Alunos da UFJF apontam problemas estruturais na moradia estudantil
Estrutura apresenta danos como vazamentos e presença de mofo; estudantes afirmam que problemas permanecem sem solução mesmo após notificar a Universidade
A Moradia Estudantil foi inaugurada com um café em 28 de junho de 2017. Naquele dia, os estudantes conheceram os espaços do prédio, construído na Rua José Lourenço Kelmer 1.119, onde eles esperavam passar todo o período de graduação. Alguns dos universitários selecionados para ocupar um apartamento do edifício, ainda no primeiro edital, lançado no mesmo ano, permanecem no local. Outros, porém, acabaram buscando outras habitações. Muitos deles motivados por problemas que foram aparecendo na estrutura do edifício e que comprometiam os estudos e o descanso dos estudantes.
As queixas levam em consideração a deterioração da estrutura física e a dificuldade de comunicação e resolução desses apontamentos. Segundo o regulamento interno da Moradia Estudantil, registrado em 2019, compete à UFJF a manutenção do espaço, o oferecimento de infraestrutura e mobiliário básico para a ocupação e a manutenção dos impostos e das taxas incidentes sobre o imóvel. Também cabe à Universidade oferecer limpeza semanal nas áreas externas e internas, com exceção dos quartos. Mas para os moradores, tanto em espaços comuns, como nos quartos, ocorrem danos que ficam sem solução.
De acordo com Uziel Sant’Ana, morador do espaço desde 2018, contemplado no segundo edital de seleção, ocorre uma burocracia muito grande para que os reparos e trocas ocorram. “Para substituir um botijão de gás de cozinha demora muito. Já ficamos mais de 20 dias sem poder usar o fogão, porque não podíamos trocar o gás, pois poderíamos sofrer uma sanção. Sentimos que as nossas solicitações são tratadas com descaso”, lamentou, explicando que qualquer alteração no espaço, como a troca do botijão de gás, não pode ser feita pelos estudantes, de acordo com o regimento.
Quando o problema com o gás ocorreu, Uziel mandou um e-mail direto para a Pró-Reitora de Infraestrutura e Gestão (Proinfra). A resposta que recebeu foi de solidariedade do setor, porque tudo o que diz respeito à Moradia precisa passar pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proae). “Eles sabiam do problema, mas não podiam fazer nada sem o aval da Proae. Antes, nós tínhamos botijões que ficavam armazenados. No entanto, antes mesmo da pandemia começar, eles pararam de deixar unidades extras. Fazíamos o pedido e, até que chegasse, outro já tinha acabado. Todos os fogões ficaram sem gás na sequência por conta disso,” detalha.
Sem solução
Ainda de acordo com Uziel, foi iniciada uma obra para a troca de um chuveiro em um dos banheiros, mas o serviço não foi concluído, e ficou um buraco no teto. Segundo ele, há uma janela sem vidro no andar em que ele reside e o portão que deveria estar instalado próximo à ala feminina, que serviria como uma barreira de segurança, está quebrado e encostado em um canto.
A estudante Jéssica Simões reside na moradia desde a inauguração. Ela relata que, quando se mudou para o local, tudo estava estruturado no prédio, mas em quatro anos, testemunhou diversas ocorrências. Há, segundo ela, um problema de infiltração no teto, que piorou com o período de chuvas e fez com que o mofo se alastrasse pelos quartos. “Ainda não recebemos posicionamento da UFJF e, infelizmente, a situação tem ficado pior. Acredito que a solução que eles podem oferecer é mudar de quarto, mas isso não resolve o problema. Além das paredes, o mofo atingiu as camas. Há uma tábua de madeira que toda semana mofa. Dá um bolor que passa para tudo, para o colchão, para a parede”, lamentou a estudante.
