crise informativa se apresenta como um desafio durante o pleito, agravado por tecnologias como a IA
Metade dos brasileiros considera difícil identificar se uma notícia é verdadeira ou falsa na internet. São esses os dados que o Instituto de Pesquisa DataSenado divulgou sobre o panorama político de 2024. As pesquisas também revelam que 72% dos entrevistados acreditam ter recebido notícias falsas nos últimos seis meses, e 81% acham que fake news podem afetar significativamente o resultado eleitoral. Considerando esse cenário, quais seriam as medidas necessárias para votar consciente nessa e nas outras eleições?
O cientista político Diogo Tourino explica que, “em uma democracia, o voto é uma forma de escolha. Quanto mais informado estiver o eleitor, melhor será essa escolha. Por isso, a informação é fundamental dentro de um processo democrático”. Tourino ainda complementa que, atualmente, vivemos um momento desafiador para a democracia, onde o acesso à informação enfrenta complicações.
Ler notícias de qualidade e procurar pelos contrapontos exige tempo e recursos, mas, em contraste, os aplicativos de mensagens, as redes sociais e as inteligências artificiais oferecem informações facilitadas, embora muitas vezes com qualidade questionável. Essa dinâmica faz com que a busca por conteúdos mais confiáveis se torne ainda mais difícil, especialmente quando essas plataformas moldam o acesso à informação, adicionando uma nova camada de complexidade.
O combate à desinformação, especialmente durante períodos eleitorais, está intimamente ligado ao modo fragmentado e superficial com que as informações são consumidas nas redes sociais. O fenômeno dos vídeos curtos e os “cortes” de edição nas redes, por exemplo, onde um candidato pode responder de maneira explosiva e descontextualizada, têm criado uma narrativa sem a profundidade necessária para uma análise crítica. “Essa forma de comunicação não oferece uma visão completa dos temas discutidos, o que dificulta a compreensão dos eleitores sobre as propostas e posições dos candidatos.”
Diante dessa realidade, Tourino destaca que é fundamental que os eleitores busquem fontes alternativas para formar uma visão mais ampla. Ele finaliza comentando que: “em tempos eleitorais, é importante dedicar mais tempo à pesquisa e verificar informações em diferentes fontes para evitar a influência de conteúdos manipulados. Uma abordagem mais cuidadosa ajuda a garantir uma escolha de voto mais autônoma e informada, preservando assim a qualidade do processo democrático”.
Uso de IA requer letramento e pensamento crítico
A democracia sempre enfrentou problemas em relação à desinformação. Esses contratempos foram se metamorfoseando, e hoje, encontramos o perigo por trás das produções de inteligências artificiais, as famosas IAs. A professora da Faculdade de Comunicação da UFJF e Coordenadora do Projeto “MemórIA”, Talita Magnolo, esclarece que a IA aprende com dados fornecidos por humanos, o que significa que a máquina pode absorver informações incorretas, ou até mesmo enviesadas. Esse processo de aprendizado depende da qualidade dos dados inseridos, e qualquer falha ou viés pode levar a resultados imprecisos. Além disso, a disseminação de notícias falsas pode ser facilitada pelo uso inadequado dessas ferramentas.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou 12 propostas de resolução que serão aplicadas nas eleições municipais de 2024. Entre elas, estão regras para o uso da IA, proibição do uso dos deep fakes (vídeos adulterados, mas realistas) e possibilidade de responsabilizar plataformas que não atuarem para remover, imediatamente e no período eleitoral, discurso de ódio ou antidemocrático. A relatora dos processos foi a ministra Cármen Lúcia, que presidirá o TSE nas eleições deste ano.
Apesar dessas propostas configurarem um avanço, segundo os estudos de Talita, não há uma visão global eficaz dentro das resoluções existentes sobre desinformação. “De nada adianta se um partido e um candidato seguirem essas regras, mas a sociedade civil em geral continuar criando e disseminando desinformação.”
Diante dessas brechas, inúmeras instituições estão buscando formas de conscientizar a população acerca dessa temática. O projeto “MemórIA”, coordenado por Talita, promove educação midiática para jovens adultos nas escolas públicas de Juiz de Fora. A intenção é demonstrar maneiras responsáveis de usar a inteligência artificial, além do desenvolvimento de pensamento crítico. “A IA não é um oráculo, ela é uma ferramenta, só que a gente tem usado ela como oráculo. Então, o objetivo é promover educação midiática e auxiliar o uso criterioso da IA para a ferramenta otimizar nossas funções do dia a dia”, finaliza a professora.
IAgora?
A Politize!, organização da sociedade civil dedicada à educação política, lançou no dia 20 de agosto o jogo “IAgora?” com a ideia de conscientizar eleitores nas eleições municipais de 2024. O projeto foi desenvolvido em conjunto com a Agência de Checagem Lupa e o AppCívico, que incorpora ferramentas de inteligência artificial e pode ser acessado gratuitamente no site da organização.
Em entrevista para Tribuna, o Coordenador do Portal e da Rede de Produtores de Conteúdo da Politize!, João Leonardo Akihito, comenta que o jogo on-line simula um ambiente de campanha eleitoral, no qual os jogadores assumem o papel de coordenadores de campanha e precisam reeleger seus candidatos. Durante o jogo, os usuários enfrentam cenários que envolvem a disseminação de fake news e o uso de táticas de manipulação on-line, utilizando ferramentas de inteligência artificial (IA) para ganhar a corrida eleitoral.
Segundo João, a ferramenta tem um grande potencial para ajudar no combate à desinformação nessas eleições municipais. O IAgora? oferece uma abordagem interativa e educacional para entender como as fake news e as táticas de manipulação são usadas nas campanhas eleitorais, principalmente com o uso de ferramentas de IA.
*estagiária sob supervisão da editora Júlia Pessôa.