Outra estudante que está desde o primeiro edital na moradia, e prefere não ser identificada, também enfrenta as dificuldades causadas pela presença do mofo. Ela convive com uma rinite e sofre as reações alérgicas causadas pelo bolor. “Até tento arejar, manter a porta e as janelas abertas, mas como passa muita gente, é complicado.” A graduanda também reclama sobre a sensação de insegurança, em função de não ter a chave da moradia. “Se chegamos mais tarde e o porteiro estiver resolvendo algo, ficamos presos na rua, o que é muito arriscado. Não ter a chave de onde mora é complicado”, reforça.
Ela também lamenta que alguns pequenos reparos, como a troca de lâmpadas, podem até demorar um pouco, mas são feitos. Mas outros casos, como a reposição de itens como sabonetes, toalhas de papel para a secagem das mãos e até de maçanetas quebradas é muito demorada. “Também estão previstas vistorias frequentes, mas elas nunca ocorreram. Se tiver algum problema maior, a UFJF não tem nem como dizer o que ocorre, porque não tem acompanhamento.”
Ainda de acordo com moradores da Moradia Estudantil, uma máquina de lavar do edifício está parada desde 2018 e nem mesmo o espaço destinado à lavanderia é acessível, pois ficam fechados com cadeados. Para limpar o local, que constantemente acumula folhas e lama, é preciso pular uma janela. Além disso, o interfone fica sem funcionar constantemente. “Já ficamos com o portão aberto por meses, sem qualquer solução”, disse Jéssica.
Agravamento do quadro durante a pandemia
Os estudantes apontam que há uma sensação de abandono desde o início da pandemia. Segundo Jéssica, a UFJF só disponibilizou álcool em gel na moradia no começo, quando houve uma reunião para orientar o isolamento. “Só que isso é impossível, porque estou na ala da lavanderia, então todo mundo passa por aqui, não tem como. Eles falaram que iam colocar suportes para álcool nas alas, mas isso nunca foi feito. São coisas que a Universidade produz, como álcool e máscaras, porque não distribuíram mais unidades na moradia?”, questionou um estudante.
Diante de uma reclamação feita também por e-mail, uma nova remessa de álcool foi enviada. Mas segundo os discentes, em ambientes como a portaria, o reabastecimento do produto deveria ser intensificado. Duas pessoas, de acordo com os moradores, chegaram a contrair a doença na moradia. Eles dizem que as pessoas que foram infectadas foram orientadas remotamente como lidar com a situação, buscando o isolamento e evitando o contato com os demais presentes. A Universidade teria se colocado à disposição para orientar e oferecer exames.
Comunicação direta
A Moradia Estudantil, segundo o regimento, é administrada de forma compartilhada pelas instâncias administrativas da UFJF, mas também por uma Comissão de Moradores prevista no documento. Nenhum dos moradores com o qual a Tribuna fez contato durante a apuração soube indicar quem é o representante da comissão. Todos eles, no entanto, relatam entraves na comunicação com a Proae, o que inclui processos burocráticos e, ao mesmo tempo, a ausência de uma interação mais direta.
“Independente do que aconteça, seja uma briga, uma mudança no regimento, ou problemas com a estrutura, é muito difícil reportar à Proae. Primeiro porque eles dificilmente falam conosco, segundo porque a comunicação não pode ser feita diretamente. Temos que falar com várias pessoas até chegar lá”, explica o estudante Marcelo Rufino, que entrou na moradia no segundo edital. Ele acredita que a possibilidade de ter um canal direto, com formalização posterior das demandas, poderia ser um caminho para solucionar os impasses.
Para ele, caberiam medidas como destacar um profissional da UFJF para fazer uma manutenção regular, preventiva, antes que os problemas afetem a estrutura. “É preciso estabelecer uma comunicação confiável, para que a gente saiba que vamos ter nossas demandas ouvidas. Precisamos desse canal urgente e, também, de medidas que sejam coerentes com o que está no regimento.
Burocracia impede solução imediata dos problemas
A atual pró-reitora de Assistência Estudantil, Cristina Bezerra, que é professora da Faculdade de Serviço Social, assumiu o cargo em novembro de 2020. Ela explica que a construção dos prédios da moradia estudantil se deu na gestão anterior. “Eles foram construídos sem o ideal planejamento das estruturas. Quando o professor Marcus David assumiu a reitoria, foram necessárias várias obras para que a moradia se tornasse habitável”, explica. Ela conta que o imóvel ficou fechado por muito tempo, o que favoreceu o desgaste.
Conforme a representante da Universidade, os estudantes que permanecem na moradia são os primeiros a experimentar o espaço. E as questões de convivência entre muitas pessoas e as demandas que surgem dessa relação são importantes para que se pense na construção como um todo. Ela ressalta que o caminho imediato para o recebimento de queixas sobre a estrutura é um e-mail direto, específico para esse tipo de atendimento. Cristina ainda explica que todas as queixas são encaminhadas para a Pró-Reitoria de Infraestrutura e Gestão (Proinfra).
A pró-reitora pontua que a Proinfra atende a toda a Universidade, tanto no campus Juiz de Fora, quanto no campus Governador Valadares e o setor, além de toda essa demanda de trabalho, ainda tem dificuldade de compra de material, como em casos que faz a licitação, mas nenhuma empresa é aprovada. Além disso, há problemas orçamentários, em razão do corte de R$ 4 milhões na Política de Assistência Estudantil das universidades públicas. “Como vamos manter tudo isso? É uma dificuldade que encontramos nos últimos anos, que trata desse processo de sucateamento”. Conforme Cristina, há um esforço para acelerar os atendimentos, porém, na maioria das vezes, para ela, as questões não dependem apenas do trabalho da Proae.
Ainda apresentando o contexto, Cristina reitera que há vários trabalhadores atuando de maneira remota, algo que também impacta o atendimento imediato da Proinfra. Além disso, para ela, o excesso de burocracia do qual se queixam os estudantes, está em algo que é inerente a um bem que é público, que envolve uma série de protocolos e processos.
“Depende de comprar uma peça, da empresa entregar o botijão de gás e tudo para o serviço público é mais demorado e mais caro. Pois é preciso fazer licitação e isso dificulta uma resposta imediata”, considerou. Para Cristina Bezerra, é preciso fazer um trabalho preventivo, com o controle dos problemas, a partir de um mapeamento do que é mais recorrente, para que os moradores não precisem esperar tanto tempo por uma resposta.
Com relação às chaves, Cristina diz que por uma questão institucional, não é possível dar uma cópia a cada um. Mas não há, segundo ela, desconfiança ou algo nesse sentido, mas uma medida para mantê-los protegidos.
A pró-reitora revela ainda que há um novo plano de gestão em elaboração, com foco na prevenção, para evitar a ocorrência desses problemas.
Pandemia
Durante a pandemia, segundo Cristina Bezerra, o atendimento à residência dos estudantes é mantido. Eles recebem as refeições no espaço e não precisam se deslocar até o Restaurante Universitário. Uma moradora, segundo ela, testou positivo para Covid-19. “Nós fizemos todo o atendimento dela, a partir da constatação de que uma pessoa com Covid em uma casa coletiva, precisa ter outros cuidados. Fizemos um protocolo de atendimento aos estudantes. “.
Nesse período, alguns universitários voltaram para suas cidades de origem e isso, segundo a pró-reitora, fez com que os representantes da Comissão de Moradores estivessem ausentes. Um grupo emergencial de representantes dos estudantes deverá ser criado, de acordo com a pró-reitora.
Por fim, a pró-reitora também enfatizou que há uma dificuldade orçamentária, proveniente da Política Nacional de Assistência Estudantil, que também influi na resolução de todos os problemas detalhados pelos universitários, que são os cortes orçamentários sofridos pelas instituições superiores de ensino. “A situação das Universidades está muito precária. Só na Política de Assistência Estudantil, do ano passado para agora, vamos ter um corte de R$ 4 milhões. Como vamos manter tudo isso? É uma dificuldade que encontramos nos últimos anos, que trata desse processo de sucateamento”.